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domingo, 29 de maio de 2011

A Marcha da Maconha

Todos os anos, algumas pessoas têm organizado reuniões pacíficas, sem armas, em locais abertos ao público, sem entrar em conflito com outras reuniões pré-convocadas para o mesmo local, comunicando previamente as autoridades competentes, para manifestar o pensamento de que desejam a descriminalização do uso, da produção e da venda da maconha.

No parágrafo anterior, praticamente transcrevi os incisos XVI e IV do artigo 5º da Constituição, aquele famoso que fala dos Direitos Fundamentais e que não pode ser revogado nem por emenda constitucional. Todavia, em várias cidades, como Campinas, Salvador e São Paulo, juízes ou desembargadores, normalmente atendendo a pedidos de promotores têm proibido aquelas reuniões chamadas “Marchas da Maconha”. Os argumentos costumam ser de 03 ordens: a) proteção à saúde, b) relação com ou prática de crimes e c) local inadequado.

A proteção da saúde seria necessária porque a maconha é uma substância nociva, com “grau elevado de dependência psicológica”, ou simplesmente porque se deve proteger a “saúde pública”. É estranho falar em elevado grau de dependência psicológica da maconha, em um país em que o álcool é liberado e estimulado socialmente. Quantos pais (masculino) não se sentem orgulhosos, quando tomam uma cervejinha, com o filho (masculino) adolescente? Possivelmente, os pais dos julgadores e promotores agiram assim com eles e eles próprios fizeram o mesmo com seus filhos.

Impedir o consumo individual de uma droga porque ela causaria risco à saúde pública também não faz nenhum sentido, a menos que exista o temor de uma epidemia de consumo de substância nociva à saúde. Mas, pensando assim, precisaríamos proibir o álcool, o tabaco, a Coca Cola, o Guaraná Antarctica, o torresminho, o acarajé, o McDonalds, etc. Por que somente a erva é maldita?

Mas, esqueça os dois parágrafos anteriores. Ainda que aceitemos os argumentos judiciais, eles não se referem à marcha, mas sim à própria legalização. Uma hipotética marcha do veneno, por si só, não poderia envenenar ninguém. O dano à "saúde pública" só apareceria se os manifestantes fossem bem sucedidos e conseguissem a liberação do veneno. Estas razões apontadas pelos magistrados já indicam que eles proíbem as passeatas porque são contrários ao que os manifestantes pleiteam e não porque elas seriam ilegais.

O segundo grupo de argumentos relacionam a passeata a práticas penais. Uns dizem que nas reuniões haverá uso de maconha. Outros dizem que liberar a droga favoreceria o tráfico. Por fim, fala-se que uma passeata pela legalização é, na verdade, uma apologia ao crime.

Os julgadores incrivelmente sabem dos crimes antes que eles se concretizem. Trata-se de um novo princípio jurídico, que substitui a presunção da inocência: a presunção de delinqüência. Presunção de burrice também, pois só um idiota chamaria a atenção de todas as autoridades, para um evento relacionado à maconha, acompanhado pela polícia e pela imprensa, para proporcionar o próprio flagrante.

Há décadas, Bezerra da Silva já dizia para os manifestantes que podiam até apertar, mas não acender agora, pois para fazer a cabeça, tem hora. Além do mais, se as autoridades acreditam que o uso de drogas é um crime tão grave, porque não aproveitam a oportunidade, para capturar esses perigosíssimos e imbecilíssimos marginais que fizerem o consumo em lugar tão “sujeira”.

Mais absurdo neste debate é dizer que liberar a droga favoreceria o tráfico. O tráfico de drogas só existe porque as substâncias são proibidas. Durante a lei seca americana, o gangsterismo girava em torno do tráfico de bebidas. O famoso Al Capone é um exemplo de pérfido marginal que vendia Whisky. Hoje, com cervejinha liberada, aquele tipo de bandido deixou de existir. Deram lugar aos empresários, pessoas admiradas na sociedade, exemplos de sucesso profissional. O fim da proibição foi o fim de toda a malha criminosa que se organizava em torno da droga. Ao contrário do que falam as autoridades, legalizar uma droga é melhor meio de acabar com o tráfico e, possivelmente, o único.

