Existe uma unanimidade entre os problemas relacionados à justiça, no Brasil: a precariedade das Defensorias Públicas, que não conseguem se espalhar por todo o território nacional. É indiscutível o fato de que a maioria da população pobre não possui, literalmente, defesa alguma. Não tem para quem recorrer, pois não existe nenhum defensor, na sua cidade. Na Bahia, por exemplo, 89% das comarcas estão nesta situação. Mesmo onde existem profissionais, o número é extremamente reduzido e o atendimento, por isto, de difícil acesso.
Defensores públicos, assim como juízes e promotores não nascem em árvores. São selecionados, através de concursos, que necessitam de previsão orçamentária. O pagamento dos seus salários também precisa estar definido no orçamento. É público e notório que os promotores e juízes são melhor remunerados que os defensores. Em alguns estados, recebem mais que o dobro. Entretanto, curiosamente, os mesmos recursos estaduais, quando divididos, permitem entupir as cidades de julgadores e acusadores, que custam mais caro. Só falta dinheiro para contratar quem vai ficar do lado dos pobres, que custa mais barato.
As oposições de momento, sejam de que partido forem, sempre bradam contra esse quadro e denunciam o abandono aos carentes. Os governistas de momento, sejam de que partido forem, lamentam bastante e explicam que não podem fazer nada, em virtude da lei de responsabilidade fiscal (LC 101). É que esta norma fixa o valor máximo que pode ser gasto com pessoal. O do judiciário é de 6%, o do Ministério Público é de 2%. O da defensoria não é especificado. Entra na conta do poder executivo. Na Bahia e na maioria dos estados, na prática, não chega a 0,5%. Assim, eles nunca podem dar mais dinheiro para contratar defensores, pois ultrapassariam o seu limite. Eis o motivo declarado.
Em 19 de novembro, o Congresso Nacional aprovou uma alteração na lei de responsabilidade fiscal, para acabar com esse quadro (PLP 114). Pela nova lei, o limite da defensoria seria de 2%, igual ao limite do Ministério Público. Deste modo, não haveria mais razão para os pobres continuarem sem defesa em quase todo o território nacional. Os governadores poderiam, sem receio, estruturar as defensorias públicas dos seus estados. O povo passaria a ter direito a ter direitos. Seria o fim, definitivo desse mal, reconhecido por unanimidade, lembre-se. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, discursos hipócritas terminam sendo desmascarados.
Um projeto de lei, após ser aprovado, precisa da sanção do(a) presidente, para, finalmente, entrar em vigor. Enquanto defensores comemoravam a aprovação no congresso e davam como certa a sanção, fazendo planos de preenchimento dos os cargos, nos próximos anos, no planalto, o silêncio imperava. Silêncio para fora. Por dentro, governadores, aqueles que lamentavam que a lei de responsabilidade fiscal os impedia de estruturar as defensorias, algo tão necessário e tão aflitivo, falavam e pressionavam ministros e a presidente. Até que conseguiram o que sempre quiseram. O projeto foi vetado ( mensagem 581 de 19 de dezembro de 2012).
Assim, a presidente da república, atendendo a pedidos dos governadores, escancarou a realidade. As defensorias públicas não são estruturadas única e exclusivamente porque os governantes não querem estruturá-las. Não é falta de recursos, pois se fosse, Ministério Público e Judiciário sofreriam o mesmo. Não é impossibilidade por conta da responsabilidade fiscal, pois se fosse, o projeto de lei seria um bálsamo e não algo a ser vetado. A razão, pura e simples, é: os governos não se importam nem um pouco com a população pobre, a não ser na hora das eleições.
As habituais palavras benevolentes de lamento pela situação são mais falsas que notas de 3 reais. E partem do pressuposto de que todos são tão estúpidos para acreditar nelas, que até no veto, a presidente as usa. Nas palavras de Dilma Rousseff, na mensagem de veto 581: " Assim, ainda que meritória a intenção do projeto de valorizar as defensorias públicas, a restrição do limite de gasto do Poder Executivo Estadual ensejaria sérias dificuldades para as finanças subnacionais." Antes, disse que agia assim, porque o projeto de estruturar as defensorias contrariava o interesse público. Faltou apenas esclarecer a que público se referia.
O Corinthians venceu o Chelsea, da Inglaterra, por 1 x 0. Imediatamente (re)surgiram piadas, muito parecidas e conectadas. Uma delas, representativa das demais, trazia a foto de uma cela superlotada e as palavras "Vai Curintia", além da legenda: "Campeão Mundial". Várias pessoas reproduziram esta ou outra semelhante, o que sugere que gostaram. Sugiro tentar decodificar o processo humorístico, para entender do que estão rindo.
A piada tem três informações: a) Os presos são corinthianos; b) os presos (que são corinthianos) falam (ou escrevem) errado; e c) corinthianos presos que não sabem falar são campeões mundiais. Certamente, os detratores da equipe paulista não riem do título mundial. Deste modo, não é aí que está a graça. Restam as duas assertivas anteriores.
Tanto o autor quanto quem ri da piada, obviamente, conhecem corinthianos que não são presidiários, falam e escrevem corretamente. Também é lógico que sabem da existência de torcedores de outras equipes, adequados ao perfil. A chave está no fato de que os alvi-negros são maioria dentre os que apresentam tais características. Nesse ponto, há equivalentes em outros estados, como o Flamengo, no Rio de Janeiro, ou o Bahia, na Bahia.
É bom advertir, porém, que os três clubes citados são maioria também, nas suas respectivas localidades, entre os que não se enquadram naquele perfil. Não, há, entretanto, as gracinhas equivalentes retratando pessoas bem sucedidas e respeitadas socialmente. Há uma escolha de alvo do desprezo e das ridicularizações.
A característica comum entre a maioria dos que são presos e dos que não falam corretamente é a pobreza. A escolha por utilizá-los como recurso humorístico não é casual. São eles que são desprezados, independente dos clubes que apoiam. Por isto, não importa o que os times fazem em campo ou que títulos conquistam. As piadas se repetem porque não falam de jogos. Elas não são fundadas em futebol.
As frases consideradas engraçadas, tirando o véu da superfície, na realidade, são:
a) Você é pobre (hahaha!);
b) Você é analfabeto (hahaha!);
c) Você está preso (hahaha!);
d) Quem é pobre é bandido (hahaha!);
e) Quem é pobre é burro (hahaha!);
f) A maioria da população brasileira é pobre (hahaha!);
g) A maioria da população brasileira é pobre e analfabeta (hahaha!);
h) Se você é pobre vai ter problemas com a polícia (hahaha!).
Não acho nenhuma dessas frases engraçadas. Escondê-las, ou não vê-las, atrás do nome de um time de futebol não as torna engraçadas. São pensamentos idiotas. Merece ser ridicularizado e age de forma burra não é quem é pobre, está preso ou não sabe ler, mas sim quem reproduz esse discurso. Se você estava rindo, tem agora duas opções: ficar com raiva de mim, ou refletir no que faz. A escolha é sua.
Sempre existiu e sempre existirá, no mundo, a dúvida sobre a paternidade. Também sempre existiram pais que se recusam a reconhecer os seus filhos. Assim, é natural que pessoas cheguem ao poder judiciário, solicitando uma investigação, para determinar se alguém é ou não o pai de certa pessoa. Como deve ser feita a contestação, a primeira peça de defesa, nesses casos. Eu diria que há três modelos básicos. Vejam:
a) Contestação Padrão - Machista, Eu????
