Translate

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Por quê?


Defensoria.

-Dr. Será que dá para minha filha sair?
- O que foi que aconteceu?
- Ela tinha sido presa, antes, mas foi solta e prenderam, novamente.
- Mas, qual o motivo? Ela fez alguma coisa?
- Ela tinha feito antes, mas o juiz mandou ela ir pra casa. Agora não fez nada.
- Não estou entendendo. Deixa eu ver o que diz o processo, ok?

(...)

- Olha, eu já entendi. Quer dizer, mais ou menos...
- Então, explica, doutor.
- Sua filha tinha sido presa, por vender maconha, lá em Lençois, certo?
- Certo.
- Terminou sendo condenada e ficou lá na delegacia, até que teve um motim.
- Mas, ela não fugiu, doutor! Continuou lá.
- Eu sei, mas, como a delegacia não tinha condições, o juiz mandou ela ficar em casa, em prisão domiciliar, comparecendo ao fórum todo mês pra assinar.
- E ela estava indo direitinho. Não tinha feito mais nada de errado.
- Eu sei, ela não, mas o juiz tinha cometido um erro técnico. Ele deveria ter determinado a transferência dela para cá.
- Mas, doutor, se ela não fez mais nada de errado, porque deixar ela em casa foi um erro?
- É... Não é que tenha sido um erro. No final, ela mostrou que era certo, mas ele não podia ter feito isto. Entendeu?
- Não.
-Não se preocupe, é complicado mesmo... Eu também não entendo bem. O fato é que o Ministério Público pediu a prisão dela, para que cumprisse a pena e um outro juiz aceitou.
- Mas, quando ela vai poder voltar, doutor?
- Olha. A pena foi de 06 anos, ela já pode ir para o regime semi-aberto. Mas, vamos ter que esperar mais alguns meses, até que elá possa ficar em domiciliar novamente.
- Mas e a filha dela, doutor?
- Ela tem uma filha?
- Sim. Tá lá em Lençois. Tem 06 anos.
- Você tá tendo algum problema para levar ela pra visitar a mãe?
- Não. Eu não trago. Eu digo que a mãe tá estudando em Salvador.
- Entendi.
- Você pode soltar ela, doutor?
- Eu não, só o Juiz. Mas, eu vou tentar convencer ele de que o primeiro juiz, mesmo parecendo que tinha errado, tinha acertado.
- E vai funcionar?
- Não sei. É bem difícil.
- Mas, por que difícil?
- Já te expliquei, tecnicamente, o primeiro juiz tava errado e o segundo tá certo.
- Mas, como?
- É a lei. Além disto, o crime é grave. É até equiparado a hediondo.
- Mas, hediondos não são os piores crimes?
- Sim. vender drogas é um deles.
- Lá em Lençois, não!
- Que história é esta?
- Todo dia, um monte de turistas fuma nos matos, nos morros, no Pai Inácio, então, ave Maria! O povo acha que tem que estar na natureza. E a cidade é a maior paz, viu?
- Mas...
- Minha filha, nunca matou, nem roubou, doutor! Isto sim é grave!
- Eu sei, mas...
- Ela não é perigosa pra ninguém!
- Eu sei. A senhora tem razão.
- Quer dizer que mesmo após um ano em casa, trabalhando e sem fazer nada de errado, mesmo nunca tendo tido problema com a polícia, mesmo tendo tido a chace de fugir, mas ficado, mesmo sem ter feito mal a ninguém,ela ainda precisa ficar presa, longe da filha?
-Eu vou tentar reverter, mas, a princípio tem...
- Desculpa, doutor, mas posso fazer uma última pergunta?
- Claro.
- Por quê?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cadeia ou Caixão

Há algumas semanas atrás, minha avó me disse que tinha algo para mim. Era um pedaço do Jornal do Brasil de um domingo, 10 de junho de 1979. Ela disse que futucando os armários, achou aquilo e nem ela nem o meu avô não lembravam mais porque tinham guardado. "Como eu sei que você gosta de er, meu filho, achei que você ia gostar".

