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sábado, 28 de janeiro de 2012

Pinheirinho. Blowing in the Wind.

extraído do CONUR. LINK AQUI.

CASO PINHEIRINHO

Decisão do STJ indica que havia outra saída na disputa

"Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana." A afirmação do ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (hoje aposentado), consta de decisão tomada pelo tribunal em agosto de 2009, na discussão de um caso idêntico ao do bairro Pinheirinho, na cidade de São José dos Campos (SP).
A decisão do STJ indica que a reintegração de posse do Pinheirinho, feita pela Polícia Militar de São Paulo no domingo passado (22/1), não era a única alternativa para resolver a disputa judicial travada em torno da propriedade do terreno que há oito anos foi ocupado por famílias de baixa renda. No julgamento de um pedido de reintegração de posse do terreno onde hoje há o bairro Renascer, em Cuiabá (MT), o STJ decidiu que o emprego de força policial para a retomada da área poderia ser a medida necessária, mas não era a mais adequada.
Os ministros tomaram a decisão em um pedido de intervenção federal no estado de Mato Grosso feito pela massa falida da empresa Provalle Incorporadora, dona da área de quase 500 mil metros quadrados onde nasceu o bairro na capital de Mato Grosso. Como em Pinheirinho, a empresa obteve na Justiça estadual, em 2004, a ordem de reintegração de posse. Mas a ordem não foi cumprida pelo então governador Blairo Maggi — hoje senador pelo PR. E o STJ deu razão ao governador.
O relator do pedido de intervenção, ministro Fernando Gonçalves, defendeu que existiam outros meios menos drásticos para ressarcir a empresa dona do terreno. "Por exemplo, fazendo uma desapropriação ou resolvendo-se em perdas e danos", afirmou o ministro na ocasião.
"No caso concreto, à saciedade, está demonstrado que o cumprimento da ordem judicial de imissão na posse, para satisfazer o interesse de uma empresa, será à custa de graves danos à esfera privada de milhares de pessoas, pois a área objeto do litígio encontra-se não mais ocupada por barracos de lona, mas por um bairro inteiro, com mais de 1000 famílias residindo em casas de alvenaria. A desocupação da área, à força, não acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor", ponderou Gonçalves.
Os bairros Pinheirinho, em São José dos Campos, e Renascer, em Cuiabá, se assemelham em tudo. Ambos nasceram em propriedades privadas que pertenciam a empresas, mas estavam vazios por conta de longas disputas judiciais. Os dois foram ocupados por centenas de famílias de baixa renda e se tornaram bairros populosos, com a infraestrutura de qualquer bairro residencial.
Nos dois casos, as empresas proprietárias da área conseguiram, na Justiça estadual, mandado de reintegração de posse, com uso de força policial, caso necessário. No caso de Mato Grosso, contudo, o governador não cumpriu a ordem judicial. A empresa recorreu ao STJ, pedindo a intervenção federal no estado pelo descumprimento da decisão judicial, mas a Corte Especial do tribunal, por seis votos a quatro, rejeitou o pedido.
Em seu voto, o ministro Fernando Gonçalves anotou que não se tratava de negar à massa falida da empresa seu direito à propriedade da área. Mas de ponderar os valores constitucionais em jogo na disputa. De um lado, o direito à vida, à liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à dignidade da pessoa humana. De outro, o direito à propriedade. A maior parte dos ministros entendeu que o direito à propriedade não poderia suplantar as demais garantias.
Em março de 2005, o governador Blairo Maggi justificou os motivos de não cumprir a ordem judicial. Entre eles, o fato de morarem na área mais de três mil pessoas, em 1.027 casas. Em seu relatório, o ministro Gonçalves anota que o governador também ressaltou que não enviou a polícia para desocupar a área "em decorrência dos ditames constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, diante das consequências funestas que poderiam advir da intervenção policial". De acordo com Maggi, a ação poderia acarretar uma guerra urbana de proporções imprevisíveis.
Clique aqui para ler os votos dos ministros do STJ e a discussão no julgamento do caso do bairro Renascer
Leia a íntegra do acórdão e do voto do ministro Fernando Gonçalves
INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3)
RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