" A peça vestibular é eivada de inverdades e maledicências, refletindo a postura indecorosa e sem princípios da representante do autor. O réu jamais foi namorado, ou possuiu qualquer relação duradoura com aquela mulher. Apenas a conheceu em ocasião festiva, na qual ela lançou seus encantos de sedução aos quais ele, bravamente, resistiu.
Nem poderia, alíás, o réu praticar conjunções carnais com a representante do autor, uma vez que é pessoa cristã, bem casada e fiel cumpridor dos seus deveres familiares. É apenas a vítima das artimanhas de uma mulher gananciosa e diabólica, verdadeira erva venenosa, descendente de Lilith e, provavelmente, da própria serpente, irresponsavelmente, tentando destruir a reputação ilibada de um homem de bem.
É cediço no bairro que a representante do autor é pessoa de vida fácil, dada aos prazeres carnais e à bebida. Gosta de dançar e frequentar bares, além de trajar roupas que ofendem a moral e os costumes familiares, como anéis, pulseiras e saias. É impossível quantificar quantos parceiros sexuais, com o perdão da má-palavra, ela possui por semana. O réu, inclusive foi alertado por amigos que, na mesma noite em que quase foi seduzido, ela conhecera, no sentido bíblico, outros rapazes incautos.
Desta forma, data venia, o réu nega todo o alegado na exordial, por se tratar das mais deslavadas mentiras, além de requerer a condenação do autor, por litigância de má-fé".
b) Contestação de um Defensor ou Advogado sério- Abaixo Márcia Goldsmith!
" O réu não reconhece a paternidade, não identifica e não apresenta o autor como filho. Entretanto, tendo em vista os avanços da ciência, não há razão para discutir minucias de como se dera o seu alegado relacionamento com a representante dele.
Requer, portanto, a produção de prova pericial,através de exame de DNA e a improcedência dos pedidos iniciais".
c) Contestação, se você for Michael Jackson- Quem fizer a coreografia na sala de audiência, merece vencer a causa.
"Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito.
O Cara Que Não é o Único, brasileiro, solteiro, músico, por intermédio do seu procurador, vem, respeitosamente, apresentar a Contestação da ação movida pelo Garoto Que Não é Meu Filho, representado por sua mãe Billie Jean, já qualificados nos autos, pelos motivos de fato e de direito que seguem.
"Jantei triste. Não era a falta do relógio que me pungia, era a imagem do autor do furto, e as reminiscências de criança, e outra vez a comparação, e a conclusão... Desde a sopa, começou a abrir em mim a flor amarela e mórbida do capítulo XXV, e então jantei depressa, para correr à casa de Virgília. Virgília era o presente; eu queria refugiar-me nele, para escapar às opressões do passado, porque o encontro do Quincas Borba, tornara-me aos olhos o passado, não qual fora deveras, mas um passado roto, abjeto, mendigo e gatuno.
Saí de casa, mas era cedo; iria achá-los à mesa. Outra vez pensei no Quincas Borba, e tive então um desejo de tornar ao Passeio Público, a ver se o achava; a idéia de o regenerar surgiu-me como uma forte necessidade. Fui; mas já não o achei. Indaguei do guarda; disse-me que efetivamente esse sujeito ia por ali às vezes.
— A que horas?
— Não tem hora certa.
Não era impossível encontrá-lo noutra ocasião; prometi a mim mesmo lá voltar. A necessidade de o regenerar, de o trazer ao trabalho e ao respeito de sua pessoa enchia-me o coração; eu começava a sentir um bem-estar, uma elevação, uma admiração de mim próprio... Nisto caía a noite; fui ter com Virgília".
Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas, capítulo LXI. Disponível em http://pt.wikisource.org/wiki/Mem%C3%B3rias_P%C3%B3stumas_de_Br%C3%A1s_Cubas/LXI
"Veja-nos agora o leitor, oito dias depois da morte de meu pai, — minha irmã sentada num sofá, — pouco adiante, Cotrim, de pé, encostado a um consolo, com os braços cruzados e a morder o bigode, — eu a passear de um lado para outro, com os olhos no chão. Luto pesado. Profundo silêncio.
— Mas afinal, disse Cotrim; esta casa pouco mais pode valer de trinta contos; demos que valha trinta e cinco...
— Vale cinquenta, ponderei; Sabina sabe que custou cinquenta e oito...
— Podia custar até sessenta, tornou Cotrim; mas não se segue que os valesse, e menos ainda que os valha hoje. Você sabe que as casas, aqui há anos, baixaram muito. Olhe, se esta vale os cinquenta contos, quantos não vale a que você deseja para si, a do Campo?
— Não fale nisso! Uma casa velha.
— Velha! exclamou Sabina, levantando as mãos ao teto.
— Parece-lhe nova, aposto?
— Ora, mano, deixe-se dessas coisas, disse Sabina, erguendo-se do sofá; podemos arranjar tudo em boa amizade, e com lisura. Por exemplo, Cotrim não aceita os pretos, quer só o boleeiro de papai e o Paulo...
— O boleeiro não, acudi eu; fico com a sege e não hei de ir comprar outro.
— Bem; fico com o Paulo e o Prudêncio.
— O Prudêncio está livre.
— Livre?
— Há dois anos.
— Livre? Como seu pai arranjava estas coisas cá por casa, sem dar parte a ninguém! Está direito. Quanto à prata... creio que não libertou a prata?
Tínhamos falado na prata, a velha prataria do tempo de D. José I, a porção mais grave da herança, já pelo lavor, já pela vetustez, já pela origem da propriedade; dizia meu pai que o Conde da Cunha, quando vice-rei do Brasil, a dera de presente a meu bisavô Luís Cubas.
— Quanto à prata, continuou Cotrim, eu não faria questão nenhuma, se não fosse o desejo que sua irmã tem de ficar com ela; e acho-lhe razão. Sabina é casada, e precisa de uma copa digna, apresentável. Você é solteiro, não recebe, não...
— Mas posso casar.
— Para quê? interrompeu Sabina.
Era tão sublime esta pergunta, que por alguns instantes me fez esquecer os interesses. Sorri; peguei na mão de Sabina, bati-lhe levemente na palma, tudo isso com tão boa sombra, que o Cotrim interpretou o gesto como de aquiescência, e agradeceu-mo.
— Que é lá? redargui; não cedi coisa nenhuma, nem cedo.
— Nem cede?
Abanei a cabeça.
— Deixa, Cotrim, disse minha irmã ao marido; vê se ele quer ficar também com a nossa roupa do corpo; é só o que falta.
— Não falta mais nada. Quer a sege, quer o boleeiro, quer a prata, quer tudo. Olhe, é muito mais sumário citar-nos a juízo e provar com testemunhas que Sabina não é sua irmã, que eu não sou seu cunhado e que Deus não é Deus. Faça isto, e não perde nada, nem uma colherinha. Ora, meu amigo, outro ofício!