Julgadores e promotores parecem também ignorar a própria natureza da substância objeto das passeatas. A maconha é muito fácil de preparar, pois não requer processos industriais complexos. Qualquer um pode plantá-la em um vaso no apartamento e produzir a sua. Bezerra da Silva também lecionou que basta jogar uma semente no quintal e, de repente, brota um imenso matagal. Se existe uma droga cuja liberação cria dificuldades para os vendedores (inclusive das substâncias concorrentes) é a maconha.

Percebo, porém, que voltei a cair na mesma armadilha. Ainda que se aceitasse, em tese, que legalizar a maconha favoreceria ao tráfico, isto não teria nenhuma relação com as marchas. Esta seria uma conseqüência da legalização e não da passeata. Outra vez, o que foi proibido foi simplesmente que se diga algo que os julgadores são contrários.

Igual contra-senso é afirmar que uma marcha pela legalização seria uma apologia ao crime. É o contrário. Os manifestantes, obviamente, querem que seja possível o uso e o comércio, mas se organizam uma marcha pela legalização, é porque querem fazer isto licitamente. Se tem alguém, de fato, pretendendo diminuir a criminalidade nesta história são os organizadores e participantes do movimento.

O Direito Penal muda, é construído e reconstruído, o tempo todo. Adão e Eva não chegaram ao mundo com a determinação de não usar drogas. Eles até usavam umas folhinhas...Se manifestar pela descriminalização de qualquer conduta jamais pode ser considerado apologia, ou se inviabilizaria a discussão das normas penais.

O terceiro grupo de argumentos é o de que o local é inadequado. As passeatas não poderiam ocorrer porque a praça pública não é o lugar certo, para falar sobre maconha. As discussões seriam apropriadas apenas para universidades e assembléias legislativas, por exemplo. Assim, os julgadores contam que não proíbem a liberdade de expressão, mas apenas a colocam no seu devido lugar. Este argumento tem o mérito, porém, de reconhecer que se pretende, de fato, limitar os debates.

Onde a Constituição diz que é permitida a reunião pacífica em local público, os julgadores acrescentaram: “menos, para falar sobre a legalização da maconha”. Segundo eles, se alguém quer discutir este tema, que estude, entre em uma universidade e escreva dissertações e teses. Ou então, filie-se a um partido político, candidate-se e seja eleito. Não é assunto para Zé povinho, não.

É fácil notar que todas as razões apresentadas pelos julgadores são inconsistentes e visam simplesmente impedir a discussão do tema que os assusta. A face autoritária é nítida quando se percebe que as decisões proibitivas quase sempre saem, por uma grande coincidência, na véspera das marchas. Assim, não há tempo para recorrer às instâncias superiores.

A prática de proibir em cima da hora deve ser destacada porque pode comprovar outra vez que se trata sim de cerceamento da liberdade de expressão. Ou existe uma grande conspiração do universo, para que as manifestações não aconteçam, ou alguns julgadores, propositadamente, para impedir a discussão do assunto, traçam uma estratégia covarde que impede a revisão das suas sentenças. Em qual você acredita?

Talvez, isto ocorra porque todas as pesquisas sérias sobre a famosa “guerra ao tráfico”, que tanto orgulha alguns juízes e promotores, nunca foi capaz de reduzir o consumo, mas superlotou as prisões e criou grupos e carreiras criminosas. Se a marcha for bem sucedida, promotores e julgadores, que acreditavam salvar a sociedade, perderão o chão. Será o reconhecimento público de que o que mais  as Varas de Tóxicos produziram na sua história foi sangue.

