Recentemente, tive acesso ao livro Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro - Obediência e Submissão, de Gizlene Neder (Ed.Revan,2007). A autora fala sobre os períodos do renascimento e do iluminismo, em Portugal e no Brasil. Conta as particularidades que impulsionaram o desenvolvimento do pensamento jurídico, nos dois países.
Pouco depois, li a série de reportagens, na Revista Piauí nº 47 ( Data Venia, O Supremo) e nº48(Supremo, quosque tandem?), que falava sobre o cotidiano do supremo Tribunal Federal. Foi impossível, não lembrar de Gizlene. Pensando nas palavras dela, é possível entender um pouco o absurdo de, em uma mesma frase, conseguir chamar alguém de Vossa Excelência e dizer que ele tem capangas.
Vou destacar alguns trechos dos textos. Quem quiser aprofundar, pode ir atrás dos textos originais.
A "regra costumeira e singular", que não consta no regimento é a eleição [para presidente do STF] do mais velho (...) Porque simular ume eleição cujo resultado é conhecido? ´É uma coisa simbólica, que nos evita desgastes desnecessários´diz o presidente Cezar Peluso, sentado numa cadeira dos tempos do Império. Ela faz parte do acervo que estava no Rio. Trazê-lo a Brasília, antes mesmo da eleição, foi a primeira marca do estilo Peluso. (...) mobilizou primeiro a seção de documentação e acervo. Depois, acionou o departamento de arquitetura (há um, sim) para que redesenhasse a planta com os velhos móveis. (Piauí, nº47)
Sérgio Buarque de Holanda aprofundou a crítica aos bacharéis, ressaltando as possibilidades de notabilização, através de distinvos materiais ( anel de grau, diploma), que passaram a valer como autênticos brasões de nobreza. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro p.188)
Os primeiros que aparecem, antes mesmo de começar as sessões de julgamento, são os ´capinhas´, assim chamados por causa da obrigatória capa preta, curta sobre os ombros.
Os Ministros também são obrigados a usar toga. É uma capa de cetim preto, comprida sobre a roupa. (...) As togas ficam sob a responsabilidade dos respectivos gabinetes. Na prática, com os capinhas. Cabe a eles, nos dias das sessões, tirá-las dos armários, estendê-las sobre uma mesa de Jacarandá, no salão branco, adjacente ao plenário, e colocá-la nos ministros.
(...) É um cargo de confiança. Eles servem para tudo: puxar a poltrona quando as excelências vão sentar ou levantar, arrumar livros e processos que devem estar à mão, servir água , café ou chá, levar recados e bilhetes, resolver encrencas com computadores, documentos que faltaram e que tais. (Piauí, nº47)
O desprezo pelo trabalho manual e a valrização do trabalho intelectual, peculiares a uma sociedade aristocrática e, no caso do Brasil, fundada em relações escravistas, explica a exaltação e o prestígio do suposto talento, coberto pelo pálio do diploma universitário, como de resto, em toda a sociedade aristocrática. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro p.187)
À entrada dos ministros e também do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, numa fila puxada pelo presidente, todos se levantam. Se alguém esquecer, ou não estiver prestando atenção, os seguranças lembram. (Piauí, nº47)
(...) o processo de ideologização reproduz tal visão, numa reificação da superioridade e pefeição do saber jurídico, em relação a outros campos do saber, tornando-o distante e inatingível para a grande maioria das pessoas "comuns", submetidas ao processo de sacralização do poder e do saber. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro. p.80)
"A sessão de julgamento do Supremo é geralmente uma farsa, um teatro contraproducente", opinou o professor Hübner Mendes. Todos chegam com seus votos prontos e gastam horas apenas para lê-los em público". (...) Para o professor Hübner Mendes, há um "ambiente de academia de letras, no Supremo, marcado pelo pedantismo e a prolixidade: "Existe um apego à beleza literária e, sobretudo, à erudição dos votos e pouca atenção à especificidade dos fatos de cada caso."(Piauí, nº47)
De fato, segundo Sérgio Buarque de Holanda, não havia uma preocupação com o pensamento especulativo, mas à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. ( Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileirop.187)
Pouco depois, li a série de reportagens, na Revista Piauí nº 47 ( Data Venia, O Supremo) e nº48(Supremo, quosque tandem?), que falava sobre o cotidiano do supremo Tribunal Federal. Foi impossível, não lembrar de Gizlene. Pensando nas palavras dela, é possível entender um pouco o absurdo de, em uma mesma frase, conseguir chamar alguém de Vossa Excelência e dizer que ele tem capangas.
