Translate

domingo, 30 de setembro de 2012

Defensoria (por Angélica Coelho de Oliveira)


Poema-desabafo de autoria de Angélica Coelho de Oliveira, Defensora Pública da comarca de Brumado, no interior da Bahia, que resume bem a dor de exercer essa profissão e ver os estados sem nenhuma vontade política para mudar o quadro.

"Defensoria

Trinta assistidos por dia, 
Essa é a média de atendimentos.
Assuntos? os mais diversos:
divórcios, cobranças, despejo,
possessórias de todo tipo,
e como não podia deixar de ser,
o velho pleito de alimentos.

Não conto com estagiário,
Tampouco com secretário,
Ainda faço audiências, dou cientes,
Elaboro petições,
Produzo réplicas e também contestações.

A tudo isso se soma,
a parte administrativa:
Ofícios, correspondências,
processos, Correios, água,
a limpeza, o cafezinho...
Ufa! Ainda bem que sou ativa.

Não há espaço,
A impressora emperra,
Leva dias pra consertar.
Falta privacidade ao povo,
pra sua história contar.
O assistido clama, grita
e às vezes até xinga,
mas nada disso adianta,
não há pra quem reclamar, reivindicar, suplicar.
Voce é Defensor! Pior, no interior.
Ainda não se acostumou?
Tem mais é que se virar!"

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Mito da Modernidade 4. Fábrica de Marginais


Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
Posts anteriores (para ler, é só clicar):
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!:

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Faces da Moeda. Caminho para o Positivismo2.1. Iluminismo. 2.2. Escola Clássica. 3. Cara de Bandido. O Positivismo. 4. Fábricas de Marginais. Escola de Chicago. 5. Se não Tivesse, não Estaria Aqui. Anomia. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes. 7. Meu Nome não é Johnny. Labeling Aproach7.1. Status Desviante. 7.2. Criação e Imposições de Regras. 8. Execução Penal Brasileira.8.1. De Olhos Fechados. Labeling Aproach e Execução Penal Brasileira. 8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal Brasileira. 8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal Brasileira. 8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal Brasileira. 8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal Brasileira. 9. Conclusão.


    1. FÁBRICAS DE MARGINAIS. ESCOLA DE CHICAGO

Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Pra lhe dar.1

A industrialização, a expansão populacional e o crescimento das grandes cidades apresentaram consequências. Os contatos interpessoais se espalharam no espaço e, por conseguinte, as alternativas de conduta também. Ao mesmo tempo, a sensação de anonimato aumentava. As instâncias de controle informal, como família, religião e comunidade perderam força.
Nesse contexto, a cidade de Chicago do início do século XX era paradigmática, pelo potencial fabril e por ser polo atrativo de imigrantes das mais variadas nacionalidades. Lá, consolidou-se um núcleo de pesquisas, batizado de escola de Chicago, ou Ecologia Criminal, que visava contraditar as explicações positivistas acerca das origens do delito em aspectos pessoais.
Para tanto, usaram como base a teoria das zonas concêntricas de Park e Burgess. Eles notaram que Chicago, assim como a maioria das cidades norte-americanas, tinha um formato radial, onde no centro (loop) estavam as fábricas e o comércio. A segunda zona, (Slum) era sempre invadida pelo loop e, por isto, bastante degradada. Tratava-se da única opção de moradia para os mais pobres e os imigrantes recém-chegados. A partir daí, quanto mais se afastava do centro, mais organizada era a região e mais ricos os seus habitantes.2
Partindo da hipótese de que a distribuição da criminalidade era desigual, os cânones da Escola de Chicago, Clifford Shaw e Henry McKay verificaram os documentos da polícia, de 1900 a 1940, em mais de 60.000 casos individuais.3 Era exatamente naquela segunda zona que se concentrava quase a totalidade dos delitos conhecidos pelo Estado.
As áreas de delinquência eram as mais fisicamente degradadas. As ruas eram mais sujas, as casas menores e feias, as condições sanitárias piores, o acesso à saúde precário, as escolas com pior estrutura e qualidade. A população, porém, era rotativa, seguindo as ondas migratórias. Um grupo chegava e lá permanecia até conseguir progredir financeiramente e mudar para as zonas melhores. Assim, chineses, negros e europeus se alternavam como seus habitantes.
As taxas de criminalidade mantinham-se estáveis, independente dos ocupantes de cada momento. Se considerarmos que as pessoas (e suas heranças genéticas) variavam, é fácil concluir que os desvios, constantes, só poderiam ser fruto da outra constante: a degradação. Era (ou deveria ser) uma ferida de morte nas teorias lombrosianas.
Escapava à Escola de Chicago, entretanto, o fato de que as estatísticas oficiais, em que basearam a suas pesquisas não refletiam a realidade. Desconhecia-se, na época, o conceito de cifras ocultas. Também não se falava sobre a abordagem diferenciada da polícia em cada região, concentrando seus esforços em umas e imunizando outras.
Apesar de radicalmente opostos ao determinismo biológico dos positivistas, os estudiosos da Escola de Chicago criaram outra espécie de determinismo, o ecológico. Associaram o crime, genérico, à pobreza, à falta de educação e à ausência das famílias, por exemplo, quando alguns delitos exigem riqueza e boa instrução (como os tributários) ou ocorrem, não raramente, dentro das famílias (como os delitos sexuais e os homicídios).
Como consequência, ao pregar o combate à pobreza, o seu discurso serviria de baliza para ações violentas contra as próprias populações marginalizadas. Assim como para os positivistas a intervenção no criminoso se justificava para curá-lo de um problema individual cujas consequências ele não poderia evitar, a intervenção contra pessoas pobres é justificada para curar a comunidade em si de um mal, cujas consequências elas não poderiam evitar.
Nos Estados Unidos surgiria, e depois se espalharia pelo mundo, a política de Tolerância Zero. Baseava-se em parte da teoria das janelas quebradas4, com forte inspiração na Escola de Chicago, segundo a qual as pequenas desordens, como uma janela quebrada, ou uma pichação estimulariam as grandes desordens e os crimes violentos.
Segundo, no nível comunitário, desordem e crime são intrinsecamente ligados, em um tipo de sequência de desenvolvimento. Psicólogos sociais e policiais tendem a concordar que se uma janela em um prédio for quebrada e deixada sem concerto, todas as outras janelas logo serão quebradas5.