Estava tão agastado, e eu não menos, que entendi oferecer um meio de conciliação; dividir a prata. Riu-se e perguntou-me a quem caberia o bule e a quem o açucareiro; e depois desta pergunta, declarou que teríamos tempo de liquidar a pretensão, quando menos em juízo. Entretanto, Sabina fora até à janela que dava para a chácara, — e depois de um instante, voltou, e propôs ceder o Paulo e outro preto, com a condição de ficar com a prata; eu ia dizer que não me convinha, mas Cotrim adiantou-se e disse a mesma coisa.
— Isso nunca! não faço esmolas! disse ele.
Jantamos tristes. Meu tio cônego apareceu à sobremesa, e ainda presenciou uma pequena altercação.
— Meus filhos, disse ele, lembrem-se que meu irmão deixou um pão bem grande para ser repartido por todos.
Mas Cotrim:
— Creio, creio. A questão, porém, não é de pão, é de manteiga. Pão seco é que eu não engulo.
Fizeram-se finalmente as partilhas, mas nós estávamos brigados. E digo-lhes que, ainda assim, custou-me muito a brigar com Sabina. Éramos tão amigos! Jogos pueris, fúrias de criança, risos e tristezas da idade adulta, dividimos muita vez esse pão da alegria e da miséria, irmãmente, como bons irmãos que éramos. Mas estávamos brigados. Tal qual a beleza de Marcela, que se esvaiu com as bexigas."
Machado de Assis. Memórias Póstumas de Brás Cubas, Capítulo XLVI (Disponível em http://pt.wikisource.org/wiki/Mem%C3%B3rias_P%C3%B3stumas_de_Br%C3%A1s_Cubas/XLVI)
A temporada do futebol vai chegando ao fim. Como todos os anos, jogadores alternam boas e más fases. Craques surgem e desaparecem. Mas, um atleta chama a atenção de forma especial, em razão da intensidade com que é odiado, inversamente proporcional à sua habilidade e inteligência.Trata-se do jogador mais talentoso que o mundo conheceu, após Maradona: Ronaldinho, o Gaúcho. Poucos percebem, mas as razões da repulsa estão entranhadas no fato de ele, provavelmente de forma inconsciente, rebelar-se contra alguns dos paradigmas da nossa sociedade.
No filme "Troia", Ulisses convence Aquiles a participar de uma guerra, explicando que seria travada a maior batalha de todos os tempos e que a sua fama seria eternizada, caso aceitasse. Trata-se de um valor muito caro nos nossos dias: a fama, o reconhecimento de ser o melhor. Pelé, até hoje, reage com raiva, sempre que se insinua que alguém poderá superá-lo. Ronaldinho, por sua vez, achou que não valia a pena treinar tanto e fazer tantos sacrifícios, apenas para ser o novo Maradona. Em tempos de facebook e youtube, ele possuía chances, mas não quis nem tentar ser reconhecido como o melhor de todos os tempos. Isto irrita, porque é considerado um desperdício. É difícil entender que alguém prefira levar uma vida prazerosa à ter a fama eterna de Aquiles.
O ódio ao Gaúcho, entretanto, é bem mais antigo. Vem de quando ele ainda era garoto e forçou a saída do Grêmio, clube que o formou. Isto foi considerado uma traição. O problema se agravou quando, após anos na Europa, ele voltou ao Brasil, fazendo uma espécie de leilão, para ver quem pagaria mais. Flamengo, Palmeiras e, novamente, o Grêmio, a cada dia anunciavam que estava tudo certo para contratá-lo e se surpreendiam com os anúncios alheios. No fim, ele escolheu o Flamengo, que propôs salários compatíveis para o melhor jogador do mundo (o que ele já não era, nem queria ser), frustrando, principalmente, o time de Porto Alegre que, de tão confiante, preparara uma festa e se sentiu enganado outra vez.
Este problema deriva da falta de compreensão de que a relação entre um jogador e um clube não é de carinho, amizade e muito menos amor. É de trabalho. Como o torcedor se identifica e se sente dono do time, costuma analisar as coisas pelo lado do patrão. Assim, repetimos que o Grêmio deu tudo a ele, que o jogador deveria mostrar gratidão. Porém, os clubes não dão nada a ninguém. Eles investem nos jogadores. O que o Grêmio, o Bahia ou o Sport Recife deixam para os 90% dos seus atletas de divisão base que não vingam entre os profissionais? Que apoio ou formação existe? Nenhuma, óbvio. Não há choro, pena, ou solidariedade. Existe apenas a demissão, sem notícia ou pesar. A exigência de gratidão é unilateral.
Quando temos várias opções de emprego, tentamos escolher o mais atrativo para nós, aquele que vai nos pagar melhor e oferecer melhores condições de trabalho ou perspectivas de crescimento. Se o empregador deixa de pagar, procuramos saber quais são os nossos direitos e, se for vantajoso, vamos embora e o processamos. Foi aquela a atitude de Ronaldinho, quando vários clubes queriam contratá-lo. Foi esta a atitude dele, quando o Flamengo deixou de pagá-lo. Mas, o público pensa que é o dono do time e, para o empresário, o grevista sempre é o vilão, desagregador e indisciplinado.
O homem que sempre está rindo, que comemorava os gols homenageando os garotos surdos, para quem o aplauso é feito com as mãos chacoalhando em "hang loose", não deveria ser chamado de pilantra ou canalha, por quem nem sequer o conhece pessoalmente. Talvez, precisássemos de mais gente para demonstrar que a vida não é só uma busca desenfreada pela fama, pela competição individual e pela aprovação dos patrões. O malandro contemporâneo tem aparato de malandro oficial, contrato, gravata, capital e nunca se dá mal. Se for possível pensar nisto, vendo alguns golaços, desde que não sejam contra o Bahia, evidentemente, melhor ainda.
Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!
8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal
Brasileira.
Para Lombroso e os seus seguidores, a sanção deveria ser um
tratamento médico, psicológico e social, visando à cura do crime.
Os presos deviam ser separados e a pena medida de acordo com a sua
personalidade e a sua periculosidade. Seriam necessárias, então,
diversas avaliações, para verificar as respostas aos métodos de
cura, determinando a quantidade e a intensidade do castigo.
Se a influência das outras escolas foi mínima, ou teve aplicação
distorcida, o mesmo não se pode dizer do positivismo. É evidente,
porém, que após o fortalecimento dos direitos humanos e,
principalmente, dos movimentos de minorias, como os índios, negros e
as mulheres, o discurso precisava ser temperado1.
Não era mais possível falar em seres atávicos. Ainda assim, o
objetivo primordial da pena, segundo a motivação dos proponentes, é
o tratamento, como se vê na exposição de motivos da LEP, por
exemplo, nos itens 072,
37 e 393.
37. Trata-se, portanto, de
individualizar a observação como meio prático de identificar o
tratamento penal adequado, em contraste com a perspectiva
massificante e segregadora, responsável pela avaliação feita
“através das
grades: ‘olhando’ para um delinqüente por fora de sua natureza e
distante de sua condição humana”.4
A expressão é repetida na lei de execuções penais, quando fala
que na guia de recolhimento, documento indispensável à abertura do
processo executivo, devem estar presentes todas as peças do processo
de conhecimento indispensáveis para o adequado tratamento
penitenciário5.
Os exames de personalidade6
para classificar os presos são obrigatórios7.
Assim, como fez Lombroso, são apresentados como modo de humanizar a
pena8.