Eu também guardei o jornal no meu armário, mas agora, antes que eu também esquecesse como ele foi parar lá, resolvi dar uma olhada. O que me chamou mais atenção foi uma carta do leitor Sérgio Rocha, do Rio de Janeiro:

" Um fato que vem merecendo cada vez mais a atenção dos nossos governantes é o combate aos tóxicos, daí as sucessivas campanhas. Pena que isto só acontece quando ocorrem suicídios, crimes ou mortes suspeitas. o que me admira é as autoridades não terem, ainda, partido para medidas mais objetivas que poderiam reduzir em muito o consumo de drogas, principalmente entre os jovens de nossa tão deteriorada sociedade, os quais serão, um dia, dirigentes da nação.

Uma dessas medidas será a plena utilização dos mesmos dispositivos policiais e militares empregados em recente passado no combate à chamada subversão, por órgãos como o Cenimar, Cisa, SNI, DOPS, DOI-CODI ou quaisquer outros da comunidade de informação, como são conhecidos.

Com a técnica obtida pelos elementos lotados nesse órgãos, e que devem estar até ociosos, facilmente se poderia chegar aos viciados, traficantes e aos pontos de maconha, cocaína, etc., da mesma forma como chegaram aos subversivos, movimentos e aparelhos.

Claro que, para o sucesso da operação dela teriam que fazer parte o abominável período de incomunicabilidade, após a prisão e o enquadramento dos culpados na Lei de Segurança Nacional, com penas bem rigorosas, já que a proliferação dos tóxicos poderá, amanhã, atentar contra ela.

Também seria necessário um rigoroso controle de todo o material apreendido, o que não seria pouco, para evitar possíveis irregularidades, já que a máfia de drogas faria tudo para se manter e garantir seus lucros."

Não sei se o leitor do jornal percebeu, em tempo real, um fenômeno histórico, ou se foi um dos seus inspiradores. O fato é que foi justamente nesta época, porque a sociedade estava "deteriorada" e os jovens "morrendo" pelas drogas ( eu pensei que antigamente a sociedade fosse melhor e hoje é que já não se respeitasse mais nada...), que começava a política de guerra as Drogas.

É interessante que a sua proposta de utilizar os aparatos da ditadura para perseguir as drogas se justificam também pelo risco á Segurana Nacional. Exatamente como Salo de Carvalho descreve no seu livro "A Política Criminal de Drogas no Brasil".

" Moldadas no militarismo, as agências de controle alimentarão o desejo insaciável de poder poder punitivo, conformando tudo aquilo que poderia ser denominado como vontade de suplício, em virtude de sua expansão ilimitada e imune a qualquer tipo de controle. Tudo porque 'no plano da política interna, a seguraça nacional destrói as barreiras das garantias constitucionais`"

De 1979 pra cá, o Jornal do Brasil deixou de circular em papel, as políticas de repressão ao comércio de drogas ilícitas só aumentou. A guerra desejada pelo leitor virou realidade. E mata milhares de brasileiros por ano. O consumo tambem subiu muito claro, mas mata bem menos que a guerra contra ele.

Ninguém pergunta sobre a liberdade de escolha de quem compra e nem mesmo sobre a nocividade do abuso das substâncias proibidas, em relação às permitidas. Comparar a maconha, com o tabaco e o álcool, por exemplo, mostra que a primeira é a menos danosa. Mesmo assim, pela lei, é mais grave vender maconha a um adulto que cerveja ou cigarro a uma criança.

Não é nem a lei apenas. Quantos pais que deploram as drogas não se orgulham de beber com seus filhos adolescentes? Quantos ensinam que uma festa só é festa de verdade com uma geladinha? Consumir estas drogas é não só aceito, mas estimulado o tempo inteiro.