REQTE: PROVALLE INCORPORADORA LTDA – MASSA FALIDA
ADVOGADO: MICAEL HEBER MATEUS
REPR. POR: POLIDORA DE MÁRMORES GOIÂNIA LTDA – POLMATGO – SÍNDICO
UF: ESTADO DE MATO GROSSO
EMENTA
DIREITO CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. CUMPRIMENTO. APARATO POLICIAL. ESTADO MEMBRO. OMISSÃO (NEGATIVA). PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PONDERAÇÃO DE VALORES. APLICAÇÃO.
1 - O princípio da proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies de atos dos poderes constituídos, apto a vincular o legislador, o administrador e o juiz, notadamente em tema de intervenção federal, onde pretende-se a atuação da União na autonomia dos entes federativos.
2 - Aplicação do princípio ao caso concreto, em ordem a impedir a retirada forçada de mais 1000 famílias de um bairro inteiro, que já existe há mais de dez anos. Prevalência da dignidade da pessoa humana em face do direito de propriedade. Resolução do impasse por outros meios menos traumáticos.
3 - Pedido indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, indeferir o pedido de intervenção. Vencidos os Ministros Gilson Dipp, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki e Nilson Naves. Os Ministros Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Laurita Vaz e Luiz Fux votaram com o Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Cesar Asfor Rocha e Francisco Falcão. Licenciada a Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 05 de agosto de 2009. (data de julgamento)
MINISTRO ARI PARGENDLER, Presidente
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator
INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Cuida-se de pedido de intervenção federal no Estado do Mato Grosso requerida pela Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda por não haver o Governador daquela unidade federativa atendido requisição de força policial do Juízo de Direito da Vara de Falências e Concordatas de Goiânia - GO - para dar cumprimento a mandado de reintegração de posse em área de 492.403m², decorrente de acórdão do Tribunal de Justiça que guarda a ementa seguinte:
"INTERVENÇÃO FEDERAL - IMISSÃO DE POSSE - RESISTÊNCIA AO CUMPRIMENTO DE MANDADO JUDICIAL - REQUISIÇÃO DE FORÇA POLICIAL - INÉRCIA DAS AUTORIDADES ESTADUAIS EM CUMPRIREM A DETERMINAÇÃO JUDICIAL - HIPÓTESE DE INTERVENÇÃO AUTORIZADA PELO ARTIGO 34, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
A intervenção federal, providência de natureza excepcional, deve ser acolhida quando demonstrado que o Poder Executivo do Estado procrastina, por anos, o atendimento de requisição de força policial para auxiliar o cumprimento de decisão transitada em julgado." (fls. 39)
Nas informações o Exmo Sr. Governador do Estado de Mato Grosso BLAIRO BORGES MAGGI assinala não haver enviado reforço policial para evacuar a área, já conhecida como "Bairro Renascer", em decorrência dos ditames constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, diante das conseqüências funestas que poderiam advir da intervenção policial. É que a área em questão, transformada em bairro, conta com mais de mil edificações e milhares de moradores, o que poderia acarretar uma guerra urbana de proporções imprevisíveis.
Após pronunciamento ministerial, foi oficiado ao Ministro das Cidades solicitando informações a respeito de providências tomadas diante de expediente da Subprocuradoria-Geral da República, conforme fls. 60 e 67. Sobreveio, então, a notícia de eventual transação, devidamente homologada, entre o Estado de Mato Grosso, o Município de Cuiabá e a Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda (fls. 83⁄84 e documentos de fls. 85⁄99). Foi ouvida a Subprocuradoria-Geral da República (fls. 102⁄104), mas não anexada aos autos a sentença homologatória da transação noticiada, com a informação pelo Juízo de Direito da 11ª Vara Cível de Goiânia - fls. 162⁄164 - da não concretização do acordo.
O Ministério Público Federal, finalmente, opina pelo indeferimento do pedido de intervenção federal.
É o relatório.
INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):
as informações prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Mato Grosso, em 15 de março de 2005, está consignado, verbis:
"... segundo estudos realizados pelo Comando Geral de Polícia Militar, na área em litígio estariam presentes mais de 3000 mil pessoas somando um total de 1027 habitações, números estes que corroboram sobremaneira à assertiva de imensa dificuldade e de imprevisíveis conseqüências trágicas que a utilização de força policial poderia acarretar não só à região ocupada, mas a todo o município de Cuiabá.
