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sábado, 4 de maio de 2013

Pela Ampliação da Maioridade Intelectual





Nas últimas semanas, um tema domina os noticiários e se espalha pelas redes sociais: a redução da maioridade penal. Pretendo me dirigir a quem defende o clamor do momento, para sugerir uma forma mais inteligente de fazê-lo. Digo isto porque os argumentos apresentados costumam ser superficiais ou até inadequados à questão. Vou indicar algumas premissas e pontos mínimos que não podem ser ignorados.

 Existe, realmente, um problema?

O primeiro ponto trazido pelos defensores da redução da maioridade é o de que os adolescentes estão cometendo muitos delitos graves e são os causadores da insegurança pública. Isto seria, de fato, um problema. Porém, para saber se isto é verdade, seria necessário responder algumas perguntas, como por exemplo: qual o percentual de práticas de fatos definidos como crimes por adolescentes? Dentre esses, qual o percentual de crimes graves?

Mas, atenção! Os percentuais questionados não são deduzidos da quantidade de notícias em jornais. Um veículo de imprensa escolhe o que divulga, o que não divulga e como divulga. Aliás, os grandes estudiosos de criminologia são unânimes em afirmar que, normalmente, há uma ênfase extremamente exagerada nos delitos menos comuns, como estupros e homicídios. Também existe destaque maior quando o autor se enquadra em algumas características, como ser menor de idade ou estar em regime semi-aberto. É necessário consultar dados oficiais e pesquisas confiáveis.

Se você conseguir ultrapassar esta etapa, não significa, de modo algum, que a discussão acabou, mas somente que ela pode ser iniciada.

Premissas.

Considerando que você já tenha comprovado o problema e queira apontar o direito penal como solução para ele, precisará recordar e enfrentar algumas premissas inafastáveis do Estado democrático.

a) Direito penal é a última alternativa. Penas são as sanções mais graves em um ordenamento. São medidas drásticas. Sempre que existe um problema, o direito penal só pode ser considerado opção se não houver nenhuma outra solução possível.

b) É preferível não punir penalmente quem mereceria, do que punir quem não merece. Disto surgem duas consequências. Primeiro, é preciso haver uma idade mínima, porque do contrário, haveria um grande espaço de subjetividade na definição de quem poderia ou não ser julgado como maior. Segundo, considerando que as pessoas se desenvolvem de modo distinto, a idade mínima precisa ser aquela com a qual a maioria das pessoas podem, seguramente, ser consideradas responsáveis.

c) O direito penal existe para evitar a prática da vingança. A sua atuação precisa ser justificada por algum benefício que traga à sociedade. Por isto, dizer, simplesmente, que "ele merece", ou "se fosse sua mãe, o que você faria?"não é válido. 

Se você conseguir comprovar o problema ( o envolvimento significativo de adolescentes em crimes graves) e superar as premissas ( não há saída fora do direito penal, há uma idade inferior a 18 anos em que, com segurança, podemos afirmar que uma pessoa já seja plenamente capaz e você espera algo, além de vingança), vamos analisar se o meio escolhido (reduzir a maioridade penal) é bom ou não.

Uma pena mais grave reduziria a quantidade de crimes?

Normalmente, as pessoas afirmam isto, porque acham que 03 anos de privação de liberdade é muito pouco, para inibir que pessoas pratiquem delitos. Assim, aumentar a duração resolveria os problemas. Para discutir isto de verdade, é preciso consultar estudos sérios apontando a relação entre penas mais graves e redução de delitos. Uma pesquisa histórica sobre o tema foi realizada por  Georg Rusche e Otto Kirchheimer e se chama "Punição e Estrutura Social". Vale também verificar se, entre os adultos, o robusto incremento de rigor decorrente da lei dos crimes hediondos fez diminuir os crimes hediondos.

Outro aspecto a ser considerado é que o tempo também é relativo. Para quem viveu pouco tempo (os adolescentes) e para quem tem pouco tempo a viver (os velhos), três anos têm valor diferente do que para quem possui 30 ou 40 anos. Além disto, a sensação de duração de tempo é distinta na prisão e em liberdade. Eisten (sim, aquele) exemplifica este fenômeno com um rapaz passando um minuto ao lado de uma moça agradável ou sentado em um fogão aceso. No primeiro caso, sentirá que o tempo passou rápido, enquanto no segundo, achará uma eternidade.

Tudo isto precisa ser enfrentado para responder a pergunta. Em suma, você precisará descobrir se, de fato, os adolescentes fazem coisas erradas apenas porque acham que "03 anos passam rapidinho, o castigo é insignificante”. Não é suficiente repetir chavões como "logo, ele estará livre", "ele sabe que a punição é pequena".

A prisão é um boa escola?

Outra teoria frequente no senso comum é a de que a punição rigorosa levaria ao "aprendizado", pelo castigado, de como se portar futuramente. Neste caso, seria necessário perguntar se restringir o grupo social de pessoas de 16 anos a  adultos mais experientes na prática de delitos, seria uma boa maneira de ensiná-las os valores sociais considerados adequados.

Necessário também investigar se os adultos selecionados pelo sistema penal e, principalmente, pela prisão, costumam ser devolvidos à sociedade mais ou menos adaptados às suas regras. Após o cumprimento da pena, o egresso costuma se sentir mais incluído ou mais excluído? Ele se identifica e constrói a autoimagem de cidadão ou de marginal? O índice de reincidência é grande ou pequeno? São indagações muito relevantes e que precisam ser analisadas.

Quem paga a conta?

Um aspecto desta possível solução para o problema é estranhamente omitido dos debates. Prender mais pessoas ou prender pessoas por mais tempo, demanda a construção de mais locais para abrigá-los. Infelizmente, ou felizmente, penitenciárias não são encontradas na natureza. Elas precisam ser construídas, e mantidas.