Usar uma substância psicoativa não é necessariamente ruim. O problema é o abuso e não o simples uso. O importante é saber o que leva alguém a usar e abusar de determinado produto e não simplesmente demonizar a droga,o usuário ou o vendedor. O crack é muito consumido por moradores de rua e o LSD é muito consumido pela classe média. Cada substância cumpre uma função em determinada vida. Seja animar uma festa, seja tornar a vida suportável.

É preciso entender de uma vez por todas que, como diz Antono Nery, o crack não é feito da raspa do chifre do diabo. Ele só existe e faz mal porque tem gente que precisa dele. 31 anos depois daquela carta, o Governo da Bahia usa informações, no mínimo, duvidosas, para fazer uma campanha contra o crack. De onde eles tiraram a idéia de que 80% dos homicídios são causados pela droga? A Polícia sequer esclarece 80% dos homicídios!

Falar em acabar com a guerra às drogas é tema tabu entre os políticos, mesmo porque ainda se diz que a sociedade está se acabando, a juventude está perdida, precisa-se combater com firmeza a criminalidade, etc., etc. Ao invez de aceitar que a humanidade sempre consumiu e sempre consumirá entorpecentes, fazemos campanhas mesquinhas e repetimos que o resultado do uso de drogas é cadeia ou caixão. Pelo visto, não há uso moderado, nem chance de deixar de usar. Consumiu, entrou na guerra e sera preso ou será morto. E, realmente, como tem gente sendo morta!



domingo, 26 de setembro de 2010

Ficha Limpa


Acompanhei boa parte do julgamento da lei da "ficha limpa", pelo STF. Havia uma escancarada pressão na imprensa pela sua aplicação imediata e quem fosse ou for contra ela é facilmente taxado de partidário da corrupção. Os Ministros sabiam disto. Mas, será que o problema é assim tão simples? São os bons contra os maus?

Primeiro, é bom saber o que os ministros julgavam. Na verdade, eram poucas questões: 1) A lei já poderia valer para estas eleições? 2) A lei fere a presunção da inocência?3) A lei poderia prejudicar condutas que não acarretavam sanções, quando praticadas, como a renúncia de um cargo? Vamos lá, eis o que penso disto tudo.



1) Pode valer agora?

Não. A lei não poderia valer para estas eleições, porque o artigo 16 da Constituição fala bem claramente que a lei que alterar o processo eleitoral só se aplicará 01 ano após a sua publicação. Pretende-se evitar a mudança nas regras do jogo, com ele em andamento.

Cinco ministros disseram que o processo eleitoral só começaria em 10 de junho de 2010 , quando passam a ocorrer as convenções partidárias ( a lei foi publicada 05 dias antes). Por esse conceito restrito, o processo eleitoral duraria apenas 04 meses (de junho a outubro).

Por que, então, a Constituição não diria que o prazo para entrar em vigor a lei que alterar o processo eleitoral seria de 04 meses, em vez de 01 ano? A resposta é óbvia: Pela lei maior, o processo começa um ano antes das eleições, na data em que o possível candidato é obrigado a estar filiado a partido político. Sinceramente, a discussão que se deu não foi jurídica, mas somente populista. Era evidente, que não podia valer agora.


2) Fere a presunção de inocência?

Sim. Nesse ponto, havia até margem para discussão, já que a Constituição, ao se referir a presunção de inocência fala em processo penal e não eleitoral. A ficha limpa fez questão de dizer que para não poder ser candidato, bastava a condenação por um órgão colegiado. Não importaria se o processo não tivesse acabado e se pudesse haver uma reforma da decisão, por uma instância superior.

E por que isto não poderia ocorrer?