Assim, vê-se sem nenhum esforço e com certa facilidade que a retirada dos ocupantes do "Bairro Renascer" não se constituiria em tarefa singela e de fácil execução, pois a ilustre parte ex adversaestá muito a par, e por certo superiormente a nós outros que desocupar uma área com tantos moradores e com um número grandioso de construções não poderia ser efetivada sem acarretar um enorme transtorno urbano.
Dessa forma, ao contrário do alegado pela requerente, não se trata em absoluto, de descumprimento ou de desobediência as decisões emanadas do Poder Judiciário, iluminadas que foram as atitudes tomadas pelas Autoridades responsáveis pela Segurança Estadual, que agiram sob o pálio e o imperativo da cautela, da precaução e acima de tudo, em respeito aos atributos constitucionalmente consagrados da proporcionalidade e principalmente da razoabilidade." (fls. 52)
Em decorrência, em um primeiro momento, a Subprocuradoria-Geral da República, veio a opinar no sentido de se negar o pedido de intervenção, por não ser conveniente ao "interesse social uma previsível tragédia, vitimando inocentes, e jogando ao desamparo mais de 1000 famílias, para atender aos interesses particulares dos credores de uma massa falida (fls. 58).
Colocado nestes exatos termos o debate, em face da relevância da situação e frente à possibilidade real de dano grave e de difícil reparação, com evidentes reflexos na ordem pública, foi pedida a interveniência do Ministério das Cidades, acolhendo requerimento do Ministério Público Federal, não se vislumbrando, entretanto, solução plausível para o problema, porquanto a transação noticiada (fls. 84) entre o Estado de Mato Grosso, o Município de Cuiabá e a Massa Falida não teve bom termo, eis que não homologada judicialmente. Diz, com efeito, o MM. Juiz de Direito da 11ª Vara Cível de Goiânia (fls. 164):
"Assim, sem homologação do acordo não cumprido - por volta de dezembro de 2004 a precatória de imissão da Massa na posse do imóvel foi devolvida para que o Juízo da Comarca de Cuiabá desse cumprimento à mesma, intimando o Governador daquela Unidade Federada para que fornecesse efetivo da Polícia Militar para cumprimento da ordem judicial.
Desde então, segundo informações deste juízo, a mencionada Carta Precatória permanece parada sem cumprimento.
Destarte, arrematando, informo que segundo se verifica dos autos, o acordo noticiado, pelas razões já expostas, não foi homologado, e que a carta precatória continua no Estado do Mato Grosso, aguardando cumprimento." (fls. 164)
Nesse contexto, a solução do problema deve ter por base o princípio da proporcionalidade, conforme aliás, antes mencionado, pois, como visto, o caso encerra, a toda evidência, um conflito de valores ou, em outras palavras, a ponderação de direitos fundamentais. De um lado, o direito à vida, à liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à própria dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III da Constituição Federal). De outro, o direito à propriedade.
Em tema de ponderação de valores, a doutrina constitucionalista e a jurisprudência da Suprema Corte, salientam que, sem a exclusão de quaisquer dos direitos em causa, até mesmo porque não pode haver antinomia entre valores constitucionais, deve prevalecer, no caso concreto, aquele valor que mais se apresenta consetâneo com uma solução ponderada para o caso, expandindo-se o raio de ação do direito prevalente, mantendo-se, contudo, o núcleo essencial do outro, com aplicação da três máximas norteadoras da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
No caso concreto, à saciedade, está demonstrado que o cumprimento da ordem judicial de imissão na posse, para satisfazer o interesse de uma empresa, será à custa de graves danos à esfera privada de milhares de pessoas, pois a área objeto do litígio encontra-se não mais ocupada por barracos de lona, mas por um bairro inteiro, com mais de 1000 famílias residindo em casas de alvenaria. A desocupação da área, à força, não acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar, em tema específico de intervenção federal, sobre o princípio da proporcionalidade, na IF nº 2915-5⁄SP (DJU 28⁄11⁄2003), relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes que, em seu elucidativo voto, discorre sobre o tema:
"Em nosso sistema federativo, o regime de intervenção representa excepcional e temporária relativização do princípio básico da autonomia dos Estados. A regra, entre nós, é a não-intervenção, tal como se extrai com facilidade do disposto no caput: do art. 34 da Constituição, quando diz que "a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal. exceto para: ( ... )".
Com maior rigor, pode-se afirmar que o princípio da não intervenção representa sub-princípio concretizador do princípio da autonomia, e este, por sua vez, constitui sub-princípio concretizador do princípio federativo. O princípio federativo, cabe lembrar, constitui não apenas princípio estruturante da organização política e territorial do Estado brasileiro, mas também cláusula pétrea da Carta de 1988.
No processo de intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, verifica-se, de imediato, um conflito entre a posição da União, no sentido de garantir a eficácia daqueles princípios constantes do art. 34 da Constituição, e a posição dos Estados e do Distrito Federal, no sentido de assegurar sua prerrogativa básica de autonomia. A primeira baliza para o eventual processo de intervenção destinado a superar tal conflito encontra-se expressamente estampada na Constituição, quando esta consigna a excepcionalidade da medida interventiva.
Diante desse conflito de princípios constitucionais, considero adequada a análise da legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao princípio constitucional da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo - tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.
A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleo1ógica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ("A proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do principio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).
Registre-se, por oportuno, que o principio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed., p. 264).
Cumpre assinalar, ademais, que a aplicação do princípio da proporcionalidade em casos como o presente, em que há a pretensão de atuação da União no âmbito da autonomia de unidades federativas, é admitida no direito alemão. Nesse sentido, registram Bruno Schmidt Bleibtreu e Franz Klein, em comentário ao art. 37 da Lei Fundamental, que "os meios da execução federal ("Bundeszwang") são estabelecidos pela Constituição, pelas leis federais e pelo princípio da proporcionalidade " ("Die Mittel des Bundeszwanges werden durch das Grundgesetz, die Bundesgesetze und das Prinzip der Verhältnismäbigkeit", Kommentar zum Grundgesetz, 9ª ed., Luchterhand, p. 765.)"
Trazendo, então, as três máximas do princípio da proporcionalidade para o caso concreto, podemos afirmar que o emprego da força policial, pode até ser necessária, pois trará o efeito desejado, ou seja, imitir na posse do imóvel a empresa, mas não será adequada, pois existem outros meios de compor a propriedade privada da credora, por exemplo, fazendo uma desapropriação ou resolvendo-se em perdas e danos, e muito menos proporcional em sentido estrito, pelos fundamentos exaustivamente já expendidos, notadamente a prevalência da dignidade da pessoa humana em face do direito de propriedade.
Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal:
Assim, não convém ao interesse social uma previsível tragédia, vitimando inocentes, e jogando ao desamparo mais de 1000 famílias, para atender aos interesses particulares dos credores de uma massa falida.
A constituição, apesar de dizer que a intervenção, em casos como o dos autos dependerá "de requisição" do STF, STJ ou TRE, não diz que estes são obrigados a requisitar sem antes fazer um juízo de conveniência em face do interesse social.
No caso presente, a negativa de cessão de tropas estaduais é o mal menor." (fls. 58)
Por isso, sem embargo da discricionariedade na decisão de se determinar que a União, para fazer valer uma decisão judicial, intervenha na autonomia de um ente federativo (Estado-membro), que é um ato político, "tem a doutrina entendido que a intervenção deve amoldar-se aos princípios da necesssidade e da proporcionalidade, referenciados não só à gravidade da situação que procura remediar, como também ao resultado pretendido com a medida." (Enrique Ricardo Lewandowski, inPressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil, Editora Revista dos Tribunais, 1994, pág. 140)
Indefiro, portanto, o pedido.