Da classificação, devem participar médicos psiquiatras e
psicólogos9,
além de “chefes de serviço” e assistentes sociais. A presença
dos profissionais de saúde, ao lado dos de segurança evidencia a
busca de uma causa etiológica interna para a prática do delito.
Sabe-se que os mais perversos
modelos de controle social punitivo são aqueles que fundem o
discurso do direito com o discurso da psiquiatria, ou seja, que
regridem aos modelos positivistas de coalizão conceitual do jurídico
com a criminologia naturalista. O sonho da medição da
periculosidade, forjado no interior do paradigma criminológico
positivista (etiológico), encontra guarida nesse sistema. Assim,
retomando conceitos como propensão
ao delito, causas da
delinqüência e personalidade voltada para o crime, o discurso
etiológico se reproduzia, condicionando o ato judicial ao exame
clínico-criminológico – “psicólogos, psiquiatras, pedagogos,
médicos e assistentes sociais trabalham em seus pareceres, estudos
de caso e diagnósticos, da maneira mais acrítica, com as mesmas
categorias utilizadas na introdução das idéias de Lombroso no
Brasil”.10
Mas não é só no início do processo que avaliações etiológicas
estão presentes. Para obter livramentos condicionais e progressões
de regime não é raro que o preso necessite se submeter a avaliações
psicológicas destinadas a apontar se está preparado para receber
alguma parcela da liberdade11.
A exposição de motivos deixa clara a finalidade de estudar a
inteligência (os criminosos, para Lombroso, são selvagens), a vida
afetiva (os criminosos, para Lombroso, são desprovidos de
sentimentos e depravados) e os princípios morais (os criminosos,
para Lombroso, são degenerados).
31. A gravidade do fato
delituoso ou as condições pessoais do agente, determinante da
execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que
se orientará no sentido de conhecer a inteligência, a vida afetiva
e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no
grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena.12
. Embora e LEP tente diferenciar exames de personalidade de exames
criminológicos, eles são solicitados pelo Ministério Público e
determinados pelos magistrados, indistintamente, como exames
criminológicos, avaliações psicológicas ou avaliações
psico-sociais. Para quem tem dúvidas quanto à natureza positivista,
basta ver na exposição de motivos a referência direta. O exame
criminológico, declaradamente, atende aos reclames dos “pioneiros
da criminologia”. O pioneiro que pretendia estudar a inteligência,
os valores morais e a vida afetiva do preso, tem nome e sobrenome,
por mais que isto envergonhe e ofenda alguns juristas. Chama-se
Cesare Lombroso.
34.
O Projeto distingue o exame criminológico do exame da personalidade
como a espécie do gênero. O
primeiro parte do binômio delito-delinqüente, numa interação de
causa e efeito, tendo como objetivo a investigação médica,
psicológica e social, como o reclamavam os pioneiros da
Criminologia. O
segundo consiste no inquérito sobre o agente para além do crime
cometido. Constitui tarefa exigida em todo o curso do procedimento
criminal e não apenas elemento característico da execução da pena
ou da medida de segurança. Diferem também quanto ao método esses
dois tipos de análise, sendo o exame de personalidade submetido a
esquemas técnicos de maior profundidade nos campos morfológico,
funcional e psíquico, como recomendam os mais prestigiados
especialistas, entre eles DI TULLIO (Principi
di criminologia generale e clínica.
Roma: V. Ed., p.
213 e ss.).
35. O exame criminológico e o
dossiê de personalidade constituem pontos de conexão necessários
entre a Criminologia e o Direito Penal, particularmente sob as
perspectivas de causalidade e da prevenção do delito.13
Para a progressão ao regime aberto, além de exigir que o preso
esteja trabalhando, ou comprove a possibilidade de fazê-lo
imediatamente (como espécie de prova de que está regenerado), a LEP
determina que ele apresente “pelos seus antecedentes ou pelo
resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que
irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade,
ao novo regime”.14
Tratam-se, entretanto, de exigências tão flagrantemente
inconstitucionais que poucos as aplicam.
Outra inconstitucionalidade gritante relacionada à matéria, mas
quase não reconhecida pelos julgadores, está na definição dos
requisitos para o livramento condicional, feitas pelo código penal.
Demanda-se a comprovação de condições pessoais que façam
presumir que não voltará a delinquir15.
Exatamente como desejavam os positivistas, as condições pessoais
afastam a presunção de inocência e inauguram a presunção de
culpa prévia dos selvagens que não responderam bem ao tratamento.
Saliente-se que lei posterior afastou a exigência dessas
avaliações16,
modificando o artigo 112 da LEP e estabelecendo como requisitos para
a progressão de regime apenas a boa conduta e o tempo17.
Isto não foi, contudo, suficiente para afastá-las da prática
cotidiana, pois contra os considerados inimigos e perigosos a
legalidade e as regras sobre os conflitos de normas no tempo são
relativizadas18.
Os exames são realizados por psicólogos. Curiosamente, a sua
instância máxima afirma incessantemente que eles não devem ser
realizados. O Conselho Federal de Psicologia apresentou moção de
repúdio às avaliações criminológicas, justamente porque
amparadas em traços pessoalizados e baseados em busca de
periculosidade, que as tornariam violadoras dos Direitos Humanos. 19
A resposta dos juristas foi ignorá-lo e editar súmula vinculante
defendendo a sua prática20.
O Conselho Federal de Psicologia, então, editou resolução 09/2010,
em que considerava a prática daquelas avaliações como violação
da ética profissional21.
Psicólogos passaram a se recusar a fazer os laudos. A resposta dos
juristas não foi refletir se os exames teriam valor técnico ou
ético. Desta vez, também não se limitaram a ignorá-los.
Simplesmente, começaram a ameaçar os psicólogos de prisão por
desobediência e constrangeram o CFP a suspender e posteriormente
revogar aquela resolução22.
Parece que o apego ao que Lombroso propôs como revolução
científica tem mais relação com a fé e a conveniência que com a
ciência.
A teoria psicanalítica, assim
como qualquer outra teoria psicológica que conheçamos, não nos
autoriza a fazer previsões sobre o comportamento ou sobre a saúde
ou a doença. Através da reconstrução do passado, tal como ele
ficou inscrito na memória e nas vivências peculiares de alguém,
pode-se lançar alguma luz sobre a natureza de seus conflitos atuais.
A psicanálise é sempre retrospectiva. O passado para elucidar o
presente. E o futuro continua pertencendo a Deus...23
A persistência e a força dos conceitos de periculosidade e
personalidade criminosa são também bastante utilizadas para
preencher os vazios das expressões vagas que descrevem faltas e
deveres dos presos. Presume-se o erro de quem aparenta ser perigoso.
Deste modo, como desejavam os positivistas, é a resposta ao
tratamento que determina se uma pessoa pode ou não passar de um
regime mais grave para um mais brando. É a resposta ao tratamento
que determina se uma pessoa pode alcançar a liberdade condicional,
deixando o cárcere. Caso persistam problemas de personalidade, caso
não tenha se provado a ressocialização, caso não tenha havido a
cura, os métodos são aplicados por mais tempo, ou com mais rigor.
Não há dúvidas, Lombroso venceu.