Seria necessária uma dura e inafastável repressão às pequenas desordens praticadas pelas populações carentes e que, muitas vezes, eram a sua única fonte de sobrevivência, como a prostituição, o comércio informal e, principalmente, a venda e o uso de drogas.
Essa política é profundamente discriminatória, visto que se assenta numa equivalência entre se comportar fora da norma e ser um fora-da-lei, e tem como alvo os bairros e populações suspeitos de antemão, se não considerados culpados por princípio, por deficiências morais, bem como por infrações legais.6
Mais recentemente, no Brasil, nova política claramente inspirada na Escola de Chicago e também na teoria das janelas quebradas, originaria as Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro e suas cópias, em outros Estados. O projeto original foi implantado pelo governador que chamou uma favela carioca de fábrica de marginais.
Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. Estado não dá conta.7

Trata-se, em resumo, da ocupação militar de regiões consideradas violentas (e, não por acaso, próximas de redutos turísticos8, como o Copacabana, no Rio de Janeiro, ou a Barra, em Salvador), associada à oferta de infra-estrutura até então inexistente.
Uma engenhosa arquitetura publicitária se esforça para omitir o fato de que a entrada da PM, e não raro do exército, obviamente é violenta e pouco controlada pela lei. São instaladas bases policiais cujos agentes intervêm em todos os detalhes do cotidiano e atacam, como na tolerância zero, os meios de sobrevivência dos marginalizados.
Tudo isso nos leva ao ponto final do que eu chamo de gestão policial da vida, imposta aos pobres em seu cotidiano, comprovando aquelas teses, como a de Loic Wacquant, que apontam o deslocamento da atenção social do Estado para uma gestão penal da pobreza. Nunca a expressão de Edson Passetti se adequou tanto à realidade dos bairros pobres e favelas: o controle a céu aberto, naquela perspectiva do estado de exceção de Agamben. A idéia de “campo”, área de controle penal total sobre o cotidiano de seus moradores, agora tutelados em todos os aspectos diretamente pela polícia. Tendo a pacificação do Alemão como ato simbólico de um projeto de cidade, a mídia carioca investiu ardilosamente na policização da vida em seus mínimos detalhes, tendo o BOPE como o grande timoneiro.
(...)
Nesses anos todos de reflexão sobre a questão criminal eu já tinha me dado conta da necessidade de manter um inimigo à mão na passagem da ditadura para essa democracia formal em que vivemos. Constatei também a importância do medo para o disciplinamento dos pobres no capitalismo de barbárie. Falei anteriormente do deslocamento de uma naturalização da truculência policial para o seu elogio; isso é o mais assustador dos tempos em que vivemos.9

A associação de crime e pobreza, sem questionamentos de ordem política e econômica, leva a uma política não de auxílio, mas de guerra aos pobres, como demonstra o papel central dos militares, a utilização do exército e o uso de expressões bélicas. Ademais, a condição de marginalidade passa a servir como indício de culpa no processo penal e, ironicamente, para uma teoria que tentou refutar o positivismo, como sinal de periculosidade, na execução da pena.

1 HOLANDA, Chico Buarque de. O meu Guri.
2 A estrutura espacial das grandes cidades brasileiras, atualmente, é bastante diferente. Nem sempre a estrutura é radial. Muitas vezes, bairros ricos e pobres se alternam e as periferias costumam ser os locais mais degradados. O importante da pesquisa, porém, é delimitar espaços notadamente distintos, onde há maior ou menor degradação e as diferenças na distribuição da criminalidade entre eles. Podemos perfeitamente transpor a descrição do Slum, para zona leste de São Paulo, os morros cariocas, as favelas das capitais nordestinas, onde se concentram os imigrantes e pobres em geral.
3 DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa Andrade. Criminologia- O Homem Delinqüente e a Sociedade Criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1995 , p.276.
4 YOUNG, Jock. A sociedade excludente- Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro. Revan: 2002.p.188.
Não quero fazer aqui uma crítica desta filosofia; estou dizendo que isto não é um programa de tolerância zero contra todo o tipo de crimes, que acredita que a polícia é o ator chave na criação de uma sociedade ordeira e que acha que a ‘limpeza nas ruas’vai produzir resultados miraculosos e imediatos. Trata-se de uma teoria mais sutil, que prevê um papel mais marginal para a polícia e situa a fonte da ordem social em partes mais fundamentais da estrutura social.”
5 WILSON, James Q. e KELLING, George L. Broken Windows. Tradução livre. Disponível em http://www.forestry.gov.uk/website/pdf.nsf/b591cb1aa3d9d9ac802570ec004f557d/7e15282335cea36b802575e4004c96b7/$FILE/BrokenWindowTheory.pdf , acesso em 28 de outubro de 2011. Original publicado no jornal The Atlantic, em março de 1982. Texto original:
Second, at the community level, disorder and crime are usually inextricably linked, in a kind of developmental sequence. Social psychologists and police officers tend to agree that if a window in a building is broken and is left unrepaired, all the rest of the windows will soon be broken.