Metáfora futebolística. Na Copa do Brasil de futebol, há um sistema chamado de mata-mata. Os times são divididos em grupos de 2, que se enfrentam duas vezes (jogo de ida e jogo de volta). Quem for melhor nos dois confrontos, passa a fase seguinte. Na penúltima fase, em 2010, jogaram Santos x Grêmio e Atlético-GO x Vitória. No jogo de ida, o Grêmio venceu o Santos, em Porto Alegre, por 4x3. No dia do jogo de volta, porém, imaginemos que chovesse muito em Santos e não pudesse ter jogo. O que aconteceria?

Pelo raciocínio do Ficha Limpa, diria-se que o Grêmio já ganhou uma, então ele deve passar para a fase seguinte e, depois que o campeonato acabasse, eles se enfrentariam. Mas, aí, a final já teria acontecido e o Santos, mesmo vencendo, não poderia mais ser campeão. Não é injusto? Não é, mais que injusto, absurdo?

Na justiça acontece o mesmo. Se há recurso, o processo ainda não acabou. e pode ser revertido Por que se aplicaria uma sanção a alguém que pode não ter qualquer culpa? E se depois da eleição, fosse decidida a inocência? Visto por outro ângulo, se já se pode antecipar a sanção, a instância superior perde a razão de existir, assim como o jogo de volta da Copa do Brasil.

Se você não gosta do sistema de mata-mata, com jogos de ida e volta, pode tentar mudá-lo e estabelecer os pontos corridos ou acabar com o jogo de volta, mas não presumir que o perdedor da primeira partida, perderia também a segunda. Igualmente, havendo a crença de que os processos são lentos ou de que os Tribunais Superiores são inúteis, deve-se fazer leis para mudar os processos ou para reduzir o número de instâncias e não para punir por antecipação.


3) Pode punir condutas que eram consideradas lícitas, como a renúncia?

No julgamento da semana passada, tratava-se, especificamente, da hipótese do ex-senador Joaquim Roriz que renunciou ao mandato, quando estava perto de ser aberto um processo de cassação. Caso fosse condenado ficaria inelegível por 08 anos. A renúncia era um direito. Porém usar esse direito, por qualquer razão, traria um efeito colateral: serviria para fugir do processo e da possível punição. Ressalte-se que não significa que ele confessou a culpa, como disse um dos Ministros. Só uma visão muito ingênua sobre qualquer julgamento, faria pensar que o inocente não tem nada a temer. O que não faltam são decisões erradas.

Viagem no tempo. Em 16 de maio 2001, quando eu era estudante, participei de uma passeata que pedia a cassação do mandato dos então senadores Antônio Carlos Magalhães (o avô) e José Roberto Arruda (aliado de Roriz), por fraudarem o painel eletrônico. No final, ao lado do amigo Fetal, tive que correr da polícia por uma boa distância, a maioria por frouxidão mesmo, pois não tinha mais ninguém atrás da gente. A PM jogou bombas até dentro das faculdades. Ambos os políticos renunciaram ao mandato, em situação semelhante à de Roriz. No ano seguinte, foram eleitos novamente.

Bom, toda a lei da ficha limpa existe porque o artigo 14§9º da Constituição diz que leis complementares podem criar novas causas de inelegibilidade, para proteger a probidade administrativa e a moralidade. Na redação original, ela falava em proteger a normalidade e legitimidade das eleições. Tem-se aí um grave problema: o que é moral?

Se a conduta é lícita, cabe a cada um definir o que é moral ou não. Por exemplo, se você trabalha, ganha bem e faz uma pós-graduação, pode, licitamente, pagar meia-entrada, nos cinemas. Mas, sabe-se que quando as pessoas que poderiam pagar o ingresso inteiro, pagam a metade, as empresas aumentam o preço para não diminuir o lucro. Assim, sua conduta, apesar de lícita, seria moral? Para mim, não. Para você, talvez, sim. O ponto é que eu não poderia te impor o meu conceito de moralidade. Posso deixar de ser seu amigo, mas não te obrigar a pensar como eu.

