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quinta-feira, 15 de abril de 2010
João Ubaldo e a Crítica ao Direito Penal
O presente blog foi criado no mesmo dia em que finalizei a leitura da obra "Viva o Povo Brasileiro"(editora Objetiva,2007), de João Ubaldo Ribeiro. Enquanto me divertia com a história, pensava como era possível que eu, um baiano, não a tivesse lido antes. Em dezembro passado conclui a mesma coisa, ao conhecer a cidade de Lençóis.
Bem, em resumo, a deliciosa história é uma aula sobre a formação do nosso país e dos seus preconceitos sociais e raciais. Em uma narrativa não linear, parte-se da luta pela independência e em muitas idas e vindas, viajamos do século XVII ao século XX. Ubaldo fala da guerra do Paraguai, da abolição da escravatura, da proclamação da república e da guerra de canudos, porém, sempre sob várias óticas (especialmente a do povo explorado).
O que me intrigou bastante é que, talvez sem saber, o escritor toca em alguns dos pontos mais sensíveis do Direito Penal. Um exemplo são as teorias positivistas e suas derivadas, que tentam encontrar na natureza do homem a explicação para a criminalidade. Essas teorias, ainda muito fortes, embora haja um certo pudor em admitir a simpatia por elas, têm uma fragilidade essencial: consideram o direito penal, como dado pré-existente.
Explicando melhor: as leis não brotam espontâneamente, mas são criadas pelo homem. Não é raro que haja uma espécie de "arrependimento" por criminalizar ou não determinadas condutas. Por exemplo, escravizar alguém já foi alvo de estímulo e admiração, sendo considerada até mesmo por nobres reis, como algo essencial. Hoje é um delito. Por outro lado, o adultério já foi contemplado pelo Código Penal e hoje é mera questão particular. Os exemplos são infinitos e abrangem, ao menos parcialmente, todos os crimes (até mesmo o homicídio). Desse modo, como procurar dentro do homem, uma razão intrínseca para cometer delitos, se o próprio conceito de delitos é volátil?
Agora notem como João Ubaldo, com sua ironia impagável, narra o mesmo absurdo, ao falar dos conceitos de bem e mal, no século XVII:
"Mas a sabedoria dessas questões do Bem e do Mal foi posta em evidência e sobejamente provada quando tudo começou a acontecer conforme o previsto na doutrina. Antes da Redução, a aldeia era composta de gente muito ignorante, que nem sequer tinha uma lista pequena para o Bem e para o Mal e, na realidade, nem dispunha de palavras para designar essas duas coisas tão importantes. Depois da redução, viu-se que alguns eram maus e outros eram bons, apenas antes não se sabia. Mulher má não quer ir à doutrina, quer andar nua, não quer que o padre pegue na cabeça do filho e lhe besunta a testa de banha esverdeada, dizendo palavras mágicas que podem para sempre endoidecer a criança. Feio, feio, mulher má." (página 37)
Percebem como a mesma conduta, após o incremento de uma nova cultura dominante, passou a ser valorada? Antes, não havia problema se uma mulher andava nua, depois da doutrina, o mesmo ato se tornou reprovável e a sua autora também ganhou um atributo, tornando-se "má".
O mesmo acontece com a definição do caráter criminoso, para algumas condutas e alguns agentes. O que falar da conduta da venda de entorpecentes? Porque vender cerveja é lícito e vender maconha é um crime hediondo? É evidente que houve uma opção política de atribuir o valor negativo a uma conduta e não a outra, embora sejam equivalentes os prejuízos sociais que podem causar. Como alguém, mau, teria tendência a comercializar marijuana,enquanto outros, bons, apenas tendência ao tráfico de álcool?
"O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias." (epígrafe)
Tendo em vista esta realidade, tão bem retratada pelo grande escritor, parece claro que é invíavel procurar falhas de caráter biológicas ou adquiridas, para explicar a criminalidade. É muito mais interessante, como faz o livro, perguntar quem escolhe o que é o bem e o mal, ou analogamente, o lícito e o crime e sobre quem, invariavelmente, cai o segundo conceito. Antes de pensar no perfil criminoso, é melhor pensar em como esse perfil é criado.
"Viva o povo brasileiro! Viva nós!"(página459)
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Parabéns pela iniciativa de criar um Blog, meu caro!
ResponderExcluirEu mesmo, frequentador da internet desde os primórdios, ainda não topei enfrentar tamanha modernidade... acho que você tem muito a oferecer com essa iniciativa...
Sobre a sua primeira postagem, não posso deixar de lembrar o caso do art. 402 do Código Penal de 1891, que definia como contravenção penal a "prática de exercícios de destreza corporal conhecidos com o nome capoeiragem".
Hoje a capoeira é patrimônio imaterial do Brasil.
Li uma vez um artigo no Caderno Mais da Folha de S. Paulo (e lamento não lembrar o nome do autor), segundo o qual se alguém dissesse, na virada do século XIX para o XX, que a Capoeira seria reconhecida, no futuro, como uma manifestação cultural valiosíssima, isso causaria um espanto tão grande aos interlocutores quanto o de quem dissesse, nos dias de hoje, a mesma coisa sobre o tráfico de entorpecentes.
Em tempos de Congresso da ONU, que discute, entre outras coisas, o princípio da justiça universal como fundamento para a repressão internacional ao crime, surgiu uma curiosidade que eu mesmo tenho o dever de satisfazer: será que os traficantes de bebidas nos países islâmicos que proibem o comérico de álcool receberão a mesma atenção dos organismos multilaterais(?) de repressão ao crime, como a INTERPOL, que os países ocidentais recebem na perseguição dos grandes traficantes de maconha, cocaína e heroína?