Embora seja possível vislumbrar traços de todas as teorias
estudadas aqui, na Lei de Execução Penal, é com o positivismo que
ela demonstra maior sintonia. Em relação às outras, além de mais
escassa a formalização de suas ideias, os seus efeitos colaterais,
especialmente referentes à criminalização da pobreza, são muito
mais presentes que as suas essências.
A LEP, de fato, não é respeitada em alguns pontos pelos poderes
judiciário e executivo. É correto dizer, neste sentido, que ela não
vale nada. Mas, ainda que fosse integralmente cumprida, reproduziria
um modelo elitista, médico, etiológico. Para quem não concorda com
as teses lombrosianas, ela continuaria a não valer nada, mas agora
no sentido de que é nociva e atrasada.
Mais importante que clamar pelo respeito à LEP é pedir o respeito à
Constituição Federal, como limitadora da punição e controladora
da própria lei 7210/84. Além disto, é necessário buscar a
desconstrução dos mitos que giram em torno dela, como o do seu
caráter avançado e humano. Talvez a consciência da ideologia penal
vigorante no Brasil, com todas as consequências racistas e
opressoras que a acompanham, permita uma postura de enfrentamento
real do nosso sanguinário sistema penal.
1ZAFFARONI,
Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas- A perda de
legitimidade do sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa e
Almir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Ravan,1991.P.43.
“Desde o final da última guerra mundial- e apesar dos tardios
surtos racistas, como o boliviano e alguns outros – o discurso
criminológico moderou suas expressões abertamente racistas,
mantendo-se numa linha “etiológica” que, apesar de
pretensamente mais “científica”, não oculta, de forma alguma
da sua raiz positivista e periculosista.”
2Mensagem 242 de 1983 (Do Poder Executivo).
Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal.
“7. Foi essa a posição que sustentamos no Relatório da
Comissão Parlamentar de inquérito instituída em 1975 na Câmara
dos Deputados para apurar a situação penitenciária do País.
Acentuávamos, ali, que a doutrina evoluíra no sentido da
constitucionalidade de um diploma federal regulador da execução,
alijando, assim, argumentos impugnadores da iniciativa da União
para legislar sobre as regras jurídicas fundamentais do regime
penitenciário. Com efeito, se a etapa de cumprimento das penas ou
medidas de segurança não se dissocia do Direito Penal, sendo, ao
contrário, o esteio central de seu sistema, não há como sustentar
a idéia de um Código Penal unitário e leis de regulamentos
regionais de execução penal. Uma lei específica e abrangente
atenderá a todos os problemas relacionados com a execução penal,
equacionando matérias pertinentes aos organismos administrativos, à
intervenção jurisdicional e, sobretudo, ao tratamento penal em
suas diversas fases e estágios, demarcando, assim, os limites
penais de segurança. Retirará, em suma, a execução penal do
hiato de legalidade em que se encontra (Diário do Congresso
Nacional, Suplemento ao n. 61, de 04.06.1976, p. 9).”
3Mensagem 242 de 1983 (Do Poder Executivo).
Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal
“39. No Relatório da CPI do Sistema Penitenciário acentuamos
que “a ação educativa individualizada ou a individualização
da pena sobre a personalidade, requisito inafastável para a
eficiência do tratamento penal, é obstaculizada na quase
totalidade do sistema penitenciário brasileiro pela superlotação
carcerária, que impede a classificação dos prisioneiros em grupo
e sua conseqüente distribuição por estabelecimentos distintos,
onde se concretize o tratamento adequado”... “Tem, pois,
esta singularidade o que entre nós se denomina sistema
penitenciário: constitui-se de uma rede de prisões destinadas ao
confinamento do recluso, caracterizadas pela ausência de qualquer
tipo de tratamento penal e penitenciárias entre as quais há
esforços sistematizados no sentido da reeducação do delinqüente.
Singularidade, esta, vincada por característica extremamente
discriminatória: a minoria ínfima da população carcerária,
recolhida a instituições penitenciárias, tem assistência
clínica, psiquiátrica e psicológica nas diversas fases da
execução da pena, tem cela individual, trabalho e estudo, pratica
esportes e tem recreação. A grande maioria, porém, vive confinada
em celas, sem trabalho, sem estudos, sem qualquer assistência no
sentido da ressocialização” (Diário do Congresso
Nacional, Suplemento ao n. 61, de 04.06.1976, p. 2).”
4Mensagem
242 de 1983 (Do Poder Executivo). Exposição de Motivos da Lei de
Execução Penal.
Art. 106. A guia de recolhimento, extraída pelo
escrivão, que a rubricará em todas as folhas e a assinará com o
Juiz, será remetida à autoridade administrativa incumbida da
execução e conterá:
I - o nome do condenado;
II - a sua qualificação civil e o número do
registro geral no órgão oficial de identificação;
III - o inteiro teor da denúncia e da sentença
condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado;
IV - a informação sobre os antecedentes e o grau de
instrução;
V - a data da terminação da pena;
VI - outras peças do processo
reputadas indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário
6BARATTA,
Alessandro Criminologia Crítica e Crítica do Direito
Penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução
Juarez Cirino. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p.39.
“O desenvolvimento da escola positiva levará, portanto, através
de Grispigni, a acentuar as características do delito como elemento
sintomático da personalidade do autor, dirigindo-se sobre tal
elemento a pesquisa para o tratamento adequado.”
Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo
os seus antecedentes e personalidade,
para orientar a individualização da execução penal.
8
Mensagem 242 de 1983 (Do Poder Executivo). Exposição
de Motivos da Lei de Execução Penal
“26.
A classificação dos condenados é requisito fundamental para
demarcar o início da execução científica das penas privativas da
liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a
efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a
classificação é o desdobramento lógico do princípio da
personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias
constitucionais. A exigência dogmática da proporcionalidade da
pena está igualmente atendida no processo de classificação, de
modo que a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e
analisado o fato cometido, corresponda o tratamento penitenciário
adequado.
27. Reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização
da pena, com todas as proclamações otimistas sobre a recuperação
social, se não for efetuado o exame de personalidade no início da
execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal, e
se não forem registradas as mutações de comportamento ocorridas
no itinerário da execução.”
Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação,
existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e
composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um)
psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se
tratar de condenado à pena privativa de liberdade.
10 CARVALHO, Salo de. O
(Novo) Papel dos “Criminólogos” na Execução Penal: As
Alterações Estabelecidas pela Lei 10792/2003.
In Crítica à Execução Penal. 2.ed. CARVALHO, Salo de (coord.).
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. P.162.
11 FOUCAUT, Michel. Vigiar
e Punir: nascimento da prisão.
Tradução Rachel Ramalhete. 36 ed.Petrópolis: Vozes, 2009.P.23.
“O laudo Psquiátrico, mas de maneira mais geral a antropologia
criminal e o discurso repisante da criminologia, encontram aí uma
de suas funções precisas: introduzindo solenemente as infrações
no campo dos objetos susceptíveis de um conhecimento científico,
dar aos mecanismos da punição legal um poder justificável não
mais simplesmente sobre as infrações, mas sobre aquilo que eles
são, serão, ou possam ser.”
