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sexta-feira, 29 de março de 2013

Que tipo de Jornalismo?


Em 25 de março, o programa CQC, da Rede Bandeirantes, exibiu quadro, anunciado como a primeira vez em que o Deputado José Genoíno falaria com a sua equipe. O parlamentar foi condenado pelo STF, no julgamento do "mensalão". Como até hoje o acórdão não foi publicado, assumiu o mandato para o qual foi eleito e conquistou vaga na Comissão de Constituição e Justiça. A situação é estranha e um campo rico para um bom jornalista elaborar profundos questionamentos sobre os nossos sistemas jurídico e político.

Por mais interessante que seja o tema, entretanto, ninguém é obrigado a dar entrevistas. Se até mesmo no processo penal, o réu tem direito ao silêncio, imagina quando chamado a dar declarações por um veículo de comunicação. Infelizmente, para a emissora, por alguma razão, o parlamentar não gosta do programa e se recusava a falar com ele. a negativa, todavia, foi contornada de maneira polêmica. O petista foi enganado e entrevistado por uma criança, sem saber que ela atuava para a Tv.

É muito claro que o garoto foi usado como ferramenta, para violar o direito que todos têm, inclusive os réus ou condenados, mesmo em casos de repercussão. Não foi só anti-ético, foi ilícito, passível de indenização. Algumas pessoas podem argumentar que isto faz parte do papel do jornalismo: investigar e trazer as notícias relevantes. Seria aceitável e até recomendável o uso de subterfúgios, para desnudar fatos relevantes. É uma boa tese, mas para justificar a hipótese analisada, precisava passar por dois filtros: a) O CQC é um programa jornalístico? b) Havia algum interesse público?

Não sou especialista no assunto, mas a própria Rede Bandeirantes, pronunciou-se sobre e respondeu a primeira questão: "o CQC é um programa com o foco acentuado no humor, não pretende ofender o público e sim entretê-lo. Mas, como toda atração que trabalha com esse gênero, corre o risco de desagradar algumas pessoas" (veja aqui ). Logo, trata-se de um humorístico. A função social do jornalismo, portanto, não o protege.

Entretanto, ainda que fosse uma atividade de imprensa, qual seria o interesse público ou a denúncia apresentada? Para descobrir, é recomendável analisar as perguntas feitas pelo comediante: 
1) Você veio aqui se esconder, porque lá na prisão é pior, tem menos bandidos, é mais fácil? 
2) Tá fazendo voto de silêncio? Vai ser bom na prisão, lá X9 se ferra. 
3) O senhor não está chateado porque o Maluf não foi preso, condenado e o senhor tá aí? 
4) Genoíno, você vai passar aonde o revellion? Na Papuda? Já sabe qual prisão? 

Nada é investigado.  Nenhum fato novo é apresentado. É bastante impróprio igualar isto a uma matéria em que, disfarçado, um jornalista comprova a existência de um esquema de propinas em cartórios, com a participação da polícia ( leia aqui). Neste caso, a microcâmera é um meio para desvendar uma rede de crimes e, quem sabe, iniciar uma apuração pela justiça. Naquele, o uso da criança para ludibriar Genoíno era um fim em si mesmo. Tinha como única intenção escarnecer dele.

O que programa da Bandeirantes fez pode ser comparado a outro tipo de utilização da Televisão, que também se diz jornalismo e tenta ser engraçado, mas tem o mesmo propósito: constranger e humilhar. A emissora conhece bem o assunto, porque, na sua filial baiana, demitiu uma funcionária que fez o mesmo tipo de perguntas. Ela somente não tinha a mesma fama e nem atraía tantos patrocinadores. Falar a um condenado que "na prisão X9 se ferra" não é muito diferente de rir de uma pessoa presa, porque ela não sabe falar "próstata" ( detalhes aqui ). As duas práticas são iguais e inaceitáveis.

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