Muito bom, Rafito. Seus textos são sensacionais e é bom saber que terei o prazer de lê-los cada vez mais constantemente.
ResponderExcluirSobre este texto, da mesma forma que quem conta a história das guerras é o vencedor, as leis são impostas pelos dominantes. Ou, vc duvida, que se não fosse necessária a globalização, o aparthaid existiria até hoje ?
Rafson, a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen já defendia essa teoria da imprecisão do conceito absoluto de justiça e do relativismo de qq sistema de valores morais. Há um livro dele, "A Ilusão da Justiça", se eu não me engano, q ele vai analisando todos os sistemas morais, de Platão, Aristóteles, Kant e até Jesus Cristo, e mostra q nenhum deles se sustenta como verdade absoluta. Para mim é fora de dúvida q a lei é mera criação humana, retrato de um período histórico, e nela estão todos os interesses de determinada classe social dominante, perfeitamente identificáveis se estivermos atentos! Parabéns pelo blog, meu amigo! (Luciano Tassis)
ResponderExcluirAssim como os demais comentários, lhe parabenizo pela criação desse blog. O primeiro post foi muito bem escrito e acho que os demais continuarão seguindo essa tendência de excelência. Diante da temática do Direito, sugiro um livro que acabei de ler "O código da Vida" de Saulo Ramos, um livro muito bom e que explica muitas coisas do nosso contexto político atual. Um pedido que também gostaria de fazer é que pudesse fazer qualquer dia desses um post em referência ao pessoal do vôlei, haja vista que você nunca mais escreveu sobre as caricaturas do pessoal. Já adicionei o blog nos favoritos e farei recomendações aos meus amigos para visitarem.
ResponderExcluirAbraço.
Tiago Mascarenhas Araújo
(tiago amigão)
Oi Rafson! Parabéns pela iniciativa! Muito bacana, acompanho pouco essa mudernização, como diria você mesmo, mas tentarei estar próxima! Definitivamente, a realidade é construída, não está dada nem posta e varia conforme a nossa miopia. Interessante mesmo é esse troca troca de óculos para vermos a realidade de maneiras diferentes. Há quanto tempo as mulheres apanham naturalmente dos maridos e isso nem é uma questão. Ontem passou uma reportagem do alto índice de crimes cometidos contra mulheres em Pernambuco e de como é difícil enxergá-los como algo ruim, utilizando as palavras de João Ubaldo. Ao mesmo tempo, passava uma cena de uma novela em que um pai dava 30 chineladas em sua filha e uma roda de pessoas apoiava-o. Enfim, natural bater em mulher em dadas circunstâncias....A discussão de temas no direito, assim como na psicologia e em todas as esferas da vida realmente passam por essa construção e importante, eu acho, é justamente desnaturalizarmos o que nem vemos mais e também compreendermos que, o que temos hoje, é tão construído como o que não temos! Um grande abraço,
ResponderExcluirLiu
Rafito, parabéns por criar esse espaço de reflexão e discussão de idéias e ideais.
ResponderExcluirGrande beijo,
Helô
Rafson, aqui é Márcio, lá do blog dos Manelés, lembra?
ResponderExcluirPois é, Nietzsche já dizia que não existem fatos, apenas interpretações. Mas nisso se esconde um relativismo que, ao extremo, nos levaria a tolerar qualquer ato, afinal, humano. No fim, esse niilismo levaria a tolerância a um absurdo: tolerar a intolerância.
A questão da justiça sempre nos levará a dicotomia do direito natural e do direito positivo. O fato de não podermos descobrir os valores essenciais ou fundamentais do homem não quer dizer que eles não existam; e certamente essa nossa incapacidade torne necessário estabelecer esses parâmetros de bem e mal, legal e ilegal, de acordo com valores circunstanciais.
Alguém aqui citou Kelsen, e, sim, ele mesmo questionou os sistemas de valores na noção de Justiça (não no livro "A Ilusão do Direito", mas em "O que é Justiça"), mas no final ele mesmo criou uma norma fundamental hipotética que, grosso modo, deve ser a essência do direito.
La Fontaine em versos já dizia algo assim: mete a natureza porta afora, ela voará de volta pela janela.
Abs
Márcio
Putz.. Rafto é foda.. o cara já inicia o blog assim. Com um texto desses.. e já com comentários. Tantos Blog com meses e centenas de post naum tem nem um comentário sequer p chamr de seu.
ResponderExcluirNo mais sobre o post, eu também já li o livro e essa sua frase resume bem a idéia de Ubaldo Ribeiro - "O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias". P mim a melhor passagem e, p mim, a mais marcante foi quando a heroina do livro (não lemrbo o nome da personagem) admira o quadro de Perilo Ambrósio - outrora mostrado como um covarde, ambicioso, seboso e etc - e o ver como um herói dizendo q o Brasil precisava de mais pessoas assim para melhorar.....
Rafito, meus parabéns pela ótima idéia e iniciativa! Deixo aqui o registro de minha passagem e também minhas felicitações!!
ResponderExcluirUm grande abraço!!!
Parabéns Rafson,
ResponderExcluirPenso que seja muito bom ter um espaço para difundir as nossas ideias, ainda mais quando, a par de vc ser um indivíduo antenado com os fatos que nos circundam, escreve com foco nas nossas atividades defensoriais.
Forte abraço,
Ussiel
PS: É vergonhoso, mas eu não li a obra literária e tampouco conheço Lençois
Rafito, parabéns pela iniciativa. E começou muito bem!
ResponderExcluirConfesso que ainda não li "Viva o Povo Brasileiro", mas vou providenciar reparar logo esse erro.
Sucesso nessa nova empreitada!
Fernanda Palmeira
Obrigado a todos pela visita!
ResponderExcluirEspero ir aprendendo e melhorando com o tempo.
abraços