Em geral, são criados uns conceitos abertos, que falam em moralidade média, ou do homem médio, para justificar a imposição. Não acaba o problema. Quem é o homem médio? Como se calcula a moralidade média? Em uma eleição, porém, não haveria esse problema. Como todos os cidadãos podem votar, todos os cidadãos julgariam. A maioria diria se aquela conduta lícita é ou não uma mancha relevante, na vida pregressa do candidato.

Obviamente, no caso de ACM, fiquei muito chateado com a sua eleição. Eu considerava que ele tinha praticado um ato imoral. Mas, eu não sou superior aos outros. Eu perdi, paciência. O fato é que, para o povo, aquela conduta não era imoral. Se o Roriz ( ou a esposa dele) vencer a eleição, a razão é a mesma. Estará comprovado que a sua conduta foi tolerada. Julgar moralidade por antecipação, parece bem legalzinho, mas é característica inseparável das ditaduras. É um ótimo meio de evitar que o eleitor, ou seja o povo, faça isto. Impedir que pessoas "imorais" se candidatem é impedir a possibilidade de a maioria negar esta "imoralidade".

Ficar do lado do Ficha Limpa é fácil. Mas, não há o lado do bem, como parece.




quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Baile dos Idosos


Vara de Família. Mutirão de conciliação.

Juiz- Puxa! Quantos anos vocês tem?

Senhora- 76

Senhor- 80

Juiz- O que leva a senhora a querer se separar?

Senhora- Eu não quero me separar, eu só quero que ele me respeite.

Juiz- Como assim?

Senhora- Eu gosto dele, mas ele fica paquerando as outras mulheres.

Senhor- É mentira!

Senhora- É verdade, sim! Todo o bairro sabe. Até a vizinha já viu. E o vizinho também!

Senhor- Mas, você nunca deu o flagrante!

Defensor- A senhora gosta dele?

Senhora- Eu amo ele.

Defensor- E o senhor gosta dela?

Senhor- Claro que sim.

Defensor- Algum de vocês quer se separar?

Senhor e Senhora (balançando a cabeça baixa)- Não.

Defensor- A senhora acha que ficaria mais feliz se afastando dele?

Senhora- De jeito nenhum, doutor.

Defensor- Creio que o caso está encerrado, Doutor.

Promotora- De jeito nenhum! Ela não pode continuar com esse homem!

Defensor- Por que, doutora?

Promotora- Ele é um safado!

Defensor- Mas, a senhora não ouviu? Ela acha que a separação vai trazer infelicidade.

Promotora- Não interessa! Ela está sendo enganada.

Defensora- A senhora é vacinada?

Senhora- Até contra a gripe.

Defensor- Tá vendo, doutora? Ela é maior e vacinada. Pode escolher o próprio caminho.

Promotora- De jeito nenhum! Não posso permitir a união com um canalha.

Senhora- Pelo amor de Deus, eu não quero me separar! Eu só quero que ele me respeite.

Defensor- O que exatamente te incomoda?

Senhora- Eu não ligo de ele ter outras mulheres. Só não quero que apronte pelo bairro.

Defensor- O senhor se compromete a não paquerar ninguém na vizinhança?

Senhor- Nenhuma mulher, doutor?

Defensor- Perto de casa, não. Em outros lugares, estaria liberado.

Senhor- Ah! Assim, tudo bem!

Defensor- Deste jeito a senhora ficaria feliz?

Promotora- Não!

Senhora- Sim!

Defensor- Bom, dá pra ver que o senhor não poderia casar com a promotora. Com a sua esposa, porém, parece que tá beleza.

Juiz- Acho que temos uma conciliação.

Senhora - Pera aí, doutor!

Promotora- Sabia! Ela não podia se degradar a esse ponto.

Senhora- Pra ficar perfeito, será que ele podia prometer dançar somente comigo, no baile dos idosos?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Morte do Violão.