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

MANIFESTO PELA DENÚNCIA DO CASO PINHEIRINHO À COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Link para assinar aqui.

"MANIFESTO PELA DENÚNCIA DO CASO PINHEIRINHO À COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS




No dia 22 de janeiro de 2012, às 5,30hs. da manhã, a Polícia Militar de São Paulo iniciou o cumprimento de ordem judicial para desocupação do Pinheirinho, bairro situado em São José dos Campos e habitado por cerca de seis mil pessoas.

A operação interrompeu bruscamente negociações que se desenrolavam envolvendo as partes judiciais, parlamentares, governo do Estado de São Paulo e governo federal.

O governo do Estado autorizou a operação de forma violenta e sem tomar qualquer providência para cumprir o seu dever constitucional de zelar pela integridade da população, inclusive crianças, idosos e doentes.

O desabrigo e as condições em que se encontram neste momento as pessoas atingidas são atos de desumanidade e grave violação dos direitos humanos.

A conduta das autoridades estaduais contrariou princípios básicos, consagrados pela Constituição e por inúmeros instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos, ao determinar a prevalência de um alegado direito patrimonial sobre as garantias de bem-estar e de sobrevivência digna de seis mil pessoas.

Verificam-se, de plano, ofensas ao artigo 5º, nos. 1 e 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), que estabelecem que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral, e que ninguém deve ser submetido a tratos cruéis, desumanos ou degradantes.

Ainda que se admitisse a legitimidade da ordem executada pela Polícia Militar, o governo do Estado não poderia omitir-se diante da obrigação ética e constitucional de tomar, antecipadamente, medidas para que a população atingida tivesse preservado seu direito humano à moradia, garantia básica e pressuposto de outras garantias, como trabalho, educação e saúde.

Há uma escalada de violência estatal em São Paulo que deve ser detida. Estudantes, dependentes químicos e agora uma população de seis mil pessoas já sentiram o peso de um Estado que se torna mais e mais um aparato repressivo voltado para esmagar qualquer conduta que não se enquadre nos limites estreitos, desumanos e mesquinhos daquilo que as autoridades estaduais pensam ser “lei e ordem”.

É preciso pôr cobro a esse estado de coisas.

Os abaixo-assinados vêm a público expor indignação e inconformismo diante desses recentes acontecimentos e das cenas desumanas e degradantes do dia 22 de janeiro em São José dos Campos.

Denunciam esses atos como imorais e inconstitucionais e exigem, em nome dos princípios republicanos, apuração e sanções.

Conclamam pessoas e entidades comprometidas com a democracia, com os direitos da pessoa humana, com o progresso social e com a construção de um país solidário e fraterno a se mobilizarem para, entre outras medidas, levar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a conduta do governo do Estado de São Paulo.

Isto é um imperativo ético e jurídico para que nunca mais brasileiros sejam submetidos a condições degradantes por ação do Estado."

Link para assinar aqui.

domingo, 22 de janeiro de 2012

De 162...

Publicações do Jornalista Marcos Rolim, no twitter ( @Rolimmarcos):

1." Série que o jornal Zero Hora começa a publicar hoje -“Meninos Condenados” - sobre egressos da FEBEM/FASE no RS é reportagem histórica."
2. "Jornalistas Adriana Irion e José Luis Costa reconstruíram os caminhos de 162 jovens privados de liberdade em unidade da Ex-FEBEM, em 2002."
3. "Daquele total, 114 foram condenados como adultos e 48 foram mortos. Destes, 43 tinham menos de 25 anos."

Vamos ao x da questão
x= 114 + 48 oito mais quatro, 12. Vai um, dois mais quatro seis, um mais zero, um...)
x= 162
Hum... Então de 162 adolescentes internados (em outras palavras, presos), todos, sem exceção, foram presos novamente ou mortos, quando adultos.

Conclusão:  Prender mais é uma grande solução para os problemas, não?

sábado, 21 de janeiro de 2012

A Realidade é assim mesma!

Texto de Denival Francisco. Não sou juiz, mas tudo parece tão próximo... (original aqui).


A REALIDADE É ASSIM MESMA! “Toda realidade está aí submetida à possibilidade de nossa intervenção.” (Paulo Freire).