6 WACQUANT, Loic. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [ A onda punitiva].3.ed. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2003. P.442
8 CASAGRANDE, Ferdinando. O Mapa da Batalha entre polícia e traficantes pelo controle da favela. Disponível em http://veja.abril.com.br/infograficos/batalha-no-rio/ .Acesso em 29 de outubro de 2011.
9 BATISTA, Vera Malaguti. O Alemão é mais complexo. Disponível em http://www.fazendomedia.com/o-alemao-e-mais-complexo/ acesso em 29 de outubro de 2011.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Eu tô do lado de quem?


Há alguns dias, circulou na imprensa a seguinte notícia:


As redes de supermercados brasileiros fizeram um levantamento do quanto é perdido com furtos ao longo do ano. R$ 1,5 bilhão por ano é o valor do prejuízo, que é repassado, em parte, para o consumidor. Mas engana-se quem acha que alimentos da cesta básica são os principais itens furtados. O chocolate é o campeão, segundo a Associação Brasileira de Supermercados. O pacote de carne é o segundo produto de uma lista inclui salgadinhos, lâmina de barbear, desodorante e bebidas. Com isso, os gastos com segurança têm aumentado gradativamente, embora isso não garanta a inexistência do ato. Mesmo em um supermercado com 108 câmeras, são registrados, em média, 15 furtos por mês. "Desde o produtor até o consumidor final é afetado quando existe a perda do produto. Este valor tem que ser composto novamente no produto", diz Geraldo Marques, diretor da Associação Brasileira de Supermercado. Outros dispositivos de segurança têm sido testados, mas alguns donos de negócios admitem que preferem deixar de vender certos produtos, que são os maiores alvos de furtos."

A manchete é impactante. 1,5 Bilhão é muito dinheiro. Mas, é bom ir além do que grita na matéria e analisar as letras miúdas, sem esquecer o que não é dito expressamente. Que conclusões podemos tirar e que cuidados, precisamos ter, ao ler esta matéria. E o que esta leitura diz de nós mesmos.

Primeiro, vamos a uma informação importante. Quem fez essa pesquisa? Com que métodos? Onde foi publicado? Quem assina? As "redes de supermercado"?

Outro silêncio que diz muito: Quantos supermercados existem no Brasil? Qual o lucro anual desses mesmos supermercados? Se só o prejuízo com os furtos é de 1,5 Bilhão (em caixa alta) e, mesmo assim, eles se mantém funcionando, qual será a cifra dos lucros que auferem? Se os números estiverem certos, talvez só com o que ganham os donos de supermercados brasileiros seja possível alimentar a humanidade inteira.

Agora, uma afirmação que esconde outro silêncio. A matéria adverte: "Mas engana-se quem acha que alimentos da cesta básica são os principais itens furtados. O chocolate é o campeão, segundo a Associação Brasileira de Supermercados. O pacote de carne é o segundo produto de uma lista inclui salgadinhos, lâmina de barbear, desodorante e bebidas". A frase oculta é "não me venham com essa conversinha de que as pessoas furtam pra comer. Ninguém come lâmina de barbear e desodorante. Esses safados só querem fazer churrasco na laje, barbeados, cheirosos, tomando todas e ainda com chocolate de sobremesa".

Mas, vamos esquecer os silêncios e considerar que nossos briosos empreendedores sofrem tanto com os malditos e ambiciosos gatunos. Teríamos um problema. Supermercados brasileiros sofreriam um prejuízo capaz de matar a fome mundial, por furtos de produtos como chocolates, carne, desodorante e cerveja. E agora? Sob que ótica podemos ver isto?

Uma possibilidade seria se unir aos empresários e reclamar da falta de segurança. Pedir penas maiores e mais céleres. Bradar contra a justiça que solta as pessoas que furtaram bens de pequeno valor. E, principalmente, pedir a prisão dessas pessoas, que não aprendem e vão continuar fazendo isto, eternamente. Afinal de contas, elas são más, ou, no mínimo, preguiçosas.

Outra alternativa seria refletir sobre um dado realmente impactante: tem gente (pessoas, seres humanos) que furta desodorantes. Por que você não imita eles e pega esses bens nos mercados e esconde nos bolsos? Não é porque é proibido, porque tem medo de ser preso. É porque o custo deles é insignificante diante do que você possui, do que você ganha e do que você precisa. São poucas coisas coisas que fazem alguém pegar sorrateiramente um chocolate, em uma loja. As principais são: brincadeira infantil, cleptomania e miséria. O brado, então, não se voltaria contra quem furtou, mas contra um estado de coisas que admite a miséria.

