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sábado, 24 de julho de 2010

Difíceis Ganhos fáceis


Dois anos! E porque está aqui há tento tempo?

Eu estava no túnel do Pasmado, quando um policial se aproximou:
- Onde você mora, neguinho?
- Em São Carlos, senhor.
- Está fazendo o que, na Zona Sul?-Nada. Andando.
- De quem é esta roupa?
- Minha, senhor.
- E porque a calça é tão folgada?
- Era do meu irmão.
- Tira o sapato!
- Tome.- É bem maior que o seu pé.
- Também era do meu irmão.
- Você pensa que sou trouxa?
- Não, senhor.
- Isto é roubado, ladrãozinho!
E era roubado mesmo?
Não, era do meu irmão mais. Nunca ninguém nem reclamou as roupas.
E mesmo assim, te prenderam? Não tinha nem vítima?
É. Normal...

E você, neguinho, por que tá aqui?
Tava com maconha, no bolso.
Usando? Vendendo?
Não. Tava no bolso. Ia fumar depois.
E como descobriram.Cara, eu estava na grama, no aterro do Flamengo. Falava com um amigo sobre futebol. O guarda disse que a gente estava em atitude suspeita e fez a revista.
Que horas eram?
Umas duas...
Então, você estava na grama do aterro, sob o sol? Parece música de Bob Marley! Deve ser por isto que ele suspeitou! Hehehe!

Você acha engraçado, branquelo?Pô! É triste ser preso, mas é engraçado, velho.
Só se for pra você.
Desculpe, mas, e você, porque está aqui?
Tava trabalhando.
Trabalhando? Fazendo o que?
Levava pó. Precisava de dinheiro. Meu pai tá desempregado e minha mãe ganha um salário mínimo. Mal dava pra comprar comida lá em casa. Me ofereceram o emprego e eu aceitei. Ganhava mais que a velha.

Mas, você pergunta muito. Quem é você?
Meu nome é João.
E porque você está aqui?
O mesmo que você. Vendia pó. Só que não era tão igual. Meu pai é empresário. Eu tinha uma vida bem boa. Mas, eu queria cheirar. Pra ter dinheiro pra comprar, eu passei a vender também.
E ganhou muita grana?
Um monte, mas não guardei nada. O que eu não gastei cheirando, torrei em farras e viagens. Todo dia, tinha festa. Cheguei a jogar dinheiro pro alto. Parecia que eu tava num filme. Só que descobrirame aí vim pra cá.
Olha! Lá vem o prezado!

Boa notícia, seu João! Você tá solto! Vai fazer tratamento.

(...)
Ô, prezado, por que o branquelo deu sorte? A gente tá aqui há anos e ele mal chegou!
É coisa do juiz. Ele disse que o rapaz era de boa família e não era marginal. Era só um viciado. precisava era de tratamento. Internar o menino só ia fazer mal pra ele.
Pô! Mas, eu só tava com a roupa maior que eu e o Juca só tinha um cigarro de maconha no bolso! O cara traficava e ganhava dinheiro pra c...
Sim, mas vocês iam voltar pro morro, pra bandidagem. Têm que ser educados aqui. O cara vai pra escola, pra faculdade. Nem se compara.
E você, Moca? Não vai reclamar?
Não, eu sou traficante mesmo. Sou bandido.
Mas, ele também era! E você vendia pra sobreviver. O cara vendia pra curtir! Por que o marginal é você?
Bom,tem uma diferença.
Qual?É que meu nome não é Jhonny.