Para o descrente, o acomodado, ou o conivente com o estado de coisas a sua volta, é muito simples justificar suas ações ou inações, com a afirmativa de quea realidade é assim mesma e não há como, ou não será ele, que inverterá tudo.
Na magistratura está realidade discursiva é extremamente presente. Há um continuísmo, uma mesmice no ato de julgar, um embolar de decisões prontas para situações novas ou novas urgências. E quanto se decide de modo diverso do tradicional, buscando novos horizontes interpretativos, sobretudo naqueles onde se acham os direitos fundamentais, vem sempre o cético de plantão para menosprezar e inferiorizar o dissidente. No fim, a dissidência é vista simplesmente como um ato de prepotência, de quem ousa divergir pelo simples prazer do dissenso e é ele um não conectado as lições que vem dos tribunais (um repetir incontido de decisões antigas; quando se inova, na maioria das vezes, não se vê novidade, mas um retroceder de posições).
Não se afirma aqui, de antemão, que há um acerto na nova forma de decidir. Conquanto, o que intriga é a falta de contraposição no campo das ideias a estas novas reflexões que são desprezadas simplesmente por contrapor ao que está posto.
Outro argumento é que a justiça carece de rapidez (por este motivo destacaram tanto a inserção do princípio da celeridade dentre os direitos fundamentais com a EC 045/2004), não se podendo perder tempo para inovações se o tema já foi consolidado nos tribunais. É a fórmula secreta da Coca-Cola distribuída às instâncias inferiores para serem utilizadas sem a mínima possibilidade de incremento na receita, ainda que o produto final possa ser melhorado (dirão os acomodados de sempre que a Coca-Cola é um produto que deu certo e é receita secular. Digo, todavia, como muitos outros o dirão, que nem todos apreciam esta bebida e nem assim são forçados a tomá-la).
Ao intérprete que não tiver disposição para se render a esta prática, deve-se estar consciente de que terá um preço bastante alto a ser pago. Antes, então, de enveredar por estes desafios, cabe analisar meticulosamente se tudo isso vale a pena. Digo isso como quem sente na pele as rejeições, não propriamente de ideias, porque estas não sequer são colocadas em campo pelos interlocutores. Não há chance alguma de um jogo de ideias. Trata-se de partida pertida por “WO”, embora sejam de cá as ideias comparecentes. Aliás, o grande problema é justamente este, a ausência de qualquer discussão, porque a pretexto de não ter que enfrentar tais embates – porque muitas das vezes empobrecido ou mesmo vazio o interlocutor – é melhor repudiar de uma vez o propagador de outras formas de pensar e refletir, ou pior, deixá-lo falando só (o desprezo à fala é desrespeito ao outro, é também forma de discriminação, de não aceitação do convívio num ambiente de diferenças e negação do pluralismo político).
Para isso, a repulsa passa a ser sobre o indivíduo e não do que ele tem como proposta para debate e neste caso específico para discussão jurídica. Tratando-se de decisões judiciais, as reformas dos julgados passam, em grande medida, ao largo do enfrentamento dos argumentos postos a justificar o novo. Para que a revisão inicia-se de traz para frente: Quem assina isso? Hum, de novo!? Nada do que ali está dito na decisão a ser reavaliada vale, bastando reproduzir, frivolamente, o que já está assentado. Pronto!
Fora do processo, qualquer tentativa de contraposição ao trivial já é devorado pelos olhares que percorrem seus trajes, seu modo de convivência, seus hábitos e amizades, suas referências ideológicas, sua religiosidade (ou o que entendem como falta dela), suas eventuais leituras, tudo que possa servir de argumento para justificar a anormalidade de conduta e enfrentamento ao que deveria efetivamente ser pontuado. Se você não é igual ao seu possível interlocutor (e ele é tido como o comum e normal) é o suficiente para você ser afastado, sem merecer ao menos abordagem sobre as ideais. É a política do evitamento para não ser confundido ou contaminado.
E assim, para não ser considerado “anormal” ou dissidente, às decisões seguem como numa esteira de envasamento de Coca-Cola, onde os operadores têm o único trabalho de misturar água a fórmula e engarrafar a mistura.
A este propósito, é interessante notar como o próprio termo “operador do direito” já é em si a expressão concreta disso. Utilizado de boca cheia pelos cômodos repetidores, acreditando tratar de um trunfo, sequer têm a percepção de que o operário é alguém que não se dá ao trabalho de pensar, porque sua tarefa é apenas cumprir ordens que lhe foram dadas, necessitando, tão somente reprisar o que outros projetaram – misturar água à fórmula trazida da matriz – o que outras já lhe deram pensado. Tudo passa a ser repetido irrefletidamente, nos moldes entregues pelas Cortes superiores. Se já decidiram em tal sentido pronto, não tem mais o que dissentir, ainda que seja possível novas reflexões e interpretações (é assim que se enchem estatísticas e que no fundo é o que lhes interessa).
No fim, a realidade é assim mesma, basta conformar. Será?

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Declarações Incidentais.


(Hoje. Eu e ela)

- Eu sei pra que serve a norma dentro do ordenamento. Eu quero saber porque o ordenamento precisa de uma norma burocrática para isto.
- Precisa, porque alguém achou interessante ser assim. E pronto.
- Por isto detesto processo. É tudo um fim em si mesmo.
- Você não devia falar assim. Devia estar mais contente com o processo civil e com o direito civil. Luciano tinha razão.

( Dois meses antes. Eu e Daniel.)