Não existe leitura neutra quanto a isto. Reagir, com ou sem indignação, significa decidir um lado. Pode-se ficar com quem se dá ao luxo de perder 1,5 bilhão por ano e mesmo assim tem lucro.Aí, vamos pedir a punição de quem furta de modo contumaz, ou a punição de quem furta pequenos bens para comprar drogas baratas. A outra alternativa é ficar ao lado de quem acha que R$2,00, R$10,00, ou R$50,00 são valiosos demais e prefere assumir o risco de ser preso, humilhado, espancado ou preso a gastá-los em lâminas de barbear, chocolates, cervejas ou desodorantes.

Eu já escolhi o meu lado. O jornal, com os ditos e não ditos, escolheu o dele. Vamos lá, escolha o seu.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Mito da Modernidade 3. Cara de Bandido


Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
Posts anteriores (para ler, é só clicar):
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!:

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Faces da Moeda. Caminho para o Positivismo2.1. Iluminismo. 2.2. Escola Clássica. 3. Cara de Bandido. O Positivismo. 4. Fábricas de Marginais. Escola de Chicago. 5. Se não Tivesse, não Estaria Aqui. Anomia. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes. 7. Meu Nome não é Johnny. Labeling Aproach7.1. Status Desviante. 7.2. Criação e Imposições de Regras. 8. Execução Penal Brasileira.8.1. De Olhos Fechados. Labeling Aproach e Execução Penal Brasileira. 8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal Brasileira. 8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal Brasileira. 8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal Brasileira. 8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal Brasileira. 9. Conclusão.

    1. CARA DE BANDIDO. O POSITIVISMO.

Enquanto aquele papagaio curupaca implica
E com o carimbo positivo da ciência
Que aprova e classifica.1

Desde o princípio, a Escola Clássica sofria oposição de estudiosos que não acreditavam na igualdade entre as pessoas e que achavam seus métodos dedutivos, por demais abstratos. Para eles, não era o crime que deveria ser estudado, mas sim o criminoso. A pena devia sim proteger a sociedade, mas agindo no criminoso, neutralizando-lhe e, principalmente, transformando-lhe, extirpando um mal interno.
Na metade do século XIX, o contexto histórico havia mudado. As monarquias caíam ou eram amplamente dominadas pela burguesia. Não havia mais discrepância entre os detentores do poder político e do poder econômico. Não eram mais eles que precisavam temer a arbitrariedade de terceiros com o poder de acusar, julgar e punir. Princípios protetivos dos réus, como legalidade e proporcionalidade não permaneciam tão importantes2. Ao contrário, pareciam obstáculos para a perseguição dos novos adversários. Henrique VIII não precisava destruir a religião, mas apenas dominá-la.
Era preciso evitar o surgimento da classe operária como força revolucionária. Se esta obtivesse a solidariedade internacional, os governantes também se organizariam internacionalmente para contra-atacá-la. O controle social internacional destes ‘resistentes’(que seriam qualificados como delinqüentes) tinha de ser organizado e um caminho para isso eram os congressos internacionais.3

Capitaneados pelo médico Cesare Lombroso, os positivistas se tornavam hegemônicos. Para eles, o método de estudo da criminologia deveria ser o empírico. A origem do delito seria biológica, embora não fossem descartadas as influências sociais. Deste modo, não haveria, ou seria muito reduzido, o espaço para o livre arbítrio. Pessoas cometeriam crimes porque não eram evoluídas. Elas não tinham escolhas, a sua natureza as impelia para o delito.
Nas pessoas sãs é livre a vontade, como diz a metafísica, mas são determinados por motivos que contrastam com o bem-estar social. Quando surgem, são mais ou menos freados por outros motivos, como o prazer do louvor, o temor da sanção, da infâmia, da Igreja, ou da hereditariedade, ou de prudentes hábitos impostos por uma ginástica mental continuada, motivos que não valem mais nos dementes morais ou nos delinqüentes natos, que logo caem na reincidência.4