Finalizo com uma má notícia para os agentes da repressão. Em relação, à maconha, ninguém mais acredita no seu discurso. Até mesmo a polícia cansou de cumprir cegamente determinações judiciais autoritárias, como se viu em São Paulo, no histórico 28 de maio de 2011. O Tribunal de Justiça proibiu a marcha, mas mesmo assim a PM, em um grito de liberdade a permitiu. Seria falso eu dizer que sinto muito, mas vocês já perderam, proibicionistas.





quarta-feira, 18 de maio de 2011

Defensoria Pública, feia e diferenciada


Quem conhece um pouco da cidade de São Paulo nota como é vantajoso morar próximo a uma estação de metrô. De uma forma rápida e segura, é possível fugir dos percalços e dissabores do trânsito. Mesmo assim, moradores do bairro de Higienopólis fizeram abaixo-assinado, pedindo que não se instalasse um ponto próximo às suas residências. Acreditavam que o transporte facilitaria o acesso de “gente diferenciada”.

Quem passa o verão em Salvador percebe como existem festas populares e gratuitas em profusão. Mas, uma parte dos foliões prefere pagar para apreciar as mesmas atrações de modo mais exclusivo. Na verdade, o grande atrativo das festas que cobram seria o fato custarem caro e por isto captarem muita “gente bonita”. Se existe o Carnaval, criam-se as cordas. Se temos a festa do Bonfim, lança-se um sugestivo evento chamado Bonfim Light.

Os paulistanos de Higienópolis e os soteropolitanos clientes de blocos carnavalescos e festas coloridas reproduzem um comportamento comum a todo o país. Tentam estabelecer uma barreira entre eles e aquela gente “diferenciada” e “feia”,  que também é popularmente conhecida como pobre. É preciso evitar a visão e o contato, pois quem se aproxima dela, já perde status, a menos que esteja fazendo caridade.

A Faculdade de Direito da UFBA possui um órgão estudantil que presta assistência jurídica gratuita, criado na década de 60, o SAJU. Ele fica no subsolo do prédio.

O Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, cedeu um espaço para o Núcleo de Família da Defensoria Pública. Ele também fica no subsolo do prédio.

O Fórum Criminal de Salvador, o Carlos Souto, ostenta uma sala de atendimento da Defensoria Pública. Ela fica no andar térreo. Lá não tem subsolo.

Não é uma coincidência que os locais onde deve circular com mais freqüência a “gente diferenciada” estejam quase sempre no porão. Isto garante menos trânsito e menos incômodo nos andares de cima, onde normalmente estão as pessoas mais “importantes” e “nobres”. Só gente bonita! Nos dois fórums citados, as salas do Ministério Público e da OAB estão em andares superiores. Já na faculdade, há um órgão estudantil mais novo, destinado à orientação de pequenas empresas, a ADV JR. Ela também fica na cobertura.

 Se o público alvo é considerado de menor importância, as instituições que existem para atendê-lo também são. É por isto que, qualquer que seja o Estado brasileiro em que você viva, a Defensoria Pública é muito menos prestigiada que o Ministério Público e o Judiciário. É por isto que os políticos em geral acham natural que não exista sequer um defensor público na maioria das comarcas. É por isto que o governo da Bahia, por exemplo, acha normal que o Estado tenha empossado cerca de 70 novos promotores, desde o ano passado, embora "não exista dinheiro" para contratar novos defensores. Isto apesar de já existirem quase três vezes mais promotores.

Como a instituição é desvalorizada, seus profissionais também são. Acredita-se que os alunos da Faculdade de Direito devem trabalhar no SAJU, apenas enquanto estão nos primeiros semestres. Depois, devem passar aos estágios remunerados em escritórios de advocacia. Quando você atinge uma suposta maturidade, deve ter clientes e não assistidos.

Em regra, nos locais onde se paga melhor, o defensor público precisa atingir o último nível da carreira, para receber o mesmo que um promotor ou juiz no primeiro degrau. Em muitos Estados, até na última classe, aqueles recebem menos, ou bem menos, que os iniciantes dos últtimos. Assim, acredita-se que o jurista deve continuar como defensor público até ganhar a experiência necessária para montar um escritório particular, ou virar juiz ou promotor. Se você atinge uma suposta maturidade, deve ter clientes e não assistidos. Deve trabalhar com gente “bonita” e não com gente “diferenciada”.

