A temporada do futebol vai chegando ao fim. Como todos os anos, jogadores alternam boas e más fases. Craques surgem e desaparecem. Mas, um atleta chama a atenção de forma especial, em razão da intensidade com que é odiado, inversamente proporcional à sua habilidade e inteligência.Trata-se do jogador mais talentoso que o mundo conheceu, após Maradona: Ronaldinho, o Gaúcho. Poucos percebem, mas as razões da repulsa estão entranhadas no fato de ele, provavelmente de forma inconsciente, rebelar-se contra alguns dos paradigmas da nossa sociedade.
No filme "Troia", Ulisses convence Aquiles a participar de uma guerra, explicando que seria travada a maior batalha de todos os tempos e que a sua fama seria eternizada, caso aceitasse. Trata-se de um valor muito caro nos nossos dias: a fama, o reconhecimento de ser o melhor. Pelé, até hoje, reage com raiva, sempre que se insinua que alguém poderá superá-lo. Ronaldinho, por sua vez, achou que não valia a pena treinar tanto e fazer tantos sacrifícios, apenas para ser o novo Maradona. Em tempos de facebook e youtube, ele possuía chances, mas não quis nem tentar ser reconhecido como o melhor de todos os tempos. Isto irrita, porque é considerado um desperdício. É difícil entender que alguém prefira levar uma vida prazerosa à ter a fama eterna de Aquiles.
O ódio ao Gaúcho, entretanto, é bem mais antigo. Vem de quando ele ainda era garoto e forçou a saída do Grêmio, clube que o formou. Isto foi considerado uma traição. O problema se agravou quando, após anos na Europa, ele voltou ao Brasil, fazendo uma espécie de leilão, para ver quem pagaria mais. Flamengo, Palmeiras e, novamente, o Grêmio, a cada dia anunciavam que estava tudo certo para contratá-lo e se surpreendiam com os anúncios alheios. No fim, ele escolheu o Flamengo, que propôs salários compatíveis para o melhor jogador do mundo (o que ele já não era, nem queria ser), frustrando, principalmente, o time de Porto Alegre que, de tão confiante, preparara uma festa e se sentiu enganado outra vez.
Este problema deriva da falta de compreensão de que a relação entre um jogador e um clube não é de carinho, amizade e muito menos amor. É de trabalho. Como o torcedor se identifica e se sente dono do time, costuma analisar as coisas pelo lado do patrão. Assim, repetimos que o Grêmio deu tudo a ele, que o jogador deveria mostrar gratidão. Porém, os clubes não dão nada a ninguém. Eles investem nos jogadores. O que o Grêmio, o Bahia ou o Sport Recife deixam para os 90% dos seus atletas de divisão base que não vingam entre os profissionais? Que apoio ou formação existe? Nenhuma, óbvio. Não há choro, pena, ou solidariedade. Existe apenas a demissão, sem notícia ou pesar. A exigência de gratidão é unilateral.
Quando temos várias opções de emprego, tentamos escolher o mais atrativo para nós, aquele que vai nos pagar melhor e oferecer melhores condições de trabalho ou perspectivas de crescimento. Se o empregador deixa de pagar, procuramos saber quais são os nossos direitos e, se for vantajoso, vamos embora e o processamos. Foi aquela a atitude de Ronaldinho, quando vários clubes queriam contratá-lo. Foi esta a atitude dele, quando o Flamengo deixou de pagá-lo. Mas, o público pensa que é o dono do time e, para o empresário, o grevista sempre é o vilão, desagregador e indisciplinado.
O homem que sempre está rindo, que comemorava os gols homenageando os garotos surdos, para quem o aplauso é feito com as mãos chacoalhando em "hang loose", não deveria ser chamado de pilantra ou canalha, por quem nem sequer o conhece pessoalmente. Talvez, precisássemos de mais gente para demonstrar que a vida não é só uma busca desenfreada pela fama, pela competição individual e pela aprovação dos patrões. O malandro contemporâneo tem aparato de malandro oficial, contrato, gravata, capital e nunca se dá mal. Se for possível pensar nisto, vendo alguns golaços, desde que não sejam contra o Bahia, evidentemente, melhor ainda.
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