12
Mensagem 242 de 1983 (Do Poder Executivo). Exposição de Motivos da
Lei de Execução Penal
13
Mensagem 242 de 1983 (Do Poder Executivo). Exposição de Motivos da
Lei de Execução Penal
Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto
o condenado que:
I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade
de fazê-lo imediatamente;
II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos
exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá
ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao
novo regime.
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento
condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou
superior a 2 (dois) anos, desde que: (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - comprovado comportamento satisfatório durante a
execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído
e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho
honesto; (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos
de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado
não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (Incluído
pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso,
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do
livramento ficará também subordinada à constatação de condições
pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a
delinqüir. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 112. A pena privativa de liberdade será
executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
(Redação
dada pela Lei nº 10.792, de 2003)
§ 2o
Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento
condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos
previstos nas normas vigentes. (Incluído
pela Lei nº 10.792, de 2003)
18KARAM, Maria Lúcia. Disciplina
do Livramento Condicional no Ordenamento Jurídico-Penal Brasileiro
e Violações a Direitos Fundamentais.
In Execução Penal. Constatações, Críticas, Alternativas e
Utopias. MARCHI JUNIOR, Antonio de Padova e PINTO, Felipe Martins
(COORD). Curitiba: Juruá, 2008. P.172.
“A insistência da jurisprudência dominante em
considerar a progressão ao livramento condicional a uma
discricionária decisão do juiz sobre a realização de “um exame
criminológico”, que não só agora está ausente da lei, mas cuja
anterior previsão foi afastada pela lei nova, é assustador exemplo
de total descompromisso com os postulados do Estado de direito
democrático, de total descompromisso com o primado dos princípios
e normas garantidores de direitos fundamentais assentados nas
declarações universais de direitos e na Constituição Federal
brasileira, como, de resto, em todas as Constituições
democráticas.”
“Seu uso reifica discursos que
sustentam a compreensão do conflito a partir de uma suposta
natureza perigosa amparada em traços pessoalizados e não a partir
de uma relação dialética entre indivíduo e produções
sócio-históricas. A prática do exame criminológico tem reduzido
as possibilidades de atuação dos profissionais que atuam na área
das assistências previstas nas legislações brasileiras referentes
à população carcerária, ferindo em muitas ocasiões os direitos
humanos e impedindo tais profissionais de atender às reais
necessidades das pessoas presas na perspectiva de sua reintegração
social.”
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de
pena por crimehediondo, ou equiparado, o juízo da execução
observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de
25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado
preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do
benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado,
a realização de exame criminológico.”
“Art. 4º.Em
relação à elaboração de documentos escritos:
Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n°
10.792/2003 (que alterou a Lei n° 7.210/1984), é vedado ao
psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame
criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam
práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento
escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar
decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado;
O
psicólogo, respaldado pela Lei n° 10792/2003, em sua atividade no
sistema prisional somente deverá realizar atividades avaliativas
com vistas à individualização da pena quando do ingresso do
apenado no sistema prisional. Quando houver determinação
judicial, o psicólogo deve explicitar os limites éticos de sua
atuação ao juízo e poderá elaborar uma declaração conforme o
Parágrafo Único.
Parágrafo Único. A declaração é um documento
objetivo, informativo e resumido, com foco na análise contextual da
situação vivenciada pelo sujeito na instituição e nos projetos
terapêuticos por ele experienciados durante a execução da pena.
Art. 5º.Na atuação com outros segmentos ou áreas,
o psicólogo deverá:
Visar à reconstrução de laços comunitários,
sociais e familiares no atendimento a egressos e familiares
daqueles que ainda estão em privação de liberdade;
Atentar
para os limites que se impõem à realização de atendimentos a
colegas de trabalho, sendo seu dever apontar a incompatibilidade de
papéis ao ser convocado a assumir tal responsabilidade.
Art. 6º. Toda e qualquer
atividade psicológica no sistema prisional deverá seguir os itens
determinados nesta resolução.
Parágrafo Único – A não observância da presente
norma constitui falta ético-disciplinar, passível de capitulação
nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de
Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que
possam ser arguidos.”
Em meio a um congresso de Direito, um médico aparece para palestrar. Aparentemente, ele achou que falava para estudantes e profissionais de medicina, acostumados a ver sangue, fraturas expostas, tripas, intestinos, em fim, o nosso corpo por dentro. Juristas não são treinados para isto.
Nas faculdades e na prática do direito, tenta-se ver o mundo com base na ficção da ordem absoluta. Tudo está no se belíssimo local. Quem desafia esta ordem é considerado um tumor malígno a ser extirpado ou, no mínimo, um órgão defeituoso a ser corrigido, com base em alguns antibióticos, cheios de efeitos colaterais.
As ações que se pretendem curativas, porém, são feitas sem olhar e sem chegar perto do suposto paciente. São cirurgias feitas, apenas no papel, sem ver o corpo por dentro, sem sentir o odor, sem se aproximar de ossos quebrados. É algo mágico, infantil. Acredita-se que basta falar ou escrever as palavras mágicas e tudo mudou. Abracadabra, sinsalabim, o STF disse, então, é assim!
O médico explicava o procedimento para mudança de sexo e mostrava fotos sem censura: A pele da bolsa escrotal vira vagina, após vários cortes. Um pedaço de um braço vira pênis. A produção de alguns hormônios é inibida. Outros precisam ser fornecidos. Acrescentam-se peitos a uns, retiram-se peitos de outros. A plateia não consegue segurar as expressões de nojo. Arghhhh... Uuuuhhhh... Eca....
Mesmo com náuseas, todos veem o quanto a ciência avançou, para fazer as pessoas viverem bem com os seus corpos e as suas sexualidades. É extremamente doloroso o procedimento, mas é possível. São operações que parecem cenas ficções científicas. O acúmulo de sabe-se lá quantas horas de estudos e pesquisas permitiu este progresso maravilhoso, para fazer pessoas felizes.
Então, o médico diz que há ainda alguns problemas. Evidentemente, uma intervenção tão complexa no corpo humano não deixaria de ter obstáculos. Imaginávamos que tipos de doenças terríveis surgiriam, que decomposições apareceriam. Até que ele passou o slide. No topo da lista dos problemas das pessoas que se submeteram a esta maratona de modificações, após anos de intenso sofrimento e angústia, aparece o seguinte:
IDENTIFICAÇÃO CIVIL.
Subitamente, veio a incontrolável vontade de vomitar.
Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!
8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal
Brasileira.
As teorias das subculturas, em síntese, falam de grupos menores que,
sem desprezar os objetivos culturais da sociedade mais ampla,
estabelecem metas diferentes, que admitem como legítimos meios
rechaçados pelos demais. Descrevem também a distribuição
diferencial não só dos meios legítimos, mas também dos ilegítimos
e ainda falam das associações diferenciais que propiciam o
aprendizado de condutas ilícitas.
Novamente, o nosso modelo punitivo baseado na prisão, é
incompatível com essas assertivas. Com a segregação, desaparece
qualquer opção à criação de laços sociais entre os segregados,
que além de se encontrarem na mesma situação, possuem um inimigo
comum: o Estado que os pune. Nesta micro-sociedade, a sociedade dos
cativos1,
surgirão novas regras internas, novos valores.