Os outros juristas, costumam simpatizar com os Defensores Públicos, porque eles são “bonzinhos” e “abnegados”, desde que permaneçam em posição de subserviência. Se ousam contestar os do andar de cima, tornam-se problemáticos, invejosos ou desrespeitosos. Os assistidos também são pessoas humildes e trabalhadoras, desde que não se aproximem de Higienópolis e não pulem o muro do Bonfim Light ou contestem as normas estabelecidas. Aí, passam a ser rebeldes e desordeiros.

A pressão é tão forte que dentro das próprias Defensorias também costuma existir a idéia de que os seus profissionais são menos importantes. No fundo, muitos Defensores não questionam a existência das classes, mas apenas desejam ser aceitos na superior. Copiam as vestes, os ritos, as expressões e  a própria estrutura do andar de cima. Bajulam os outros e se sentem muito felizes a cada elogio piedoso. Ao invés de lutar contra as diferenças, lutam apenas para deixar de serem “diferenciados”.

A batalha a ser travada pelas Defensorias Públicas, interna e externamente, é realmente árdua porque ultrapassa as leis. Se o CNJ e alguns governos, acreditam que “advogados voluntários” são soluções para a falta de estrutura das Defensorias é porque acreditam que a "gente diferenciada” não precisa de assistência permanente e profissional, mas de caridade. Os profissionais maduros são imprescindíveis apenas para julgar a “gente feia”, acusar a “gente feia” e defender a “gente bonita”.
Qualquer representante dos poderes executivo e legislativo que prega a redução das desigualdades sociais e o fim dos preconceitos, mas naturaliza a inferioridade dos defensores no sistema de justiça, mente ou se engana. A valorização da Defensoria Pública é sempre postergada porque sempre são postergados a construção de metrôs em Higienópolis e o fim das cordas no carnaval baiano. Um governo que a instrumentaliza, fortalece os "feios", “diferenciados”. Um político para sustentar a paridade de armas e a efetiva estruturação da Defensoria Pública, precisa ser capaz de fugir da política pequena e assistencialista. Deve se preparar para ser estadista. E fazer revolução.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

16 de Maio


Em 2001, um escândalo político envolveu duas das figuras mais proeminentes da base de apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso: Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda. Explodira a notícia de que o painel eletrônico em que se realizavam as votações da casa havia sido violado. Uma novela começava.

Eu era um estudante e, portanto, a política me interessava muito. Eu era estudante, na Bahia, então o envolvimento de ACM na história me interessava mais ainda. Mas eu era estudante de Direito, então vivia em uma espécie de redoma, isolado do resto da universidade. Talvez por isto, nem ouvira falar que haveria uma passeata no Campo Grande, no dia 10 de maio, pedindo a cassação do senador.

Depois, contudo, ficou impossível fugir dos acontecimentos. Houve uma repressão violenta aos poucos manifestantes. Todas as emissoras de TV noticiaram, menos a Globo, que não tinha imagens, já que a sua retransmissora local, a TV Bahia, pertence à família de ACM. A matriz ficou muito incomodada com a situação e o pito foi público. Um vexame! A divulgação da violência gerou revolta. Todos nós, jovens, sentimo-nos agredidos.

Em 16 de maio, então, reuniram-se cerca de 20.000 estudantes, eu inclusive, para uma grande marcha contra ACM. Nos carros de som, os alunos dividiam espaço com lideranças do movimento social e com políticos, especialmente do PT e do PC do B. Era engraçado ver esses dois partidos unidos ali, uma vez que no movimento estudantil são inimigos mortais. O PSOL ainda não existia.

Saímos da reitoria da UFBA, no bairro do Campo Grande, passaríamos pelo Vale do Canela e, através de um viaduto chegaríamos à Graça, onde morava o senador. A porta de entrada no bairro era a Faculdade de Direito. A grande sacada era que estaríamos sempre na ( ou tangenciando a) Universidade Federal, onde a Polícia Militar do Estado não pode entrar. Genial o planejamento! Na saída, muita alegria e orgulho. Fazíamos a história!