Nossa população carcerária é uma das maiores e das que mais crescem no mundo. O sistema penal do Brasil já tem um déficit de vagas muito grande. Onde esses novos presos seriam colocados? Seriam construídas novas unidades? Quantas? Qual o custo? De onde sairá a verba? Quantos hospitais deixarão de ser criados? Quantos professores e médicos deixarão de ser contratados? Em resumo, qual a prioridade, prisões ou escolas?

As possibilidades e consequências de o Estado sustentar, dentro das exigências legais, novas vagas para encarcerar mais gente devem ser esclarecidas. Do contrário, será apenas uma proposta irresponsável de políticos populistas, acatada por inocentes (ou não) úteis.

Conclusão

Estas são algumas perguntas a serem respondidas, para racionalizar o debate. Não esgotam, porém, o tema. Muitas outras questões poderiam ser formuladas. Um bom exemplo, é o fato de a Constituição da República dizer que os direitos e garantias individuais não podem sequer ser objeto de emenda constitucional (artigo 60 §4º) e idade mínima penal se encontra entre elas (art. 228). Como viabilizar projetos de lei flagrantemente inconstitucionais?

Sem passar por este processo de maturação das ideias, quem propõe reduzir a maioridade penal apresentará um discurso vazio e rasteiro. Por isto, vai continuar a ser tratado com desprezo pelos seus oponentes. Não é porque eles são arrogantes. É porque quem discute com base em senso comum não pode ser levado a sério. Está na hora de ampliar, no sentido de difundir, a maioridade intelectual. 






quinta-feira, 2 de maio de 2013

Histórias de Gibi



Duas bombas explodiram, no fim de uma maratona nos Estados Unidos, matando três pessoas. Muito depressa, a polícia apontou alguns suspeitos. Após um dos investigados ser morto e outro capturado, faltava alcançar um. Quando o garoto de 19 anos foi preso, a população saiu às ruas, para aplaudir e comemorar, pois a justiça havia se concretizado. Ninguém dentre os celebrantes tinha qualquer dúvida sobre a culpa do garoto. Não era preciso aguardar o fim das investigações, ou início do processo. A polícia disse que era ele, então era ele.

Mesmo longe, a certeza da legitimidade de todos os atos oficiais atingia níveis absurdos. O canal Globo News exibiu matéria em que um suspeito era preso e levado a uma viatura, completamente nu. A explicação para a ausência de roupas era que ele fora minuciosamente revistado. O jornalista afirmava repetidas vezes que aquele homem havia sido morto em um tiroteio. Um mínimo de ceticismo o levaria a desconfiar de algumas coisas. Por que após a revista não deixaram que ele se vestisse ou o cobriram com um lençol? Como alguém entra em um carro pelado e algemado e depois morre em um tiroteio? Mas, indagações não estavam no roteiro.

Um promotor paulista disse em palestra para estudantes que o advogado não defende o crime, mas sim o criminoso. Outro, no Rio Grande do Sul, elogiando a Defensoria Pública local, disse que se cometesse um delito, gostaria de ser ajudado por ela. Não passou pela cabeça do primeiro que o advogado não defende necessariamente "o criminoso", mas o réu, que muitas vezes é inocente. Não são sinônimos. O segundo esqueceu que pessoas são processadas e precisam da Defensoria, mesmo sem ter cometido qualquer delito. Estava implícito nas afirmativas deles, ironicamente os responsáveis por fiscalizar a atividade policial, que confiam plenamente, quando os inquéritos apontam os suspeitos.

Quando se menciona o acontecimento de um crime, a maioria das pessoas não demora para acreditar que o delito realmente ocorreu. Basta, então, apontar um culpado que a culpa está formada. É considerado extremamente necessário e reconfortante que alguém seja punido o mais rápido possível e com todo rigor. O senso comum, aliás, diz que a causa de todos os problemas do planeta é a impunidade. As leis são sempre ultrapassadas e excessivamente benevolentes, com os "bandidos". Esse discurso esteve presente em todos os períodos históricos, até mesmo nas ditaduras. Para salvar a sociedade, portanto, queremos eleger monstros, para odiar e depositar as frustrações.

Pessoas são julgadas social e judicialmente, como se vivêssemos em histórias infantis. Existem os heróis e os vilões, muito bem delineados. Uns são bons e sempre dizem a verdade, outros são maus e sempre mentirosos. Quem questiona o mocinho é vilão também. A decisão está tomada no exato momento em que as autoridades americanas divulgam o rol dos suspeitos, ou o Governo da Bahia divulga o nome do rei do copas do seu vergonhoso "baralho do crime". Definidos os papéis de cada um por quem tem o poder de contar as histórias, qualquer conduta será interpretada a partir deles. Afinal, se alguém foi nomeado como rei de copas é porque deve ser perigoso.

É nesse contexto hostil que as pessoas se defendem. Talvez, devêssemos duvidar um pouco mais de toda a história e não apenas de um ou outro personagem. Quando, para defender ou atacar uma tese, alguém se esconde atrás do escudo de "guerreiro contra a impunidade" é porque o discurso ficou vazio. Atingindo esse nível de maturidade, a sociedade vai discutir como evitar que adolescentes sejam autores ou vítimas de atos infracionais, em vez de antecipação da maioridade penal. Vai ser possível também debater meios de reduzir os danos causados pelo consumo de drogas, em vez de como punir mais os vendedores.  Quem sabe até sobrará tempo para lutar contra a pobreza e não pela prisão dos pobres? Vamos, em fim, nos preocupar com a essência das questões. Mas, só se pararmos de acreditar em gibis.