Lombroso e seus seguidores realizavam pesquisas dentro das prisões, para descobrir as características físicas, anatômicas, intelectuais, psicológicas e morais, entre os criminosos. Descobrir-se-ia, assim, o perfil do infrator, que poderia ser facilmente identificável. Seria possível, por meio de estudos clínicos medir o grau de periculosidade de cada um. Logo, independentemente de fatos concretos a serem imputados, os perigosos precisariam ser afastados provisória ou definitivamente das pessoas normais.
Criticavam a prisão, porque seria incapaz de diminuir a reincidência. A pena não deveria ser castigo, mas sim, tratamento. A sua duração não devia ser simplesmente proporcional ao delito, mas medida pelas respostas às técnicas aplicadas. Especialistas precisariam comprovar a regeneração. Na base de tudo, sempre estava a consideração do criminoso como o anormal a ser normalizado, o selvagem a ser civilizado e, finalmente, o anti-social a ser ressocializado5.
Hoje, são evidentes fragilidades nas ideias positivistas. Em relação a características físicas, Lombroso apontou marcas curiosas. Uma delas era o canhotismo6, que seria mais freqüente entre os criminosos. Além de considerar canhotos como Charles Chaplin, Jimmie Hendrix, Paul McCartney, Lula, Machado de Assis e Bill Gates pessoas atávicas, desconsiderou que as famílias ricas educavam seus filhos a serem destros, porque o uso da mão esquerda era “coisa do diabo”. Outros sinais de selvageria seriam exatamente as habilidades úteis à espécie de delito cometido e que, por isto são treinadas e desenvolvidas para a sua prática, como a maior agilidade dos assaltantes7.
Quando aborda características morais, aponta traços que obviamente não são menos comuns nas pessoas não perseguidas penalmente, como ciúmes8, mentiras9 e vaidade.
Em lugar dos afetos familiares e sociais, que se encontram apagados ou desligados nos delinqüentes, as outras paixões restantes dominam com tenacidade. Primeiro entre todos, o orgulho, ou melhor, a consideração da própria pessoa, que notamos crescer no vulgo, na razão inversa do mérito. (...)
A vaidade dos delinqüentes supera à dos artistas, dos literatos e das mulheres galantes.10
Além de atingir em cheio pessoas que usam paletós e togas e exigem serem tratadas por doutor ou excelência, estas definições demonstram que a categorização não se sustenta, sem que haja a crença em um grupo de homens e mulheres impolutos, quase que como sacerdotes (no discurso dos sacerdotes) ou heróis românticos, encontrados atualmente apenas em novelas e desenhos animados.
Mas, o erro central de Lombroso, que seria reproduzido por quase todos os seus sucessores e opositores, foi buscar raízes universais na prática de crimes, quando a própria definição dos delitos varia no tempo e no espaço. Por outro lado, ele também não refletia que nem todos os que cometiam delitos eram presos. O seu objeto de estudo poderia, em tese, refletir o perfil das pessoas que são encarceradas, mas não o das criminosas11. Em locais onde a maioria dos perseguidos pela polícia é negra, a “cara de bandido” será negra. A conveniência deste equívoco para a justificação das desigualdades sociais, porém, é intensa.
Apesar das fortes resistências, particularmente dos penalistas, a escola positivista se impôs e teve as repercussões internacionais por todos conhecidas. Correspondia ao momento que se estava vivendo e às necessidades e transformações da ideologia liberal. Existiam desigualdades sociais, mas elas se justificavam porque existiam desigualdades humanas. Os pobres eram pobres porque biologicamente inferiores e o delinqüente era assim porque pertencia a uma linhagem humana distinta e inferior.12
Conseguindo se impor nos países centrais, onde a pobreza era exceção, as teorias logo chegaram, e com muito mais força, nos países periféricos. Na América Latina, cujo desenvolvimento se baseou no genocídio da população nativa e na escravidão dos africanos, dominados pela minoria de europeus e seus descendentes brancos, o positivismo não apenas se consolidou, como foi fundamental para o nosso modelo de acumulação de capital.
O panóptico benthaniano poderia ser o modelo de controle social programado ideologicamente como instrumento disciplinador durante a acumulação originária de capital na região central, mas o verdadeiro modelo ideológico para o controle social periférico ou marginal não foi o de Bentham mas o de Cesare Lombroso. Este modelo partia da idéia de inferioridade biológica tanto dos delinqüentes centrais como da totalidade das populações colonizadas, considerando, de modo análogo, biologicamente inferiores, tanto os moradores das instituições de seqüestro centrais (cárceres, manicômios), como os habitantes originários das imensas instituições de seqüestro coloniais (sociedades incorporadas ao processo de atualização histórica).13

Atualmente, falar em Lombroso gera o mesmo tipo de reação que falar na inquisição. Em ambos os casos, é difícil encontrar quem manifeste qualquer simpatia. Fala-se, com alívio e terror de coisas que ficaram em um passado distante. Entretanto, assim como nossos processos penais são permeados de práticas inquisitoriais, nossa forma de pensar políticas penais, de noticiar delitos, de investigar crimes14, de abordar suspeitos15, de formular acusações, de legitimar ou deslegitimar falas e de executar penas, deixa muito claro que Lombroso está bem vivo. Apesar dos equívocos fundamentais, são inúmeras as marcas positivistas, sintetizadas pela retumbante aceitação entre juristas16, jornalistas17, políticos18 e a população em geral, do paradigma etiológico.
No tópico anterior, Salo de Carvalho esclareceu que na discussão sobre o nascedouro da criminologia, a oposição entre Escola Clássica e Positivismo tem claros matizes ideológicos. O predomínio quase absoluto da corrente que aponta Lombroso como o fundador da criminologia19 é, assim, bastante revelador da sua contemporaneidade.