A felicidade foi trocada por um grande medo, assim que foi possível visualizar o Vale. Todos pararam por alguns momentos, ao notar que o viaduto estava repleto de policiais militares. Era a tropa de choque, já posicionada com seus escudos, cacetetes, bombas de gás e balas de borracha. Por alguma coincidência, os guardas estavam todos sem identificação na farda. Eu soltei três palavras cujas iniciais eram “p”, “q” e “p”. O plano era perfeito, exceto por um detalhe que passou despercebido. Quem disse que as instituições oficiais seguiriam a lei?

Mesmo assustados, fomos em frente, até ficar cara a cara com eles. Os mais corajosos na frente, os mais medrosos, como eu, atrás, desconfiados. Um dos mais ousados teria sido meu colega de turma, Antônio Teixeira. Segundo contam, o calouro de Direito teria mostrado um livro para os militares e gritado: “Tenho o direito fundamental de ir e vir! Está na Constituição! Respeitem isto aqui: é a Constituição! Olhem para isto, é a Constituição”. Diante da insistência, o PM respondeu: “ Rapaz, se você me mostrar esta p... de novo, eu vou descer a madeira!”

Apesar da tensão, pouco a pouco os estudantes se animaram. Afinal de contas, a polícia militar já estava errada em permanecer na área federal. Ela não faria nada além disto, pois seria muito escandaloso. Assim, algumas pessoas furaram o bloqueio e se dirigiram à Faculdade de Direito, que ficava no lado do viaduto guardado pelos policiais. Eu ia junto, mas fui contido pelo meu amigo André Fetal, que hoje é promotor. Ele sugeriu que aguardássemos mais um pouco.

Mal ele acabara de falar, provou-se que estava certo. A PM começou a atirar bombas e balas de borracha. Foi um pandemônio! Quem tinha passado se refugiou nas Faculdades de Direito e Administração. Nós que tínhamos ficado, nos refugiamos nas Faculdades de Medicina e Odontologia. Dentro dos prédios tínhamos certeza de que estávamos seguros. Arbitrariedade e abuso de poder tinham limite!

E não é que as bombas começaram a cair até dentro das faculdades? Os mais valentes ficaram para lutar. Eu e Fetal corremos, muito assustados. E corremos muito! No caminho, pedi para uma funcionária de uma escola de Balé guardar a minha Constituição, pois temia que se fosse encontrado por policiais com a Carta Magna, apanharia. Só depois, percebi o simbolismo da situação.

Após algum tempo, resolvemos voltar pelo outro lado. A situação estava mais calma, porém, encontramos uma cena apocalíptica na Faculdade de Direito. Vidros quebrados, sangue, estudantes feridos por balas de borracha e muita gente chorando.

Mais uma vez, foi manchete nacional. A situação de ACM se complicava ainda mais. No dia seguinte, nova manifestação. Desta vez, havia muito mais gente e a polícia não apresentou qualquer obstáculo. Passamos em frente à residência do senador, onde foi metaforicamente lavada a rua. Uma coisa tão boba, tão inofensiva, que concluí que aquela repressão foi a grande estupidez do grupo carlista. A violência foi uma catalizadora do movimento e da sua publicidade. Se tivessem respeitado a democracia, não teria crescido tanto.

Achando que tínhamos feito a nossa parte, acompanhamos avidamente as sessões da Comissão de Ética. Jeferson Perez se tornara um dos meus ídolos, pela forma como interrogava os indiciados. Sem saída, o senador renunciou, para evitar a cassação iminente. Um ano depois, todavia, houve nova eleição para o senado. Adivinhe quem foi o candidato mais votado na Bahia? Exatamente! ACM!Ficamos perplexos. Os estudantes correram riscos à toa. O que adiantou aquela luta toda, se ele voltou pelos braços do povo? Depois de tudo, perdemos?.

Mas, não era tão simples. Não notei na época, mas tínhamos vencido. Apesar da eleição, o Carlismo estava mortalmente ferido, era só questão de tempo. Os métodos truculentos se provaram obsoletos. Quatro anos depois, a Bahia elegeria um governador de oposição. Não foi só isto, a linha editorial dos veículos de comunicação da família dos Magalhães mudou. Não dava para sustentar a parcialidade escancarada. Até mesmo partido mudou de nome, para tentar se reinventar. É óbvio que nada disto se deveu exclusiva, ou principalmente àquela revolta, mas ela tinha sua parcela de responsabilidade.