De fato, como pode pretender a
prisão ressocializar o criminoso quando ela o isola do convívio com
a sociedade e o incapacita, por esta forma, para as práticas de
sociabilidade? Como pode pretender reintegrá-lo ao convívio social
quando é a própria prisão que o impele para a “sociedade dos
cativos”, onde a prática do crime valoriza o indivíduo e o torna
respeitável para a massa carcerária?2
O cativo tem acesso a novos meios para cometer crimes e possui um
campo amplo de aprendizagem e troca de experiências. Além disto,
conhece as normas da prisão e os meios de conviver melhor com elas.
Os que obtêm mais êxito nesse aprendizado, tornam-se líderes das
celas, dos pavilhões ou da unidade inteira. Assim, conseguem ditar,
ou liderar a nova ordem, estabelecendo e até positivando normas de
condutas. Um exemplo é a “Cartilha Ordem e Progresso”, elaborada
e impressa pelos internos da Penitenciária Lemos Brito, em Salvador.
Como qualquer código oficial, o
documento publicado pela comissão usa o tom jurídico para
estabelecer as regras. A diferença são os termos utilizados nos
tópicos. Nas leis da cadeia não há artigos, mas “Obediências”.
Em cada uma está prevista uma punição, como a que é direcionada
para os presos que “subtraírem” pertences de outros detentos.
“(...) para continuar a conviver em nossa comunidade, prestará
serviços de faxineiro na varrição do pátio e orar um Pai-nosso,
ou pregar os joelhos no chão”.
Entre outras coisas, a cartilha
traz regras de etiqueta para os dias de visitação, prevê punições
severas para agiotagem e é implacável com os presos que mantiverem
relações amorosas com ex- mulheres e familiares dos colegas.
Em alguns momentos, o código
parece ensinar ao Estado a melhor forma de ressocializar o
contingente carcerário. “O princípio básico do alicerce humano
reside na educação”. Uma das regras deixa claro que os
presos querem impor quais detentos devem permanecer em cada módulo.
A punição para quem faltar a “Obediência III” é a retirada do
preso do convívio dos demais, o que significaria a sua
transferência. “ O direito de defesa será dado ao acusado na
possível primeira falta. Na reincidência, deixará automaticamente
o nosso convívio”.3
Obviamente, as normas já existiam e eram aplicadas antes de serem
transpostas para o papel. No caso mencionado, o documento foi
apresentado a todas as autoridades, semanas antes de descoberto pela
imprensa. A administração prisional teve a honestidade de
reconhecer que era natural a existência de lideranças e negociações
dentro das prisões.
A disciplina, a segurança e a
relativa tranqüilidade nas prisões dependem fundamentalmente da
disposição da massa carcerária em cooperar. E como têm mostrado
vários estudos, não há cooperação sem negociação; e negociação
não se faz sem lideranças dentro da massa carcerária. A idéia de
que a autoridade legal, isto é, o próprio Estado através de seus
funcionários, se veja constrangida a negociar com foras-da-lei as
regras de aplicação da própria lei pode parecer um outro absurdo.
Mas trata-se simplesmente de mais um dos dilemas inscritos na
natureza das prisões: o poder total- ou à primeira vista, total- da
administração não tem como fugir à negociação e transigência.
A alternativa quase sempre será um nível de violência e repressão
que nenhuma sociedade poderá tolerar.4
8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal
Brasileira.
Para a teoria da anomia, os crimes derivariam, principalmente, da
discrepância entre os fins culturais e acesso aos meios legítimos
para alcançá-los. Sendo assim, haveria apenas dois modos de lidar
com a questão: reduzir os fins ou ampliar os meios.
A segunda alternativa é aparentemente levada em conta pela nossa
execução penal, pois em diversos momentos, a LEP se refere à
obrigação do Estado em fornecer cursos profissionalizantes e ensino
de 1º grau5.
O trabalho prisional (também obrigação do Estado) tem finalidade
educativa6.
Como estímulo à participação dos presos nestas atividades, ainda
oferece a remição da pena pelo trabalho e, desde 2011, pelo
estudo7.
A observação mais atenta da lei e da sua interpretação e
aplicação, porém, permite que se desfaça o engano. O ensino de 1º
grau, ainda que fosse de excelente qualidade, não seria apto a
preparar ninguém para almejar ocupações lícitas que permitissem o
acesso aos fins culturais. O jurista Gerivaldo Neiva, comentando
convênio celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a
Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP)8,
constatou que, segundo dados do Ministério da Justiça9,
75, 35% da população carcerária brasileira possuía, no máximo,
este nível educacional.
O problema é que o mercado,
mesmo para a construção civil mais pesada, anda a reclamar da
qualidade da mão-de-obra nacional. Sendo assim, o que o mercado e a
sociedade têm a oferecer para 93,27% da população carcerária
deste país, que mal sabem assinar o nome, além da reincidência?
Aliás, não é mera coincidência que o percentual de reincidência
(70% segundo o Ministro Peluso) seja parecido com o percentual de
detentos que apenas “desenham
o nome” (75,35%,
segundo o Infopen)10.
A oferta de cursos profissionalizantes também padece do mesmo
defeito. Não basta ter uma profissão, para ter acesso aos fins
culturais. É necessário que esta carreira ofereça vantagens
materiais e imateriais suficientes, para a aquisição dos bens
desejados. Uma propaganda do mesmo convênio entre Conselho Nacional
de Justiça e FIESP dá uma ideia de que ocupações são oferecidas,
pois o vídeo começa com uma placa anunciando vagas para servente,
pedreiro, carpinteiro e pintor11.
É sabido que as ofertas não são muito diferentes daquelas. São
cursos de costura, para as mulheres e de trabalhos braçais para os
homens. Nenhuma das atividades permite muitas perspectivas de sucesso
no nosso capitalismo. É evidente que não foi a impossibilidade de
trabalhar como pedreiro que levou aquelas pessoas a delinquir.
Retomando a classificação de Merton, continuará existindo a
inacessibilidade aos fins culturais, pelos meios legítimos.
Isso me leva a perguntar: será
o problema do criminoso um déficit
de socialização? Ou
será ele apenas mais um numa sociedade em que os vínculos éticos
estão destruídos? Nesse caso, que modelos propor a ele a fim de
“transformá-lo”, como desejam os ressocializadores? O do “bom
trabalhador”? Mas esse “bom trabalhador” é mesmo alguém
valorizado e desejado nessa sociedade? Tenho minhas dúvidas se falta
socialização ao criminoso ou, ao contrário, sobra.12
A remição da pena, que é o fruto específico do trabalho e do
estudo prisional é um instituto absolutamente precário. Ao cometer
uma falta grave o preso perde até 1/3 dos dias remidos13.
Por um lado, ofende-se o princípio da coisa julgada, já que pena
remida é pena cumprida14
e, deste modo, a sanção pela falta equivaleria uma nova pena15.
Por outro lado, retira-se o que foi conquistado pelo trabalho16
ou estudo, em razão de fato que muitas vezes não tem qualquer
relação com eles.