Acabei de receber a notícia. O Luthier Paulo Roberto foi cuidadoso, mas não podia evitar a informação: ele tem pouco tempo de vida. Meu violão Yamaha não tem cura Está muito enpenado e não resistiria a uma intervenção. Não completou nem 20 anos. Na flor da idade! Não pestanejei e comprei até cordas novas. Ele merece uma morte digna.

Passamos por muitas coisas juntos. Foi com ele que fiz os primeiros acordes (após muita insistência, é verdade). Lembro como se fosse hoje. A primeira música que saiu foi "No Woman no Cry". Depois veio "La Bamba", "Pra não dizer que não falei das flores" e Mamonas Assasinas.

Ele acompanhou minha adolescência e as brincadeiras da época. Não eram só os Mamonas Assassinas, tinha versão em reagge, para Ilariê, o pout-pourri de pagodes, que incluía uma versão da música do Pelé (a,b,c, toda criança tem que ler e escrever), o Pout Pourri de músicas do Skank... E havia os efeitos sonoros: a música da chamada a cobrar, o tema do Popeye, até o barulho do relógio dos Power Rangers.

O efeito sonoro mais importante, porém, era o bordão de suspense da novela "O Rei do Gado". O personagem ameaçava " eu vou matar o Ralf!" e lá vinham as notas, que terminavam em um dramático acorde de mi menor.

Certamente, a professora de história do 2º ano, Marli Sales, também não esquecerá o barulho. Ela não gostou nem um pouco, quando do fundo da sala, utilizei o bordão, durante a sua aula. A explicação fluia: "Napoleão, viu-se perdido, na Batalha de Waterloo..." e, de repente, tun-dun-dun-dun- blein! As fortes notas e o triunfal mi menor, sem ensaio ou aviso prévio, ilustraram a gravidade do problema. Tive que correr, para salvar a vida e o instrumento. Ela só liberou, porque achou que a música estava no contexto certo, o que comprovava a minha atenção à matéria.

Aliás, a mesma professora deve lembrar quando eu e o Yamaha acompanhamos o amigo Idalmar, em um pedido musical. Foi uma das minhas poucas composições (em parceria com Idalmar e Tiago Bockie), creio que a única por encomenda. Nela, o colega em dificuldades apelava (também em mi menor): Marliiiii, me passa direto/ Marliiii, eu não quero ir pra recu! Idalmar passou. Mas, só na recuperação. A música espanta os males, mas nem todos.

Amadureci e mudei o repertório. Tentava mais Chico Buarque, Bossas Novas, Raul Seixas, Beatles, Luiz Gonzaga... Foi quando tive raiva da MPB, porque os acordes eram muito complexos. Tom Jobim pensa que minhas mãos são de borracha? E Caetano? Qual é a dele? Tudo diminuto, com nona e baixo em não sei o quê!

Percebi que poderia ser um bom músico, caso superasse algumas dificuldades inerentes: um péssimo ouvido musical, pouca agilidade nas mãos e pouca coordenação motora. Vencendo esses obstáculos, minha carreira artística estava garantida. Como bom brasileiro, fui à luta. Após muita dedicação, castigando o Yamaha e os familiares o tempo todo, finalmente consegui.
Consegui compreender que não tenho nenhum talento. Não adiantava!

Ainda assim, era bom ter o meu violãozinho, por perto. De vez em quando, humildemente, poderia buscar uma cifra na internet e criar a minha versão de alguma bela canção (entenda-se por versão o jeito que eu conseguisse tocar). Isto, claro, desde que ela não fosse complexa, pois aí eu não era capaz de inventar versão nenhuma.

Mesmo sem qualquer qualidade artística, vivi bons momentos e fiz boas amizades, graças ao violão. É verdade que nos últimos anos, o Yamaha estava abandonado. Quando tentei me reaproximar, fui surpreendido por esta triste notícia. Eu perco muito, o mundo não perde nada.