Por outro lado, perdemos mesmo. Se a TV flagrar alguém quebrando o vidro de um carro, ninguém descansa até que aja punição. E quando a polícia militar invade área federal, bloqueia manifestação pacífica, joga bombas e atira em pessoas desarmadas, mesmo dentro da Universidade? Sabe o que aconteceu com o governador, comandante da PM? Depois, virou aliado do futuro governador de oposição! Ficou a lição. Não existe lado bom e lado mau, mas causas boas e causas ruins.

Pior que isto, perdemos porque a história está cada vez mais esquecida. Nem sei se os atuais estudantes de Direito, cuja faculdade foi bombardeada, conhecem os acontecimentos. E se conhecem, será que dão algum valor?

Eu ainda estudava e já crescia assustadoramente uma tendência a desqualificar os alunos que se interessavam por questões nacionais. Tudo que fugisse ao dia a dia acadêmico era considerado “politicagem”. Quem levantava as questões era chamado de “estudante profissional”, “vagabundo”, ou simplesmente “político”. A discussão se resumia em uma frase: “não quero saber do MST, quero saber do meu papel higiênico”. Será que ainda é assim?

Lembrando aquela data, sinto um pouco de orgulho por ter feito alguma coisa. Tenho, porém, a necessidade de homenagear as pessoas que, ao contrário de mim, expuseram-se de verdade. Enfrentaram com bravura, não só a Polícia, mas a crítica que viria depois, por cometerem o pecado de se preocupar com algo além do próprio umbigo. Os cães ladraram, mas, graças a vocês, a caravana não parou.

Temos um exemplo a seguir. É a história. A política, partidária ou não, é essencial para a democracia. Definir que há um conflito entre o papel higiênico e a questão fundiária é uma posição política. Optar por gritar pelo papel e calar quanto aos brasileiros sem terra é uma decisão política. Aliás, importante, escolher qualquer das alternativas condutas também tem repercussões partidárias, servindo aos interesses de uns e contrariando os interesses de outros. Pensar que está acima da política é muita ingenuidade, ou muito cinismo.

Mais informações, aqui:







domingo, 1 de maio de 2011

Dia do trabalhador

Texto retirado do site Bahia Notícias.

Dia do trabalho ou Dia do Trabalhador?


Por: Murilo Oliveira

Murilo Oliveira
Juiz do Trabalho da 5ª Região
Professor da UFBA


Dia do trabalho ou Dia do Trabalhador?




No dia internacional do trabalho, celebram-se as lutas operárias em defesa da redução da jornada de trabalho. Lembrar do primeiro de maio serve para que não se esqueça o ocorrido em 1º de maio de 1886 em Chicago nos Estados Unidos. Nestas manifestações, precisamente durante o confronto com a polícia local, ocorreram mortes quando uma bomba explodiu. Por considerar os organizadores das passeatas os responsáveis pelas mortes, os dirigentes sindicais foram condenados pela Justiça à morte na forca. É esse o grosso resumo dos fatos que explicam historicamente o primeiro de maio, justificando o epíteto de “os mártires de maio”.

A despeito desta história de luta, morte e injustiça de trabalhadores, o primeiro de maio é designado como “dia do trabalho”. Este título oficialesco representa uma sutil prevalência da ação (trabalho), logicamente em detrimento do sujeito que realiza esta ação (trabalhador). No discurso oficial, celebra-se o trabalho humano na sua acepção genérica e não a luta dos trabalhadores que pagaram com sangue a obtenção da jornada de oito horas. Suprime-se o trabalhador (e sua dor), restando o trabalho, na perspectiva positivista mais neutra possível.

Esta questão de nomenclatura não pode ser tida como um problema pequeno. Isto porque algumas mudanças de nomes, como esta, trazem um conteúdo ideológico de esvaziamento do sentido histórico do termo. Falar hoje em dia do trabalho pouco remete a luta pela redução da jornada de trabalho e as demais lutas dos trabalhadores. Comemorar o primeiro de maio tende a significar somente a exaltação de toda a pessoa que trabalha, que pode ser tanto um empregador que administra sua empresa, um trabalhador autônomo, ou um empregado. Assim, consegue-se, com uma pequena mudança de nome, desfocar as lutas dos trabalhadores, consagradas em parte no Direito do Trabalho.

