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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Mito da Modernidade. 2. As faces da moeda. Caminho para o Positivismo.


Continua aqui a série " O Mito da Modernidade. A Execução penal brasileira e a criminologia". É a publicação, em partes do artigo com o mesmo nome. Tentarei postar um capítulo, ou parte de capítulo (caso ele seja muito grande), por semana.
Posts anteriores (para ler, é só clicar):
O texto integral foi publicado no livro "Redesenhando a Execução Penal 2- por um discurso emancipatório democrático". Quem tiver vontade e condições financeiras, pode comprá-lo aqui. Eu recomendo, pois há textos de outros 12 autores e prefácios de Alexandre Morais da Rosa e Raul Zaffaroni, que são, obviamente, muito melhores que este. Abraços!:

O MITO DA MODERNIDADE. A Execução penal brasileira e a criminologia.


SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As Faces da Moeda. Caminho para o Positivismo2.1. Iluminismo. 2.2. Escola Clássica. 3. Cara de Bandido. O Positivismo. 4. Fábricas de Marginais. Escola de Chicago. 5. Se não Tivesse, não Estaria Aqui. Anomia. 6. Sociedades de Esquina. Subculturas Delinquentes. 7. Meu Nome não é Johnny. Labeling Aproach7.1. Status Desviante. 7.2. Criação e Imposições de Regras. 8. Execução Penal Brasileira.8.1. De Olhos Fechados. Labeling Aproach e Execução Penal Brasileira. 8.2. Sociedades de Cativos. Subculturas e Execução Penal Brasileira. 8.3. Da Inovação ao Conformismo. Anomia e Execução Penal Brasileira. 8.4. Pobreza, a Falta Grave. Escola de Chicago e Execução Penal Brasileira. 8.5. É somente Requentar e Usar. Positivismo e Execução Penal Brasileira. 9. Conclusão.

  1. AS FACES DA MOEDA. CAMINHO PARA O POSITIVISMO.

“Há um tempo atrás se falava em bandidos. Há um tempo atrás se falava em solução. Há um tempo atrás se falava em progresso. Há um tempo atrás, eu vi na televisão”1.

2.1. Iluminismo

Em distintos períodos históricos, a humanidade valorizou mais ou menos a razão, em detrimento da fé, das tradições e da crença na existência de seres elevados e inferiores. A depender de circunstâncias geográficas, políticas, econômicas ou pessoais, a “razão” questionou ou até mesmo rompeu com a ordem estabelecida. Em outros momentos, o racionalismo foi utilizado para restabelecer aquela velha ordem derrubada, com o mesmo misticismo ou a mesma crença em pessoas naturalmente melhores ou piores.
A história de Henrique VIII é bastante ilustrativa deste fenômeno. Cansado da sua esposa, que não seria apta à procriação, o monarca inglês tenta se divorciar. Seu desejo, todavia, é negado pela igreja católica. Ele pondera que não faz sentido viver atrelado a dogmas e tradições que o desagradam e que não escolheu. Insatisfeito com a irracionalidade de ter que se manter casado com alguém que não quer, rompe com o clero.
O resultado, porém, não é um Estado laico. O chefe da nação mais poderosa do planeta cria uma nova religião, a Anglicana. Eliminada a crença que não controlava, Henrique VIII adotava outra que possuía uma grande virtude: era chefiada por ele mesmo. O problema, portanto, não era de fé ou lógica, mas de domínio político.
O nascimento da criminologia surgiu da demanda por racionalidade nas normas penais e nas punições. Era o período da revolução iluminista2. A burguesia conquistava o poder econômico, embora o poder político ainda fosse da nobreza e do clero. Normas baseadas na afirmação da autoridade real, ou da vontade divina não eram satisfatórias para ela.
A ampla liberdade dos nobres (incluindo os juízes) e da igreja para definir o que é crime, como deve ser o processo e qual deve ser a punição desagradava aos burgueses. O crime precisava de uma resposta racional. A resposta devia atender finalidades lógicas e, para alcançar estas finalidades, impunha-se um método específico e direcionado. Houve consenso quanto à finalidade: a defesa social, ou seja, a ideia de proteger os cidadãos do crime, evitando que este aconteça.
Houve divisão, porém, que marca a disputa pelo pioneirismo da criminologia, na busca das bases do pensamento que apontaria o caminho ideal para a defesa social. Para uns, era necessário seguir a linha da filosofia e assim surgia a Escola Clássica. Para outros, o correto era se apoiar nos métodos empíricos das ciências naturais e assim surgia o positivismo.
Seja qual for a tese aceita, um fato é certo: tanto a escola clássica quanto as escolas positivistas realizam um modelo no qual a ciência jurídica e a concepção geral do homem e da sociedade estão estreitamente ligadas. Ainda que suas respectivas concepções de homens e da sociedade sejam profundamente diferentes, em ambos os casos nos encontramos, salvo exceções, em presença da afirmação de uma ideologia de defesa social, como nó teórico e político fundamental do sistema científico.3