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O texto é inspirado no livro Difíceis Ganhos Fáceis- Drogas e Juventude Pobre no Rio de Janeiro, de Vera Malaguti Batista. Ela fala sobre o desenvolvimento das políticas de drogas, no Rio de Janeiro, desde a década de 60. Mostra, com estudo de casos, como a resposta sempre foi diferente, a depender da cor e da classe social.
A história dos 3 meninos que peramaneceram presos foi inspirada em exemplos contidos no livro, estraídos dos arquivos oficiais. A história do "branquelo" é inspirada no filme Meu Nome não é Johnny, dirigido por Mauro Lima e também baseado em fatos reais.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Três fatos e uma pergunta


Acabei de participar do Seminário Nacional de controle da Tuberculose do Sistema Prisional, organizado pelo Ministério da Saúde. Além dos ensinamentos que obtive dos profissionais de saúde, algumas situações me fizeram refletir.

FATO 1) Pouco interesse das autoridades políticas e jurídicas

O tema da saúde e o controle de endemias no sistema prisional é da alçada das Secretarias de Saúde e das Secretarias de Justiça dos estados. Deve ser pleiteado por defensores, controlado por juizes e fiscalizados por promotores (pelo menos em tese). Uma das maiores queixas apresentadas foi que a saúde era sempre posta em segundo plano, considerada menos importante que a ordem e a disciplina, seja na definição de políticas ou na ação judicial.

O Ministério convidou todos os secretários, bem como as representações de defensores, juizes e promotores. O número de presente destas áreas, acompanhando de fato o seminário foi:

Secretários de Saúde: 0
Secretários de Justiça: 0
Defensores Públicos: 1
Juizes: 0
Promotores: 0

O quadro é o de sempre: as autoridades só aparecem para solenidades de abertura, de encerramento, ou para proferir palestras. Raramente se dispõem a ouvir os outros. Fecham-se nos seus castelos. Depois, impõem ações sobre áreas que não conhecem nada e nem querem conhecer.

FATO 2) Diálogo entre Juiz e Profissional da saúde.

Um Juiz proferiu uma palestra. Contou uma história sobre um mutirão carcerário, no Maranhão, e depois foi questionado por alguém que vivia e trabalhava lá.

Juiz- No Maranhão, não pudemos entrar no presídio como queriamos, porque os médicos disseram não poder garantir a nossa saúde. Sequer existiam prontuários. O pior é que a situação é a mesma, após 02 anos.

Profissional da Saúde do Marnhão- Aqueles médicos não trabalhavam no sistema, mas foram levados pelos juizes. Não tinham a tarefa da avaliar a saúde dos presos, mas sim de atender aos magistrados. Os prontuários existiam há 02 anos e continuam existindo, mas ninguém nunca nos solicitou.

Percebe-se, no diálogo três coisas interessantes. Em primeiro lugar, os magistrados, que têm o dever de visitar constantemente as unidades, não deveriam precisar, por ocasião de um mutirão, pedir que médicos verificassem a salubridade do local.

Em segundo lugar, eles não ouviram os profissionais do local, demontrando a tendência exposta no fato 1.

O mais grave, porém, é que aceitaram estar diante de um local em que um juiz não podia entrar, sem riscos à saúde. Mas, se havia riscos ao juizes, havia riscos aos que trabalhavam no local e, principalmente, aos que estavam presos lá. O local deveria ser interditado. A solução, porém, foi fechar os olhos, não entrar e ir embora. Eles pensavam que o local era terrível demais para eles passarem algumas horas, mas não se importaram se pessoas continuariam a trabalhar lá diariamente e, pior, outras continuariam a viver lá.

Em tempo, o juiz chegou na hora da sua palestra e saiu assim que a terminou.

FATO 03) Roupas e Poder.

Médicos e juristas têm algumas semelhanças: suas roupas inspiram admiração e respeito, diferenciando-os dos comuns. São também dois dos poucos profissionais que, mesmo sem doutorado, são sempre chamados de doutores.

Eu , único jurista, era o único de paletó. Esperava que os médicos estivessem todos de branco. Porém eles não estavam. Fiquei pensando porque eles não usavam as suas fantasias, já que eu era obrigado a usar a minha.