O próprio Direito do Trabalho, aliás, é no Brasil associado historicamente ao primeiro de maio. Em primeiro de maio de 1940, foi criado o salário-mínimo. Na mesma data em 1941, a Justiça do Trabalho foi criada, inclusive o Tribunal do Trabalho da Bahia (5ª Região) que hoje celebra 70 anos. Em primeiro de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT foi aprovada por Getúlio Vargas. Percebe-se, então, que o trabalhismo adotado no Brasil sempre cultuou o primeiro de maio como uma data marcante, especialmente para conferir a Vargas os títulos de “pai dos pobres” e, um menos conhecido, de “mãe dos ricos”, numa sagaz mitificação vargista a partir destes "pequenos nomes".

Celebra-se, enfim, neste dia uma série de conquistas do Direito do Trabalho, muitas atendendo parcialmente aos reclames dos trabalhadores. Rememora-se que estas lutas tiveram um preço histórico grande para serem reconhecidas pelo Estado como direitos trabalhistas, tal como foi a morte de mais cento e trinta mulheres grevistas queimadas numa fábrica de Nova York em 1857, data posteriormente reconhecida como dia internacional da mulher. Mais apropriado, então, é referir-se ao dia de hoje como “dia internacional do trabalhador”, em memória dos mártires de Chicago e em respeito à história das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras.

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Comentário meu.

Uma constatação. Há alguns anos, as mulheres não trabalhavam. Hoje, quase todas o fazem, de modo que praticamente dobrou a parcela da população economicamente ativa. Nos últimos anos, a tecnologia foi incrivelmente melhorada. A comunicação é incomparavelmente mais rápida. Assim, a produtividade média de cada trabalhador cresceu exponecialmente, explodiu.

Aumentando a parcela dos trabalhadores e a produtividade média deles, a jornada de trabalho não deveria ter sido drasticamente reduzida?

Tem alguma coisa aí que não bate...




Meu caro Barão
Chico Buarque
Composição : Sergio Bardotti / L. Enriquez Bacalov / Chico Buarque

Onde quer que esteja
Meu caro Barão
São Brás o proteja
O santo dos ladrão
Tava na faxina
Do seu caminhão
Vi essa maquina
De escrever no chão
Escovei a nega
Lavei com sabão
Deu uma cocega
Nos calo da mão

Pronto
Ponto
Tracinho, tração
Linha
Margem
Meu caro Ba...

Vire a pagina
Continuação
Ai, essa maquina
Tá que tá que é bão
Como eu lhe dizia
Meu caro Barão
A sua ausencia
É uma sensação
O circo lotado
Cidade e sertão
Domingo, sabado
Inverno e verão
Pronto
Ponto
De exclamação
Linha
Margem
Meu caro Barão

Tem gargalhada
Tem sim senhor
Tem muita estrada
Tem muita dor
Venha, Excelência
Nos visitar
Estamos sempre
Noutro lugar

Dizem que virgula
Aspas, travessão
Coisa ridicula
Dizem que o Barão
Que o Barão, meu caro
Tinha a faca, o pão
O queijo e os passaros
Voando e na mão
Pois eu tenho ouvido
Que o pobretão
Tá magro, palido
Sem ocupação
Pronto
Ponto
De interrogação
Linha
Margem
Meu caro Barão

Venha, Excelência
Nos visitar
A casa é sempre
De quem chegar
Se a senhoria
Vem pra ficar
Basta algum dia
Se preparar

Pra rodar com a gente
Pra fazer serão
Pra ficar contente
Comer macarrão
Pra pregar sarrafo
Pra lavar leão
Pra datilografo
Bilheteiro, não
Pra fazer faxina
Nesse caminhão
Cuidar da maquina
E não ser mais Barão
Linha
Margem
Etcétera e tal
Pronto
Ponto
E ponto final