Se tanto a(s) Escola(s) Clássica(s), quanto a(s) Escola(s) Positivista(s) são frutos do Iluminismo4 e possuem a finalidade comum da realização da ideologia de defesa social, seus conceitos e métodos levam a efeitos opostos. Enquanto os clássicos tendem a limitar de algum modo o poder punitivo, os positivistas permitem a sua expansão com contornos inimagináveis.
No projeto dos clássicos, foi possível visualizar a circunscrição do terreno de incidência do controle penal, estabelecendo, pois, importantes limites formais às violências dos aparelhos repressivos do Estado, mas a construção criminológico-positivista fomentaria a expansão ilimitada destes mecanismos punitivos, pulverizando o controle com o objetivo de reforçá-lo.
Não se trataria, portanto, apenas de opção ou requinte metodológico, como constantemente defendem os seguidores de modelos científicos puros e verdadeiros, mas da assunção ideológica de projetos com finalidades díspares, as quais redundam invariavelmente na minimização ou potencialização da(s) violência(s) programada(s).5

2.2. Escola Clássica

No século XVIII, a burguesia, classe em ascensão, era considerada parte do povo. Especialmente após a revolução industrial e a criação dos bancos, seu poder crescia gradativamente. A nobreza e o clero, porém, detinham o controle absoluto sobre os julgamentos. A classe detentora dos recursos econômicos e dona do discurso intelectual e as classes que teriam a possibilidade de utilizar critérios obscuros para definir infrações e reprimendas eram diferentes.
Neste contexto, a Escola Clássica, cujo expoente máximo foi o Marquês de Beccaria, conquistou mais adeptos entre os burgueses que o positivismo. Sua principal obra, Dos Delitos e das Penas, mais do que apresentar ideias originais, sintetizava as preocupações do grupo. “É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”.6
Sentindo-se potencial alvo da persecução penal, os burgueses desejavam uma pena certa, determinada previamente por lei e não fixada pelo desejo despótico do rei7. Queriam ainda, para controlar os legisladores e os julgadores, que as punições fossem racionalmente proporcionais aos delitos8.
As justificativas filosóficas assentavam, principalmente, sobre o contrato social, em que se fundariam todas as relações da sociedade. As pessoas se agrupariam em torno do Estado, abdicando de parte da sua liberdade, por saber que, do contrário, a coexistência selvagem levaria a que umas destruíssem as outras. No entanto, como em qualquer negócio, o objetivo comum é o mínimo de prejuízo possível.
Desse modo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros e mantê-la na posse do restante.9

Ao contrário da doutrina inquisitória medieval que a antecedeu, a Escola Clássica não buscava a punição dos pensamentos criminosos (ou pecaminosos). Apenas os atos concretos poderiam ser motivos de sanção. “Se a intenção fosse punida, seria necessário ter não apenas um Código particular para cada cidadão, mas uma nova lei penal, para cada crime.” 10
Pressupunha que as pessoas eram iguais e racionais, movidas pelo seu livre arbítrio. As penas serviriam para prevenir delitos futuros. Para tanto, bastaria que o mal causado por ela fosse superior aos bens que adviriam do crime, além de que houvesse a certeza da punição. Não havia nada para tratar no apenado. Ele e a sociedade aprenderiam com cada castigo que “o crime não compensa”.
Por fim, a pena certa, proporcional, determinável de uma maneira quase matemática precisaria atingir um bem universalmente precioso. A liberdade era o denominador comum. O numerador, por sua vez, também seria valioso para todos: o tempo11. De outro lado, a expansão do mercado industrial e a necessidade de mão de obra desaconselhavam que os castigos incapacitassem as pessoas para o trabalho. Ao contrário, deveriam ser usados para produzir riquezas12. Assim, abandonavam-se as penas, então, consideradas cruéis e degradantes e consolidava-se como pena por excelência a, hoje, sabidamente cruel e degradante, prisão.


1 SCIENSE, Chico. Nação Zumbi. Banditismo por uma questão de classe.
2 YOUNG, Jock. A sociedade excludente- Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro. Revan: 2002.p.58
3 BARATTA, Alessandro Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito
4 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais,2008, p.84.
Clássicos e positivistas, na realidade, sào distintas faces da moeda iluministas, tese e antítese que não podem superar esta relação dialética de oposição senão quando produzem a síntese.
5 CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2008,p.144.
6 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.107.
7 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.22.
O Juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a conseqüência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for obrigado a elaborar um raciocínio a mais, ou se o fizer por sua conta, tudo se torna incerto e obscuro”.
8 CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da Libertação. Tradução: Sylvia Moretzohn.Rio de Janeiro: Revan, 2005.P.44.
“A legitimação do poder se produz, então, apenas pelo formal e ritual cumprimento das estruturas jurídicas, habilmente elaboradas para garantir os interesses da classe que historicamente emergiu após o feudalismo, isto é, a burguesia”.
9 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.19.
10 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.São Paulo:Martin Claret, 2002, .p.71.
11 FOUCAULT Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p.104.
12 RUSCHE, Georg e KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. 2. ed.. Tradução de Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p.103.
De todas as motivações da nova ênfase no encarceramento como método de punição, a mais importante era o lucro, tanto no sentido estrito de fazer produtiva a própria instituição, quanto no sentido amplo de tornar todo o sistema penal parte do programa mercantilista do Estado. “ 

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