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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Declarações Incidentais.


(Hoje. Eu e ela)

- Eu sei pra que serve a norma dentro do ordenamento. Eu quero saber porque o ordenamento precisa de uma norma burocrática para isto.
- Precisa, porque alguém achou interessante ser assim. E pronto.
- Por isto detesto processo. É tudo um fim em si mesmo.
- Você não devia falar assim. Devia estar mais contente com o processo civil e com o direito civil. Luciano tinha razão.

( Dois meses antes. Eu e Daniel.)

- Você está gostando de trabalhar com civil?
- Até que estou, mas os problemas me parecem menos importantes. A vantagem é que consigo dormir tranquilo.
- Como assim?
- Na execução penal, quando eu achava que alguém deveria estar em liberdade, não conseguia dormir até descobrir, ou inventar uma tese para contrariar toda a jurisprudência, tão notoriamente coesa, quanto notoriamente injusta. Afinal de contas, o cara estava preso, estava no inferno!
- E agora? 
- Agora, uma pessoa chega, querendo separar e diz que tem interesse em uma indenização, aliás, diz que quer os "tempos" dela, porque passou 10 anos casada. Eu vou deixar de dormir porque alguém quer os "tempos"?
- Mas, você não adorava o SAJU? Os problemas eram diferentes?
- Não, mas acho que eu era diferente.

(Um mês depois e um mês antes de hoje. Eu e Walter)

- Engraçado você dizer isto. Há pouco tempo, Luciano falava o contrário.
- O contrário?
- Ele acha o trabalho penal sem importância e o civil fundamental.
- Que maluquice!
- Não é maluquice. Luciano disse que no processo penal, por mais que você se esforce, o assistido já está condenado. O juiz quer condená-lo, já decidiu assim, antes mesmo de você abrir a boca. Vai selecionar e flexibilizar os princípios, para conseguir concretizar a sentença que já está feita. No processo civil, ao contrário, você pode conseguir mudar a vida das pessoas.
- Bom argumento. Que cara inteligente da p...!

(Hoje, de novo. Ela e eu)

- Como assim, Luciano tem razão?
- Através do direito civil, você pode mudar a vida das pessoas. O direito penal é feito para punir um grupo determinado. Se esconde em falácias, em pseudo-finalidades, mas serve apenas para punir os pobres.
- ( Miserável, citou Focault, Zaffaroni, Wacquant e Salo de Carvalho, sem precisar lê-los). Luciano quis dizer que através do uso do direito civil, isto seria possível e não que o ramo servia para isto.
- Não importa! O que interessa é que ele é mais democrático.
- Claro que não! O direito civil é feito para proteger o patrimônio de um grupo determinado de pessoas e acabar com outras.
- Ainda que seja. Mesmo colateralmente, garante melhorias para os mais pobres também.
- O direito penal também. Através dele, que se conseguem as liberdades provisórias.
- Mas, ele não está fazendo nenhum bem. Está fazendo cessar um mal já concretizado e causado por ele mesmo.
- O direito civil faz o mesmo. Olhe as decisões do STJ sobre os bancos. É vedada a cobrança de taxas abusivas, mas quem define o que são taxas abusivas é a média de mercado, ou seja, são os próprios bancos.
-  Para que, então, você acha que existe o Código de Defesa do Consumidor?
- Para manter o equilíbrio. Se já saíssem prendendo todo mundo e sem ceder nenhum migalha, seria uma guerra civil. O direito civil é a primeira tentativa de controle dos pobres. Se ele não for suficiente, chama o direito penal, pra dar porrada.
- Não entendi.
- O direito civil é o fazendeiro improdutivo e o direito penal é o jagunço.
- Mas, através do direito civil, não se cometem violências.
- Lógico. Ele chama o seu jagunço. Quem é pior, o fazendeiro ou o jagunço?
- Que mania de metáfora!
- Não é um problema do direito penal ou do direito civil. É um problema do direito. O direito é conservador e opressor, por natureza. assim também são os juristas.
- Você está sendo preconceituoso.
- Não estou, não. Lembre da faculdade. Quanto mais próximos da formatura, mais os estudantes desprezavam o SAJU e os outros estudantes, que pretendessem alguma transformação. O direito treina a gente, para tentar manter tudo como está. 
- Continua preconceituoso. nem todos eram assim. E o que você sugere? Destruir tudo?
-Talvez... ou ocupar wall street, sei lá...

(Neste exato momento. Aqui mesmo.)

- Eu só estava resmungando sobre um artigo do código de processo civil. Agora estou cheio de questões existenciais. Mas, o que você acha disto tudo? Direito Civil é melhor que o penal? É todo mundo jagunço ou fazendeiro? Tem alguma saída?
- Bem...
- Não, não falava com você. Era com eles.
-Eles, quem?
-Eles, as pessoas que estão lendo.
- Então diga eles ou elas. Discurso inclusivo, pelo menos.


2 comentários:

  1. Rafito, não nego que o Direito é conservador e que a intenção do legislador é manter cada pessoa no seu estrato social, rotulando a desigualdade instituída de isonomia formal.
    A questão que fica para nós que optamos por trabalhar com um instrumento idealizado para legitimar a opressão e que ficamos angustiados quando nos damos conta que talvez sejamos agentes do processo de legitimação da desigualdade social é: será que não é possível tentar humanizar o Direito? Nem um pouquinho? Será que nem em Boa Vista do Tupim, Ibiquera ou Morpará, onde o STF com as suas súmulas vinculantes ainda não chegou, tentar construir um outro Direito não é possível?
    Será que tudo está perdido e sem solução mesmo?
    Fica a reflexão ou a minha utopia.
    Um abraço,
    Ela

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  2. Quem tem consciência pra se ter coragem
    Quem tem a força de saber que existe
    E no centro da própria engrenagem
    Inventa a contra mola que resiste

    Quem não vacila mesmo derrotado
    Quem já perdido nunca desespera
    E envolto em tempestade decepado
    Entre os dentes segura a primavera

    Rafito, concordo com Ela. Penso que a saída, embora seja "meio apertada", abre-se na na "batalha de cada dia", no contato com as pessoas - principalmente, os assistidos - e nas vitórias (judiciais e não judiciais) que você alcança no exercício da sua profissão. A luta não é inglória: anime-se!

    Deixo aqui também o link do blog "Não Passarão", do juiz Rubens Casara; algo me diz (rsrsrs) que vc vai gostar:
    http://naopassarao.blogspot.com/

    Bjaum.

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