1 SEIXAS, Raul. Todo mundo explica.
2 MARTÍN, Luis Gracia. Prolegômenos para a luta pela modernização e expansão do direito penal e para a crítica do discurso de resistência. Tradução de Érika Mendes de Carvalho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005. P.127.
“No discurso liberal, as garantias penais, ademais da função discursiva formal e estratégica de encobrir os efeitos materiais reais causados a partir dos dispositivos da face oculta do discurso, têm dimensão múltipla. Para a classe poderosa, são garantias em sentido formal, e materialmente também funcionam como garantias”.
3 OLMO, Rosa del. A América Latina e sua criminologia. Tradução: Francisco Eduardo Pizzolante e Sylvia Moretzsohn. Revan. Rio de Janeiro: 2004. P.78.
4 LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. 1. reimpressão. Tradução: Sebastião José Roque. Ícone Editora. São Paulo: 2010.p.223.
5CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da Libertação. Tradução: Sylvia Moretzohn.Rio de Janeiro: Revan, 2005.P. 48.
“Por seu turno, a reabilitação (ou ressocialização, reeducação, reinserção, readaptação, etc., são centenas os qualificativos similares) constitui o mais refinado instrumento ideológico de dominação. Através desses conceitos, que têm como pressuposto básico a inquestionabilidade dos valores representados no código, ou, ao menos, a presunção de um consenso em torno dos indivíduos de conduta dissonante (delinqüentes) serão forçados a aceitar de novo os valores rejeitados. Forçado no seu nível mais íntimo – e portanto – mais refinadamente violento – o do convencimento, o da aceitação profunda do sistema.”
6 LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. 1. reimpressão. Tradução: Sebastião José Roque. Ícone Editora. São Paulo: 2010. P.51
7 LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. 1. reimpressão. Tradução: Sebastião José Roque. Ícone Editora. São Paulo: 2010.p.51
8 LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. 1. reimpressão. Tradução: Sebastião José Roque. Ícone Editora. São Paulo: 2010.p.61
9 LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. 1. reimpressão. Tradução: Sebastião José Roque. Ícone Editora. São Paulo: 2010.p.62
10LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. 1. reimpressão. Tradução: Sebastião José Roque. Ícone Editora. São Paulo: 2010.p. 113-114
11BARATTA, Alessandro Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. Traduçào Juarez Cirino. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p.40.
12 OLMO, Rosa del. A América Latina e sua criminologia. Tradução: Francisco Eduardo Pizzolante e Sylvia Moretzsohn. Revan. Rio de Janeiro: 2004. P.89.
13ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas- A perda de legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa e Almir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Ravan,1991.P.77.
14PRADO, Daniel Nicory. Autos da Barca do Inferno- O discurso narrativo dos participantes da prisão em flagrante. Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 2010, p.88-89.
Há uma particularidade nas perguntas quanto à pessoa do conduzido, ausente do depoimento das outras personagens: é a questão a respeito dos antecedentes criminais e do consumo de substâncias entorpecentes. (...) Fica claro que o objetivo é aproximá-lo do estereótipo do criminoso, do indivíduo desviante, marginal, que merece a resposta penal não só pelo ato supostamente ilícito pelo qual foi capturado, como, em tese, deveria ocorrer num Estado Democrático, em que vige o Direito Penal do Fato, mas pelo seu modo de vida, numa injustificável, porém ainda presente, reminiscência de uma ideologia fascista de punição do ‘ser’. “
15 BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis-Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan,2003 p.102-103
O artifício da atitude suspeita faz parte do universo dessas medidas. Se estas medidas apontam para a contenção de uma periculosidade difusa, a atitude suspeita aponta para uma seletividade nas práticas da implementação dessas medidas. (...)Analisando a fala dos policiais o que se vê é que a ‘atitude suspeita’ não se relaciona a nenhum ato suspeito, não é o atributo do ‘fazer algo suspeito’ mas sim de ser, pertencer a um determinado grupo social; é isso que desperta suspeitas automáticas. Jovens pobres pardos ou negros estão em atitude suspeita andando na rua, passando num táxi, sentados na grama do Aterro, na Pedra do Leme ou reunidos num campo de futebol”.
16 JAKOBS, Günter. Direito Penal do Inimigo. 2. ed..Organização e Introdução Luiz Moreira e Eugênio Pacelli de Oliveira.Tradução de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.11-12.
As outras inúmeras regulações do Direito Penal permitem deduzir que, quando a expectativa de comportamento pessoal é frustrada de modo duradouro, desvanece a disposição para tratar o criminoso como pessoa.”
17ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas- A perda de legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa e Almir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Ravan,1991.P.129.
“Em nível de conjunturas nacionais, os meios de comunicação de massa têm a função de gerar a ilusão de eficácia do sistema, fazendo com que apenas a ameaça de morte violenta por ladrões ou de violação por quadrilhas integradas por jovens expulsos da produção industrial pela recessão sejam vistos como perigo.”

18 “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta - feira (8) que os representantes de cartéis não têm cara de bandido nem de malandro. "O cidadão que pratica cartel não tem cara de bandido. Você pensa que está diante do maior defensor do livre comércio e de processos abrangentes de licitação. Mas, não está. Alguns eu tive a oportunidade de ver. Eles nunca têm cara de bandido nem de malandro", disse Lula, durante solenidade de comemoração do Dia Nacional do Combate a Cartéis, no Ministério da Justiça.”. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=932164 , acesso em 28 de outubro de 2011.
19 CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da Libertação. Tradução: Sylvia Moretzohn.Rio de Janeiro: Revan, 2005.P.42.
“A criminologia não nasce, como se quis afirmar repetidamente, com a escola positivista. Ao ser controle social- algo que trataremos de demonstrar aqui – devemos reconhecê-la na chamada escola clássica do direito penal, que fez a maior sistematização controladora da ordem de que se tem memória no campo repressivo.”

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Defesa Ampla e Afetiva.

Audiência Criminal, no interior baiano. 