Preciso decidir se ainda tento criar alguma versão de qualquer música, para matar a saudade. Eu gostaria de um sonzinho de despedida, mas não sabia se devia, afinal de contas, como eu disse no início, ele merece uma morte digna. Estou certo, contudo, que uma notícia tão triste merece, mais que Napoleão, um último mi menor.

sábado, 11 de setembro de 2010

Data Venia



Recentemente, tive acesso ao livro Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro - Obediência e Submissão, de Gizlene Neder (Ed.Revan,2007). A autora fala sobre os períodos do renascimento e do iluminismo, em Portugal e no Brasil. Conta as particularidades que impulsionaram o desenvolvimento do pensamento jurídico, nos dois países.

Pouco depois, li a série de reportagens, na Revista Piauí nº 47 ( Data Venia, O Supremo) e nº48(Supremo, quosque tandem?), que falava sobre o cotidiano do supremo Tribunal Federal. Foi impossível, não lembrar de Gizlene. Pensando nas palavras dela, é possível entender um pouco o absurdo de, em uma mesma frase, conseguir chamar alguém de Vossa Excelência e dizer que ele tem capangas.

Vou destacar alguns trechos dos textos. Quem quiser aprofundar, pode ir atrás dos textos originais.

A "regra costumeira e singular", que não consta no regimento é a eleição [para presidente do STF] do mais velho (...) Porque simular ume eleição cujo resultado é conhecido? ´É uma coisa simbólica, que nos evita desgastes desnecessários´diz o presidente Cezar Peluso, sentado numa cadeira dos tempos do Império. Ela faz parte do acervo que estava no Rio. Trazê-lo a Brasília, antes mesmo da eleição, foi a primeira marca do estilo Peluso. (...) mobilizou primeiro a seção de documentação e acervo. Depois, acionou o departamento de arquitetura (há um, sim) para que redesenhasse a planta com os velhos móveis. (Piauí, nº47)

Sérgio Buarque de Holanda aprofundou a crítica aos bacharéis, ressaltando as possibilidades de notabilização, através de distinvos materiais ( anel de grau, diploma), que passaram a valer como autênticos brasões de nobreza. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro p.188)

Os primeiros que aparecem, antes mesmo de começar as sessões de julgamento, são os ´capinhas´, assim chamados por causa da obrigatória capa preta, curta sobre os ombros.
Os Ministros também são obrigados a usar toga. É uma capa de cetim preto, comprida sobre a roupa. (...) As togas ficam sob a responsabilidade dos respectivos gabinetes. Na prática, com os capinhas. Cabe a eles, nos dias das sessões, tirá-las dos armários, estendê-las sobre uma mesa de Jacarandá, no salão branco, adjacente ao plenário, e colocá-la nos ministros.
(...) É um cargo de confiança. Eles servem para tudo: puxar a poltrona quando as excelências vão sentar ou levantar, arrumar livros e processos que devem estar à mão, servir água , café ou chá, levar recados e bilhetes, resolver encrencas com computadores, documentos que faltaram e que tais. (Piauí, nº47)


O desprezo pelo trabalho manual e a valrização do trabalho intelectual, peculiares a uma sociedade aristocrática e, no caso do Brasil, fundada em relações escravistas, explica a exaltação e o prestígio do suposto talento, coberto pelo pálio do diploma universitário, como de resto, em toda a sociedade aristocrática. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro p.187)

À entrada dos ministros e também do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, numa fila puxada pelo presidente, todos se levantam. Se alguém esquecer, ou não estiver prestando atenção, os seguranças lembram. (Piauí, nº47)

(...) o processo de ideologização reproduz tal visão, numa reificação da superioridade e pefeição do saber jurídico, em relação a outros campos do saber, tornando-o distante e inatingível para a grande maioria das pessoas "comuns", submetidas ao processo de sacralização do poder e do saber. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro. p.80)