Pesquisei no Google e encontrei o guia do curioso. Ele me explicou que a roupa branca facilita a visualização de sujeiras. Tá aí a diferença. A roupa deles pode ter sido criada para expressar poder, mas tem uma função prática, que termina ganhando mais relevância. Os trajes que nós juristas consideramos "condizentes com a dignidade da profissão", porém servem para apenas duas coisas: nos diferenciar dos "comuns" e dar aparência de poder.

PERGUNTA

É impressão minha ou os três fatos são muito mais conexos do que parecem?

domingo, 4 de julho de 2010

O Brasil e a Copa dos Inimigos


Desde criança sou fanático por futebol e esportes em geral. Quando criança, não perdia um programa esportivo e adorava ler a Placar. A primeira vez que virei uma noite, foi assistindo às Olimpiadas de Seul, aos 08 anos. Uma bronca histórica que levei da minha mãe, foi quando, na mesma época, sai gritando pela casa, quando o meu Bahia de Bobô, que seria o campeão brasileiro, marcou um gol contra o São Paulo. É que a minha irmã, recém nascida, dormia, na hora e não gostou muito do barulho. Obviamente, tive o sonho de ser jogador, e depois comentarista. Não fui nada disto, mas agora tenho um blog e, desse modo, pela primeira vez, tenho o poder de publicar minha análise sobre a participação brasileira na copa! Não sei se alguém lerá, mas aí vai.

É impossível falar do Brasil em 2010, sem comparar com o Brasil em 2006. As duas seleções seriam opostas. A "seleção guerreira", de Dunga e da Brahma, foi moldada para se contrapor à seleção de estrelas desinteressadas que jogou na Alemanha. Durante muito tempo, os defensores da atual equipe disseram que ela era superior e os resultados provavam isto. Não era verdade. Tudo o que Dunga ganhou, Parreira também havia vencido (Copa América, Copa das Confederações e Eliminatórias). Com uma diferença, o time de Parreira ganhou os títulos jogando bem, enquanto o de Dunga vencia no sufoco.

Após a eliminação contra a França, em 2006, realmente se disseminou a explicação de que perdemos por falta de vontade. Nem parecia que Zidane e Henrry tinham jogado do outro lado, só não ganhamos porque os craques não quiseram. Os treinos eram todos transmitidos ao vivo e com a presença do público. Para completar, poucos dias após a eliminação, alguns jogadores teriam sido vistos em festas, o que foi considerado uma prova do descompromisso daqueles atletas. Começou a caça às bruxas. Os jogadores considerados mais talentosos foram execrados.

Este era o quadro quando Dunga foi escolhido. O capitão do tetra, um volante que marcava e gritava sem parar, simbolizava o oposto da imagem que se fazia do quadrado mágico. Ele foi contratado para construir um time de guerreiros. Ressalte-se, desde já, que não foi ele quem construiu o contexto, mas sim a imprensa. Nas suas primeiras convocações, Kaká e Ronaldinho Gaúcho, ficaram no banco. O meio campo titular tinha Daniel Cravalho e Elano. Até na numeração ele mexeu. Kaká deixou de ser o 8, Robinho deixou de ser o 7, Ronaldinho deixou de ser o 10.Todo mundo aplaudiu.

Desde o início estavam plantados os problemas que explodiram, na África do Sul. Algumas conclusões, naquela época foram completamente equivocadas, segundo o meu entedimento: 1) O Brasil não perdeu por falta de vontade, mas sim porque teve um bom adversário. 2) O Brasil não perdeu porque tinha jogadores talentosos, mas porque a França tinha jogadores talentosos. 3) A exposição excessiva dos treinos não é responsabilidade dos craques, mas sim dos dirigentes. 4) Não se pode, nem deve, exigir de ninguém que fique triste, por dias, devido a uma derrota no futebol. É até melhor que o atleta seja capaz de sorrir no dia do jogo, mostrando espírito esportivo.