- Você está gostando de trabalhar com civil?
- Até que estou, mas os problemas me parecem menos importantes. A vantagem é que consigo dormir tranquilo.
- Como assim?
- Na execução penal, quando eu achava que alguém deveria estar em liberdade, não conseguia dormir até descobrir, ou inventar uma tese para contrariar toda a jurisprudência, tão notoriamente coesa, quanto notoriamente injusta. Afinal de contas, o cara estava preso, estava no inferno!
- E agora? 
- Agora, uma pessoa chega, querendo separar e diz que tem interesse em uma indenização, aliás, diz que quer os "tempos" dela, porque passou 10 anos casada. Eu vou deixar de dormir porque alguém quer os "tempos"?
- Mas, você não adorava o SAJU? Os problemas eram diferentes?
- Não, mas acho que eu era diferente.

(Um mês depois e um mês antes de hoje. Eu e Walter)

- Engraçado você dizer isto. Há pouco tempo, Luciano falava o contrário.
- O contrário?
- Ele acha o trabalho penal sem importância e o civil fundamental.
- Que maluquice!
- Não é maluquice. Luciano disse que no processo penal, por mais que você se esforce, o assistido já está condenado. O juiz quer condená-lo, já decidiu assim, antes mesmo de você abrir a boca. Vai selecionar e flexibilizar os princípios, para conseguir concretizar a sentença que já está feita. No processo civil, ao contrário, você pode conseguir mudar a vida das pessoas.
- Bom argumento. Que cara inteligente da p...!

(Hoje, de novo. Ela e eu)

- Como assim, Luciano tem razão?
- Através do direito civil, você pode mudar a vida das pessoas. O direito penal é feito para punir um grupo determinado. Se esconde em falácias, em pseudo-finalidades, mas serve apenas para punir os pobres.
- ( Miserável, citou Focault, Zaffaroni, Wacquant e Salo de Carvalho, sem precisar lê-los). Luciano quis dizer que através do uso do direito civil, isto seria possível e não que o ramo servia para isto.
- Não importa! O que interessa é que ele é mais democrático.
- Claro que não! O direito civil é feito para proteger o patrimônio de um grupo determinado de pessoas e acabar com outras.
- Ainda que seja. Mesmo colateralmente, garante melhorias para os mais pobres também.
- O direito penal também. Através dele, que se conseguem as liberdades provisórias.
- Mas, ele não está fazendo nenhum bem. Está fazendo cessar um mal já concretizado e causado por ele mesmo.
- O direito civil faz o mesmo. Olhe as decisões do STJ sobre os bancos. É vedada a cobrança de taxas abusivas, mas quem define o que são taxas abusivas é a média de mercado, ou seja, são os próprios bancos.
-  Para que, então, você acha que existe o Código de Defesa do Consumidor?
- Para manter o equilíbrio. Se já saíssem prendendo todo mundo e sem ceder nenhum migalha, seria uma guerra civil. O direito civil é a primeira tentativa de controle dos pobres. Se ele não for suficiente, chama o direito penal, pra dar porrada.
- Não entendi.
- O direito civil é o fazendeiro improdutivo e o direito penal é o jagunço.
- Mas, através do direito civil, não se cometem violências.
- Lógico. Ele chama o seu jagunço. Quem é pior, o fazendeiro ou o jagunço?
- Que mania de metáfora!
- Não é um problema do direito penal ou do direito civil. É um problema do direito. O direito é conservador e opressor, por natureza. assim também são os juristas.
- Você está sendo preconceituoso.
- Não estou, não. Lembre da faculdade. Quanto mais próximos da formatura, mais os estudantes desprezavam o SAJU e os outros estudantes, que pretendessem alguma transformação. O direito treina a gente, para tentar manter tudo como está. 
- Continua preconceituoso. nem todos eram assim. E o que você sugere? Destruir tudo?
-Talvez... ou ocupar wall street, sei lá...

(Neste exato momento. Aqui mesmo.)

- Eu só estava resmungando sobre um artigo do código de processo civil. Agora estou cheio de questões existenciais. Mas, o que você acha disto tudo? Direito Civil é melhor que o penal? É todo mundo jagunço ou fazendeiro? Tem alguma saída?
- Bem...
- Não, não falava com você. Era com eles.
-Eles, quem?
-Eles, as pessoas que estão lendo.
- Então diga eles ou elas. Discurso inclusivo, pelo menos.