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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Histórias de Gibi



Duas bombas explodiram, no fim de uma maratona nos Estados Unidos, matando três pessoas. Muito depressa, a polícia apontou alguns suspeitos. Após um dos investigados ser morto e outro capturado, faltava alcançar um. Quando o garoto de 19 anos foi preso, a população saiu às ruas, para aplaudir e comemorar, pois a justiça havia se concretizado. Ninguém dentre os celebrantes tinha qualquer dúvida sobre a culpa do garoto. Não era preciso aguardar o fim das investigações, ou início do processo. A polícia disse que era ele, então era ele.

Mesmo longe, a certeza da legitimidade de todos os atos oficiais atingia níveis absurdos. O canal Globo News exibiu matéria em que um suspeito era preso e levado a uma viatura, completamente nu. A explicação para a ausência de roupas era que ele fora minuciosamente revistado. O jornalista afirmava repetidas vezes que aquele homem havia sido morto em um tiroteio. Um mínimo de ceticismo o levaria a desconfiar de algumas coisas. Por que após a revista não deixaram que ele se vestisse ou o cobriram com um lençol? Como alguém entra em um carro pelado e algemado e depois morre em um tiroteio? Mas, indagações não estavam no roteiro.

Um promotor paulista disse em palestra para estudantes que o advogado não defende o crime, mas sim o criminoso. Outro, no Rio Grande do Sul, elogiando a Defensoria Pública local, disse que se cometesse um delito, gostaria de ser ajudado por ela. Não passou pela cabeça do primeiro que o advogado não defende necessariamente "o criminoso", mas o réu, que muitas vezes é inocente. Não são sinônimos. O segundo esqueceu que pessoas são processadas e precisam da Defensoria, mesmo sem ter cometido qualquer delito. Estava implícito nas afirmativas deles, ironicamente os responsáveis por fiscalizar a atividade policial, que confiam plenamente, quando os inquéritos apontam os suspeitos.

Quando se menciona o acontecimento de um crime, a maioria das pessoas não demora para acreditar que o delito realmente ocorreu. Basta, então, apontar um culpado que a culpa está formada. É considerado extremamente necessário e reconfortante que alguém seja punido o mais rápido possível e com todo rigor. O senso comum, aliás, diz que a causa de todos os problemas do planeta é a impunidade. As leis são sempre ultrapassadas e excessivamente benevolentes, com os "bandidos". Esse discurso esteve presente em todos os períodos históricos, até mesmo nas ditaduras. Para salvar a sociedade, portanto, queremos eleger monstros, para odiar e depositar as frustrações.

Pessoas são julgadas social e judicialmente, como se vivêssemos em histórias infantis. Existem os heróis e os vilões, muito bem delineados. Uns são bons e sempre dizem a verdade, outros são maus e sempre mentirosos. Quem questiona o mocinho é vilão também. A decisão está tomada no exato momento em que as autoridades americanas divulgam o rol dos suspeitos, ou o Governo da Bahia divulga o nome do rei do copas do seu vergonhoso "baralho do crime". Definidos os papéis de cada um por quem tem o poder de contar as histórias, qualquer conduta será interpretada a partir deles. Afinal, se alguém foi nomeado como rei de copas é porque deve ser perigoso.

É nesse contexto hostil que as pessoas se defendem. Talvez, devêssemos duvidar um pouco mais de toda a história e não apenas de um ou outro personagem. Quando, para defender ou atacar uma tese, alguém se esconde atrás do escudo de "guerreiro contra a impunidade" é porque o discurso ficou vazio. Atingindo esse nível de maturidade, a sociedade vai discutir como evitar que adolescentes sejam autores ou vítimas de atos infracionais, em vez de antecipação da maioridade penal. Vai ser possível também debater meios de reduzir os danos causados pelo consumo de drogas, em vez de como punir mais os vendedores.  Quem sabe até sobrará tempo para lutar contra a pobreza e não pela prisão dos pobres? Vamos, em fim, nos preocupar com a essência das questões. Mas, só se pararmos de acreditar em gibis.




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