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sábado, 21 de janeiro de 2012

A Realidade é assim mesma!

Texto de Denival Francisco. Não sou juiz, mas tudo parece tão próximo... (original aqui).


A REALIDADE É ASSIM MESMA! “Toda realidade está aí submetida à possibilidade de nossa intervenção.” (Paulo Freire).

Para o descrente, o acomodado, ou o conivente com o estado de coisas a sua volta, é muito simples justificar suas ações ou inações, com a afirmativa de quea realidade é assim mesma e não há como, ou não será ele, que inverterá tudo.
Na magistratura está realidade discursiva é extremamente presente. Há um continuísmo, uma mesmice no ato de julgar, um embolar de decisões prontas para situações novas ou novas urgências. E quanto se decide de modo diverso do tradicional, buscando novos horizontes interpretativos, sobretudo naqueles onde se acham os direitos fundamentais, vem sempre o cético de plantão para menosprezar e inferiorizar o dissidente. No fim, a dissidência é vista simplesmente como um ato de prepotência, de quem ousa divergir pelo simples prazer do dissenso e é ele um não conectado as lições que vem dos tribunais (um repetir incontido de decisões antigas; quando se inova, na maioria das vezes, não se vê novidade, mas um retroceder de posições).
Não se afirma aqui, de antemão, que há um acerto na nova forma de decidir. Conquanto, o que intriga é a falta de contraposição no campo das ideias a estas novas reflexões que são desprezadas simplesmente por contrapor ao que está posto.
Outro argumento é que a justiça carece de rapidez (por este motivo destacaram tanto a inserção do princípio da celeridade dentre os direitos fundamentais com a EC 045/2004), não se podendo perder tempo para inovações se o tema já foi consolidado nos tribunais. É a fórmula secreta da Coca-Cola distribuída às instâncias inferiores para serem utilizadas sem a mínima possibilidade de incremento na receita, ainda que o produto final possa ser melhorado (dirão os acomodados de sempre que a Coca-Cola é um produto que deu certo e é receita secular. Digo, todavia, como muitos outros o dirão, que nem todos apreciam esta bebida e nem assim são forçados a tomá-la).
Ao intérprete que não tiver disposição para se render a esta prática, deve-se estar consciente de que terá um preço bastante alto a ser pago. Antes, então, de enveredar por estes desafios, cabe analisar meticulosamente se tudo isso vale a pena. Digo isso como quem sente na pele as rejeições, não propriamente de ideias, porque estas não sequer são colocadas em campo pelos interlocutores. Não há chance alguma de um jogo de ideias. Trata-se de partida pertida por “WO”, embora sejam de cá as ideias comparecentes. Aliás, o grande problema é justamente este, a ausência de qualquer discussão, porque a pretexto de não ter que enfrentar tais embates – porque muitas das vezes empobrecido ou mesmo vazio o interlocutor – é melhor repudiar de uma vez o propagador de outras formas de pensar e refletir, ou pior, deixá-lo falando só (o desprezo à fala é desrespeito ao outro, é também forma de discriminação, de não aceitação do convívio num ambiente de diferenças e negação do pluralismo político).
Para isso, a repulsa passa a ser sobre o indivíduo e não do que ele tem como proposta para debate e neste caso específico para discussão jurídica. Tratando-se de decisões judiciais, as reformas dos julgados passam, em grande medida, ao largo do enfrentamento dos argumentos postos a justificar o novo. Para que a revisão inicia-se de traz para frente: Quem assina isso? Hum, de novo!? Nada do que ali está dito na decisão a ser reavaliada vale, bastando reproduzir, frivolamente, o que já está assentado. Pronto!
Fora do processo, qualquer tentativa de contraposição ao trivial já é devorado pelos olhares que percorrem seus trajes, seu modo de convivência, seus hábitos e amizades, suas referências ideológicas, sua religiosidade (ou o que entendem como falta dela), suas eventuais leituras, tudo que possa servir de argumento para justificar a anormalidade de conduta e enfrentamento ao que deveria efetivamente ser pontuado. Se você não é igual ao seu possível interlocutor (e ele é tido como o comum e normal) é o suficiente para você ser afastado, sem merecer ao menos abordagem sobre as ideais. É a política do evitamento para não ser confundido ou contaminado.
E assim, para não ser considerado “anormal” ou dissidente, às decisões seguem como numa esteira de envasamento de Coca-Cola, onde os operadores têm o único trabalho de misturar água a fórmula e engarrafar a mistura.
A este propósito, é interessante notar como o próprio termo “operador do direito” já é em si a expressão concreta disso. Utilizado de boca cheia pelos cômodos repetidores, acreditando tratar de um trunfo, sequer têm a percepção de que o operário é alguém que não se dá ao trabalho de pensar, porque sua tarefa é apenas cumprir ordens que lhe foram dadas, necessitando, tão somente reprisar o que outros projetaram – misturar água à fórmula trazida da matriz – o que outras já lhe deram pensado. Tudo passa a ser repetido irrefletidamente, nos moldes entregues pelas Cortes superiores. Se já decidiram em tal sentido pronto, não tem mais o que dissentir, ainda que seja possível novas reflexões e interpretações (é assim que se enchem estatísticas e que no fundo é o que lhes interessa).
No fim, a realidade é assim mesma, basta conformar. Será?

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