O clima de guerra na Copa foi o resultado de todas as premissas equivocadas, fomentadas pela imprensa. A CBF fez uma leitura perfeita das reclamações e encontrou um treinador simbólico para atender à demanda. Ricardo Teixeira e jornalistas produziram Dunga. Ele já era assim e foi escolhido por ser assim. Se esperava dele a idéia de orgulho da pátria e luta até o fim. Até a sua convocação, embora criticada, reflete o clima pós-copa de 2006. Quem mudou de lado foi a mídia e não o técnico.

Para alimentar o espírito combativo dos seus soldados, Dunga exigia fidelidade, camaradagem, ordem e disciplina. Como qualquer instituição militar costuma fazer. Mais que isto, convenceu os soldados da existência de alguns inimigos, como toda a política de segurança pública ou segurança nacional faz, com apoio da imprensa. Assim como já foram os comunistas, já foram os terroristas, são hoje os traficantes. Para Dunga, existiram duas classes: a primeira, eliminada na convocação: "à dos craques que não ligam para a seleção". A segunda, ironicamente, foi a própria imprensa. Esta foi a surpresa. Talvez pela primeira vez, o setor que tanto trabalha para alimentar os estereótipos de viu incluído em um deles.

Não se pode dizer que foi por acaso. O trabalho dos jornalistas esportivos tem algumas características peculiares. As que mais me chamam atenção são a mistura entre informação e obrigação de torcer, informação e comércio e informação e desrespeito aos atletas e treinadores. Vou me fixar apenas na última.

Dunga chegou a chamar um jornalista de covarde e cagão de merda, durante uma coletiva, o que causou justa revolta. Mas, quantas vezes, os profissionais da imprensa dizem que um trienador é burro, um jogador é incapaz, ou ridículo? Para exemplificar, citarei um profissional que admiro bastante, Juca Kfoury. Seu comentário sobre o volante Felipe Melo, proferido no programa Linha de Passe da ESPN Brasil (meu canal favorito), no dia 02 de julho foi: "é um débil mental". Para mim, treinador e comentaristas foram igualmente ofensivos. Quem acompanha o esporte sabe que foi um caso isolado em relação ao Juca, mas não à imprensa.

Isto explica a grande aceitação pelos atletas do discurso do treinador. Assim como Dunga foi o técnico perfeito para as reclamações da imprensa, em 2006, a imprensa era um inimigo perfeito para a guerra de Dunga. O Brasil perder para a Holanda não é nenhuma catástrofe, assim como não foi perder para a França. O problema foi o precipitadíssimo desespero dos jogadores e a falta de opções para o treinador mudar o jogo. Os boleiros perderam o equilíbrio quando imaginaram que a pátria seria derrotada e seus inimigos venceriam. O técnico perdeu as opções ao excluir craques do grupo, por não se enquadrarem no perfil de soldados. O principal ausente, para mim, foi Ronaldinho Gaúcho, massacrado em 2006, pelo simples fato de não ter sido o melhor jogador do mundo, na Copa.

Preferia uma seleção que tivesse a possibilidade de encantar, com Kaká, Robinho, Ronaldinho Gaúcho, Ganso, mesmo que não jogassem todos ao mesmo tempo. Mas preferia ainda mais uma seleção pacífica, alegre. Espero que fique a lição: qualquer guerra deixa feridos, normalmente, dos dois lados e ser considerado inimigo é extremamente doloroso e revoltante.

Mais importante até do que lembrar disto no futebol, é lembrar disto na sociedade. Em 2014, os jogos serão aqui. Precisaremos resistir às exigências beligerantes da FIFA, que conseguiu interferir até na justiça penal da África do Sul, levando ao absurdo da implantação de julgamentos especiais, capazes de, em 03 dias, condenar alguém à 12 anos de prisão. A evidente irresponsabilidade retrata uma outra guerra, muito mais grave, contra o povo pobre de um país. Esta batalha deveria ter sido denunciada e criticada com todo o vigor, mas quase não se falou dela. Tomara que no Brasil o lema seja : "Uma Copa sem inimigos". Em todos os sentidos.