O réu, acusado de tráfico de drogas, responde às perguntas, para qualificá-lo, no interrogatório:

-Estado Civil?
- EMBOLADO.
- Nome de sua companheira: 
- FULANA. 
- E o sobrenome?
- SEI NÃO.
Há quanto tempo convive com ela?
-  5 ANOS.

Seu defensor público, o tenista e craque de futebol, André Maia, ouve a tudo atentamente. Nenhum detalhe dito passa despercebido. Sua tese é minuciosamente preparada. Já sabe o que alegará em cada momento processual. Mas, ao fim da audiência, não perde a oportunidade de usar um argumento extra-autos, para ajudar a firmar o convencimento do julgador.

- Excelência, no caso de uma eventual e improvável condenação, tais declarações do réu devem ser levadas em consideração na dosimetria da pena.

O promotor estranhou e tentou desqualificar o argumento.

- A favor, ou contra ele, doutor?

De pronto, ouviu a resposta.

- Claro que a favor, doutor! Se ele não sabe o nome da companheira é porque, durante os cinco anos desse longo relacionamento, só a chama, carinhosamente, por "meu amor".

Defesa ampla. E Afetiva.


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Acesso à Justiça



O mapa é do Estado da Bahia. Foi posta uma cruz em cada comarca (não é em cada cidade, é em cada comarca) que não tem nenhum Defensor Público.

Sem mais.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Mito da Modernidade. 2. As faces da moeda. Caminho para o Positivismo.


Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
Posts anteriores (para ler, é só clicar):
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!:

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Faces da Moeda. Caminho para o Positivismo2.1. Iluminismo. 2.2. Escola Clássica. 3. Cara de Bandido. O Positivismo. 4. Fábricas de Marginais. Escola de Chicago. 5. Se não Tivesse, não Estaria Aqui. Anomia. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes. 7. Meu Nome não é Johnny. Labeling Aproach7.1. Status Desviante. 7.2. Criação e Imposições de Regras. 8. Execução Penal Brasileira.8.1. De Olhos Fechados. Labeling Aproach e Execução Penal Brasileira. 8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal Brasileira. 8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal Brasileira. 8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal Brasileira. 8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal Brasileira. 9. Conclusão.

  1. AS FACES DA MOEDA. CAMINHO PARA O POSITIVISMO.

“Há um tempo atrás se falava em bandidos. Há um tempo atrás se falava em solução. Há um tempo atrás se falava em progresso. Há um tempo atrás, eu vi na televisão”1.

2.1. Iluminismo

Em distintos períodos históricos, a humanidade valorizou mais ou menos a razão, em detrimento da fé, das tradições e da crença na existência de seres elevados e inferiores. A depender de circunstâncias geográficas, políticas, econômicas ou pessoais, a “razão” questionou ou até mesmo rompeu com a ordem estabelecida. Em outros momentos, o racionalismo foi utilizado para restabelecer aquela velha ordem derrubada, com o mesmo misticismo ou a mesma crença em pessoas naturalmente melhores ou piores.
A história de Henrique VIII é bastante ilustrativa deste fenômeno. Cansado da sua esposa, que não seria apta à procriação, o monarca inglês tenta se divorciar. Seu desejo, todavia, é negado pela igreja católica. Ele pondera que não faz sentido viver atrelado a dogmas e tradições que o desagradam e que não escolheu. Insatisfeito com a irracionalidade de ter que se manter casado com alguém que não quer, rompe com o clero.
O resultado, porém, não é um Estado laico. O chefe da nação mais poderosa do planeta cria uma nova religião, a Anglicana. Eliminada a crença que não controlava, Henrique VIII adotava outra que possuía uma grande virtude: era chefiada por ele mesmo. O problema, portanto, não era de fé ou lógica, mas de domínio político.
O nascimento da criminologia surgiu da demanda por racionalidade nas normas penais e nas punições. Era o período da revolução iluminista2. A burguesia conquistava o poder econômico, embora o poder político ainda fosse da nobreza e do clero. Normas baseadas na afirmação da autoridade real, ou da vontade divina não eram satisfatórias para ela.
A ampla liberdade dos nobres (incluindo os juízes) e da igreja para definir o que é crime, como deve ser o processo e qual deve ser a punição desagradava aos burgueses. O crime precisava de uma resposta racional. A resposta devia atender finalidades lógicas e, para alcançar estas finalidades, impunha-se um método específico e direcionado. Houve consenso quanto à finalidade: a defesa social, ou seja, a ideia de proteger os cidadãos do crime, evitando que este aconteça.
Houve divisão, porém, que marca a disputa pelo pioneirismo da criminologia, na busca das bases do pensamento que apontaria o caminho ideal para a defesa social. Para uns, era necessário seguir a linha da filosofia e assim surgia a Escola Clássica. Para outros, o correto era se apoiar nos métodos empíricos das ciências naturais e assim surgia o positivismo.
Seja qual for a tese aceita, um fato é certo: tanto a escola clássica quanto as escolas positivistas realizam um modelo no qual a ciência jurídica e a concepção geral do homem e da sociedade estão estreitamente ligadas. Ainda que suas respectivas concepções de homens e da sociedade sejam profundamente diferentes, em ambos os casos nos encontramos, salvo exceções, em presença da afirmação de uma ideologia de defesa social, como nó teórico e político fundamental do sistema científico.3

