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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Eu tô do lado de quem?


Há alguns dias, circulou na imprensa a seguinte notícia:


As redes de supermercados brasileiros fizeram um levantamento do quanto é perdido com furtos ao longo do ano. R$ 1,5 bilhão por ano é o valor do prejuízo, que é repassado, em parte, para o consumidor. Mas engana-se quem acha que alimentos da cesta básica são os principais itens furtados. O chocolate é o campeão, segundo a Associação Brasileira de Supermercados. O pacote de carne é o segundo produto de uma lista inclui salgadinhos, lâmina de barbear, desodorante e bebidas. Com isso, os gastos com segurança têm aumentado gradativamente, embora isso não garanta a inexistência do ato. Mesmo em um supermercado com 108 câmeras, são registrados, em média, 15 furtos por mês. "Desde o produtor até o consumidor final é afetado quando existe a perda do produto. Este valor tem que ser composto novamente no produto", diz Geraldo Marques, diretor da Associação Brasileira de Supermercado. Outros dispositivos de segurança têm sido testados, mas alguns donos de negócios admitem que preferem deixar de vender certos produtos, que são os maiores alvos de furtos."

A manchete é impactante. 1,5 Bilhão é muito dinheiro. Mas, é bom ir além do que grita na matéria e analisar as letras miúdas, sem esquecer o que não é dito expressamente. Que conclusões podemos tirar e que cuidados, precisamos ter, ao ler esta matéria. E o que esta leitura diz de nós mesmos.

Primeiro, vamos a uma informação importante. Quem fez essa pesquisa? Com que métodos? Onde foi publicado? Quem assina? As "redes de supermercado"?

Outro silêncio que diz muito: Quantos supermercados existem no Brasil? Qual o lucro anual desses mesmos supermercados? Se só o prejuízo com os furtos é de 1,5 Bilhão (em caixa alta) e, mesmo assim, eles se mantém funcionando, qual será a cifra dos lucros que auferem? Se os números estiverem certos, talvez só com o que ganham os donos de supermercados brasileiros seja possível alimentar a humanidade inteira.

Agora, uma afirmação que esconde outro silêncio. A matéria adverte: "Mas engana-se quem acha que alimentos da cesta básica são os principais itens furtados. O chocolate é o campeão, segundo a Associação Brasileira de Supermercados. O pacote de carne é o segundo produto de uma lista inclui salgadinhos, lâmina de barbear, desodorante e bebidas". A frase oculta é "não me venham com essa conversinha de que as pessoas furtam pra comer. Ninguém come lâmina de barbear e desodorante. Esses safados só querem fazer churrasco na laje, barbeados, cheirosos, tomando todas e ainda com chocolate de sobremesa".

Mas, vamos esquecer os silêncios e considerar que nossos briosos empreendedores sofrem tanto com os malditos e ambiciosos gatunos. Teríamos um problema. Supermercados brasileiros sofreriam um prejuízo capaz de matar a fome mundial, por furtos de produtos como chocolates, carne, desodorante e cerveja. E agora? Sob que ótica podemos ver isto?

Uma possibilidade seria se unir aos empresários e reclamar da falta de segurança. Pedir penas maiores e mais céleres. Bradar contra a justiça que solta as pessoas que furtaram bens de pequeno valor. E, principalmente, pedir a prisão dessas pessoas, que não aprendem e vão continuar fazendo isto, eternamente. Afinal de contas, elas são más, ou, no mínimo, preguiçosas.

Outra alternativa seria refletir sobre um dado realmente impactante: tem gente (pessoas, seres humanos) que furta desodorantes. Por que você não imita eles e pega esses bens nos mercados e esconde nos bolsos? Não é porque é proibido, porque tem medo de ser preso. É porque o custo deles é insignificante diante do que você possui, do que você ganha e do que você precisa. São poucas coisas coisas que fazem alguém pegar sorrateiramente um chocolate, em uma loja. As principais são: brincadeira infantil, cleptomania e miséria. O brado, então, não se voltaria contra quem furtou, mas contra um estado de coisas que admite a miséria.

Não existe leitura neutra quanto a isto. Reagir, com ou sem indignação, significa decidir um lado. Pode-se ficar com quem se dá ao luxo de perder 1,5 bilhão por ano e mesmo assim tem lucro.Aí, vamos pedir a punição de quem furta de modo contumaz, ou a punição de quem furta pequenos bens para comprar drogas baratas. A outra alternativa é ficar ao lado de quem acha que R$2,00, R$10,00, ou R$50,00 são valiosos demais e prefere assumir o risco de ser preso, humilhado, espancado ou preso a gastá-los em lâminas de barbear, chocolates, cervejas ou desodorantes.

Eu já escolhi o meu lado. O jornal, com os ditos e não ditos, escolheu o dele. Vamos lá, escolha o seu.


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