Punir este preso- disciplinado
no trabalho, indisciplinado no Pavilhão- com a perda dos dias
remidos significa não reconhecer o seu mérito por ter respeitado as
normas da instituição total num determinado espaço, pois o privará
dos frutos da atividade exercida nesse espaço em que teve bom
comportamento.17
Apesar de instituir o trabalho prisional como dever e direito do
preso, parece que apenas a primeira modalidade é levada a sério. O
ofício foi pensado primordialmente como punição, uma vez que o
parágrafo segundo do artigo 28 da LEP exclui os presos do regime
celetista. Eles não têm direito à férias, a 13º salário, a
repouso remunerado e nem sequer ao salário mínimo18.
A Constituição Federal19
garante a todos os trabalhadores, sem excepcionar os que estão
presos20,
aqueles direitos21.
Praticamente todos os juízes, promotores e, neste ponto, a grande
maioria dos defensores públicos aceitam passiva e acriticamente a
prevalência da LEP em relação à Carta Magna também nesta
situação.
Se os presos não têm direitos trabalhistas, como o “salário
mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a
suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo”, é forçoso concluir que não são
considerados trabalhadores.
De fato, quem é obrigado a trabalhar e, mais que isto, a trabalhar
recebendo apenas uma pequena ajuda de custo não é empregado. É
cativo, ou se preferir, escravo. Definitivamente, escravos não têm
condições de atingir os fins culturais aceitos pela sociedade. Com
a oferta de ensino primário, cursos profissionalizantes subalternos,
trabalhos precários e mais assemelhados à escravidão, talvez seja
mais correto imaginar que a proposta da nossa execução penal, no
sentido mertoniano, seja a simples transformação de pobres
inovadores em pobres subalternos conformados.
8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal
Brasileira.
A Escola de Chicago associou a criminalidade à desorganização
social e à degradação dos ambientes. Trouxe como principal
inconveniente a associação da delinqüência à pobreza. Uma
execução penal de acordo com aquelas ideias teria necessariamente
que prever formas de atuação nas comunidades de onde vêm os
apenados, de modo a fornecer saúde, saneamento básico, limpeza,
moradia digna, etc. Obviamente, nossas leis não prevêem nada disto.
Para produzir os efeitos colaterais, porém, temos dispositivos
bastante eficientes. Embora seja prevista na LEP a assistência
social 22,
a especificação das suas atividades esclarece que a função
primordial é avaliar e julgar o preso23.
Assim, os assistentes sociais terminam sendo obrigados a utilizar
todo o seu tempo para descrever as condições de moradia, ou
estruturação da família.
Os dados obtidos não são usados como ponto de partida para uma
atuação estatal firme nas localidades. Servem apenas como indícios
de impossibilidade de obtenção de direitos que concedem parcelas de
liberdade, como a progressão de regime, ou o livramento condicional.
Passa a existir uma inconstitucional presunção de culpa de futuros
delitos, a partir das condições sócio-econômicas degradadas.
Desperdiçando o potencial dos assistentes sociais, a redação
original da LEP e a interpretação francamente inconstitucional que
se faz dela e das suas alterações invertem a sua função social e
transformam o seu trabalho em mero instrumento de criminalização da
pobreza.
Aos assistentes sociais diante
desta realidade, cabe ocupar campo profissional, com responsabilidade
ética e política, colaborando com as transformações necessárias,
inserindo, como salienta Iamamoto (1992), “o novo fazer
profissional”, que para tanto, necessita negar a base tradicional e
conservadora, afirmando um novo perfil técnico, não mais um agente
subalterno ou apenas executivo, mas um profissional competente
técnica, teórica e politicamente.24
1
SYKES, Greshmam M. The Society of Captives- a Study of a
Maximum Security Prision. Princetown. Princetown University:2007.
Original publicado em 1958.
2
COELHO, Edmundo Campos. A Oficina do Diabo e outros estudos
sobre criminalidade.. Rio de Janeiro. Record:2005. P.32
Art. 126. O condenado que
cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por
trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da
pena. (Redação
dada pela Lei nº 12.433, de 2011).
I - 1 (um) dia de pena a cada 12
(doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino
fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou
ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3
(três) dias; (Incluído
pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 2o
As atividades de estudo a que se refere o § 1o
deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por
metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas
autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.
(Redação
dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 3o
Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias
de trabalho e de estudo serão definidas de forma a se
compatibilizarem. (Redação
dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 4o
O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou
nos estudos continuará a beneficiar-se com a remição. (Incluído
pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 5o
O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de
1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio
ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada
pelo órgão competente do sistema de educação. (Incluído
pela Lei nº 12.433, de 2011)
§ 6o
O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que
usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a
curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do
tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o
disposto no inciso I do § 1o
deste artigo. (Incluído
pela Lei nº 12.433, de 2011)
15BRITO, Alexis Couto de. Execução
Penal. São Paulo; Quartier Latin,
2006. P.251
A doutrina insiste que a remição não pode ser
considerada como simples abatimento dos dias trabalhados mas como
pena efetivamente cumprida
pelo sentenciado. Sendo assim, não nos parece correto desconsiderar
este período diante do cometimento de falta, o que seria
absolutamente contraditório àquela definição, pois a pena
efetivamente cumprida não pode ser reconsiderada para ser novamente
cumprida. O condenado estaria cumprindo duas vezes a mesma pena.
CHIES, Luiz Antonio Borges. Prisão:
Tempo, Trabalho e Remição. Reflexões Motivadas pela
Inconstitucionalidade do Artigo 127 da LEP e outros Tópicos
Revisitados. In Crítica à Execução
Penal. 2.ed. CARVALHO, Salo de (coord.). Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. P.546
Com efeito, e o que é agravado pela realidade concreta do sistema
penitenciário brasileiro, o conteúdo do artigo 127 da LEP encontra
insanável vício, uma vez que afeta a segurança contratual daquela
que pode se considerar como a principal contraprestação devida ao
apenado trabalhador, na relação que estabelece com o Estado.
PRADO, Daniel Nicory. Perda dos dias remidos e o
princípio da proporcionalidade. IN XIMENES, Rafson Saraiva e
PRADO, Daniel Nicory do(Coord.). Redesenhando a Execução Penal.- a
superação da lógica dos benefícios. Salvador: Faculdade
Baiana,2010.p.183
20ROIG,
Rodrigo Duque Estrada. Ensaio sobre uma Execução penal mais
racional e redutora de danos. In Ideias para a construção de
uma Execução Penal mais democrática. 1.ed. Rio de Janeiro:
NUSPEN, Defensoria Pública do Rio de Janeiro,2010. p.34.
21 SCHIMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, Deveres
e Disciplina na Execução Penal. In
Crítica à Execução Penal. 2.ed. CARVALHO, Salo de (coord.). Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009. P.236
Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:
I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou
exames;
II - relatar, por escrito, ao Diretor do
estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo
assistido;
III - acompanhar o resultado das permissões de saídas
e das saídas temporárias;
IV - promover, no estabelecimento, pelos meios
disponíveis, a recreação;
V - promover a orientação do assistido, na fase
final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o
seu retorno à liberdade;
VI - providenciar a obtenção de documentos, dos
benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no
trabalho;
VII - orientar e amparar, quando necessário, a
família do preso, do internado e da vítima.
24TORRES, Andrea Almeida. A
Lei de Execução Penal e as Atribuições do Serviço Social no
Sistema Penitenciário: Conservadorismo pela via da “Desassistência”
Social. In Crítica à Execução
Penal. 2.ed. CARVALHO, Salo de (coord.). Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. Ps.202-203.