Se tanto a(s) Escola(s) Clássica(s), quanto a(s) Escola(s) Positivista(s) são frutos do Iluminismo4 e possuem a finalidade comum da realização da ideologia de defesa social, seus conceitos e métodos levam a efeitos opostos. Enquanto os clássicos tendem a limitar de algum modo o poder punitivo, os positivistas permitem a sua expansão com contornos inimagináveis.
No projeto dos clássicos, foi possível visualizar a circunscrição do terreno de incidência do controle penal, estabelecendo, pois, importantes limites formais às violências dos aparelhos repressivos do Estado, mas a construção criminológico-positivista fomentaria a expansão ilimitada destes mecanismos punitivos, pulverizando o controle com o objetivo de reforçá-lo.
Não se trataria, portanto, apenas de opção ou requinte metodológico, como constantemente defendem os seguidores de modelos científicos puros e verdadeiros, mas da assunção ideológica de projetos com finalidades díspares, as quais redundam invariavelmente na minimização ou potencialização da(s) violência(s) programada(s).5

2.2. Escola Clássica

No século XVIII, a burguesia, classe em ascensão, era considerada parte do povo. Especialmente após a revolução industrial e a criação dos bancos, seu poder crescia gradativamente. A nobreza e o clero, porém, detinham o controle absoluto sobre os julgamentos. A classe detentora dos recursos econômicos e dona do discurso intelectual e as classes que teriam a possibilidade de utilizar critérios obscuros para definir infrações e reprimendas eram diferentes.
Neste contexto, a Escola Clássica, cujo expoente máximo foi o Marquês de Beccaria, conquistou mais adeptos entre os burgueses que o positivismo. Sua principal obra, Dos Delitos e das Penas, mais do que apresentar ideias originais, sintetizava as preocupações do grupo. “É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”.6
Sentindo-se potencial alvo da persecução penal, os burgueses desejavam uma pena certa, determinada previamente por lei e não fixada pelo desejo despótico do rei7. Queriam ainda, para controlar os legisladores e os julgadores, que as punições fossem racionalmente proporcionais aos delitos8.
As justificativas filosóficas assentavam, principalmente, sobre o contrato social, em que se fundariam todas as relações da sociedade. As pessoas se agrupariam em torno do Estado, abdicando de parte da sua liberdade, por saber que, do contrário, a coexistência selvagem levaria a que umas destruíssem as outras. No entanto, como em qualquer negócio, o objetivo comum é o mínimo de prejuízo possível.
Desse modo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros e mantê-la na posse do restante.9

Ao contrário da doutrina inquisitória medieval que a antecedeu, a Escola Clássica não buscava a punição dos pensamentos criminosos (ou pecaminosos). Apenas os atos concretos poderiam ser motivos de sanção. “Se a intenção fosse punida, seria necessário ter não apenas um Código particular para cada cidadão, mas uma nova lei penal, para cada crime.” 10
Pressupunha que as pessoas eram iguais e racionais, movidas pelo seu livre arbítrio. As penas serviriam para prevenir delitos futuros. Para tanto, bastaria que o mal causado por ela fosse superior aos bens que adviriam do crime, além de que houvesse a certeza da punição. Não havia nada para tratar no apenado. Ele e a sociedade aprenderiam com cada castigo que “o crime não compensa”.
Por fim, a pena certa, proporcional, determinável de uma maneira quase matemática precisaria atingir um bem universalmente precioso. A liberdade era o denominador comum. O numerador, por sua vez, também seria valioso para todos: o tempo11. De outro lado, a expansão do mercado industrial e a necessidade de mão de obra desaconselhavam que os castigos incapacitassem as pessoas para o trabalho. Ao contrário, deveriam ser usados para produzir riquezas12. Assim, abandonavam-se as penas, então, consideradas cruéis e degradantes e consolidava-se como pena por excelência a, hoje, sabidamente cruel e degradante, prisão.


1 SCIENSE, Chico. Nação Zumbi. Banditismo por uma questão de classe.
2 YOUNG, Jock. A sociedade excludente- Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro. Revan: 2002.p.58
3 BARATTA, Alessandro Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito
4 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais,2008, p.84.
Clássicos e positivistas, na realidade, sào distintas faces da moeda iluministas, tese e antítese que não podem superar esta relação dialética de oposição senão quando produzem a síntese.
5 CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2008,p.144.
6 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.107.
7 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.22.
O Juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a conseqüência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for obrigado a elaborar um raciocínio a mais, ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro”.
8 CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da Libertação. Tradução: Sylvia Moretzohn.Rio de Janeiro: Revan, 2005.P.44.
“A legitimação do poder se produz, então, apenas pelo formal e ritual cumprimento das estruturas jurídicas, habilmente elaboradas para garantir os interesses da classe que historicamente emergiu após o feudalismo, isto é, a burguesia”.
9 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.19.
10 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.71.
11 FOUCAULT Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p.104.
12 RUSCHE, Georg e KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. 2. ed.. Tradução de Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.103.
De todas as motivações da nova ênfase no encarceramento como método de punição, a mais importante era o lucro, tanto no sentido estrito de fazer produtiva a própria instituição, quanto no sentido amplo de tornar todo o sistema penal parte do programa mercantilista do Estado. “