"A sessão de julgamento do Supremo é geralmente uma farsa, um teatro contraproducente", opinou o professor Hübner Mendes. Todos chegam com seus votos prontos e gastam horas apenas para lê-los em público". (...) Para o professor Hübner Mendes, há um "ambiente de academia de letras, no Supremo, marcado pelo pedantismo e a prolixidade: "Existe um apego à beleza literária e, sobretudo, à erudição dos votos e pouca atenção à especificidade dos fatos de cada caso."(Piauí, nº47)

De fato, segundo Sérgio Buarque de Holanda, não havia uma preocupação com o pensamento especulativo, mas à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. ( Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileirop.187)




ps: Dá pra mudar o quadro. Mas, é preciso que os novos juristas e que as novas instituições jurídicas desejem mudar. Se até quem é novo, ou quem está mais perto da população quiser copiar a sacralização, aí sim, fica difícil.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Um dia, na Defensoria

Foto retirada do site Bahia Notícias.com.br


Presídio Salvador.

Dra., qual a minha situação?

Pera, que estou tentando ver no computador.

Será que já dá pra sair?

Calma, eu preciso olhar. Já foram feitos todos os pedidos.

Ai, meu Deus, me ajude. Demora?

Não. Tô quase conseguindo... Abriu!

E aí? E aí?

Seu alvará saiu! Foi hoje mesmo! Deve estar chegando.

Eu vou pra casa?

Vai, vai. Pode comemorar. Fala o que sente.

Posso? Então lá vai:

BROQUEI!!!!!!

sábado, 4 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Ainda John Mill , Alexandre Morais da Rosa e Piauí


Desculpem, voltar a falar no filósofo inglês, em tão pouco tempo. Mas, os fatos se sucedem e aqui estamos. É só uma citação dele e após uma transcrição de um texto do escritor e juiz Alexandre Morais da Rosa. Os dois não concordam em tudo, mas neste ponto, parece-me que há convergência.

O Piauí? Na verdade é a Piauí. Alguém já leu a matéria daquela revista, que fala sobre os costumes do STF? Chama-se "Data venia, o Supremo". Quem não leu, é bom começar. Especialmente para ver o ridículo e medieval do formalismo.

"Pois se o teste for o facto de aqueles cuja opinião é atacada ficarem ofendidos, penso que a experiência demonstra que haverá uma ofensa sempre que o ataque for eficaz e poderoso, e que qualquer oponente que puxe muito por eles (e a quem eles tenham dificuldade em responder) lhes parecerá imoderado, bastando para tal que demonstre um sentimento forte sobre o assunto"

( John Mill. Sobre a Liberdade, Edições 70. Tradução pedro Madeira, 2006. p.101)

Agora, Alexandre Morais da Rosa. O original está aqui.

"Crítica Branda e Politicamente Correta.

No cenário jurídico brasileiro é um pecado dizer que o sujeito não está certo. Se o cara não fala um monte de "data vênia", que Vossa Excelência está equivocado, enfim, sem ser politicamente correto, os narizes se torcem, as pessoas não aceitam a crítica. Uma crítica branda, cheia de fru-fru é um dos motivos desta fraude da Jurisdição. A crítica precisa arder. Mostrar que os fundamentos (ou pseudo) são frágeis, equivocados, errados, até mesmo decorrentes de "anafalbetismo funcional". Fico impressionado com as respostas de gente que "fica de mal", se acha "ofendido", enfim, quer "carinho crítico". QUer se diga assim: não querido, vc poderia pensar diferente. Quem sabe se vc pensar assim, assim.... Não compartilho deste modo de pensar. É preciso "dar nos dedos" para que o sujeito, acima de tudo, vá estudar!!!!!!!!!!!!! Embora eu não acredite que vá. Ele irá se fazer de vítima, ganhando afagos de outros iguais. Confundem alteridade com condescendência."

Sobre a matéria da Piauí, eu vou escrever mais depois. Principalmente, porque no novo número da revista, haverá continuação. Até lá.