Vou destacar alguns trechos dos textos. Quem quiser aprofundar, pode ir atrás dos textos originais.
A "regra costumeira e singular", que não consta no regimento é a eleição [para presidente do STF] do mais velho (...) Porque simular ume eleição cujo resultado é conhecido? ´É uma coisa simbólica, que nos evita desgastes desnecessários´diz o presidente Cezar Peluso, sentado numa cadeira dos tempos do Império. Ela faz parte do acervo que estava no Rio. Trazê-lo a Brasília, antes mesmo da eleição, foi a primeira marca do estilo Peluso. (...) mobilizou primeiro a seção de documentação e acervo. Depois, acionou o departamento de arquitetura (há um, sim) para que redesenhasse a planta com os velhos móveis. (Piauí, nº47)
Sérgio Buarque de Holanda aprofundou a crítica aos bacharéis, ressaltando as possibilidades de notabilização, através de distinvos materiais ( anel de grau, diploma), que passaram a valer como autênticos brasões de nobreza. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro p.188)
Os primeiros que aparecem, antes mesmo de começar as sessões de julgamento, são os ´capinhas´, assim chamados por causa da obrigatória capa preta, curta sobre os ombros.
Os Ministros também são obrigados a usar toga. É uma capa de cetim preto, comprida sobre a roupa. (...) As togas ficam sob a responsabilidade dos respectivos gabinetes. Na prática, com os capinhas. Cabe a eles, nos dias das sessões, tirá-las dos armários, estendê-las sobre uma mesa de Jacarandá, no salão branco, adjacente ao plenário, e colocá-la nos ministros.
(...) É um cargo de confiança. Eles servem para tudo: puxar a poltrona quando as excelências vão sentar ou levantar, arrumar livros e processos que devem estar à mão, servir água , café ou chá, levar recados e bilhetes, resolver encrencas com computadores, documentos que faltaram e que tais. (Piauí, nº47)
O desprezo pelo trabalho manual e a valrização do trabalho intelectual, peculiares a uma sociedade aristocrática e, no caso do Brasil, fundada em relações escravistas, explica a exaltação e o prestígio do suposto talento, coberto pelo pálio do diploma universitário, como de resto, em toda a sociedade aristocrática. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro p.187)
À entrada dos ministros e também do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, numa fila puxada pelo presidente, todos se levantam. Se alguém esquecer, ou não estiver prestando atenção, os seguranças lembram. (Piauí, nº47)
(...) o processo de ideologização reproduz tal visão, numa reificação da superioridade e pefeição do saber jurídico, em relação a outros campos do saber, tornando-o distante e inatingível para a grande maioria das pessoas "comuns", submetidas ao processo de sacralização do poder e do saber. (Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro. p.80)
"A sessão de julgamento do Supremo é geralmente uma farsa, um teatro contraproducente", opinou o professor Hübner Mendes. Todos chegam com seus votos prontos e gastam horas apenas para lê-los em público". (...) Para o professor Hübner Mendes, há um "ambiente de academia de letras, no Supremo, marcado pelo pedantismo e a prolixidade: "Existe um apego à beleza literária e, sobretudo, à erudição dos votos e pouca atenção à especificidade dos fatos de cada caso."(Piauí, nº47)
De fato, segundo Sérgio Buarque de Holanda, não havia uma preocupação com o pensamento especulativo, mas à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. ( Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileirop.187)
ps: Dá pra mudar o quadro. Mas, é preciso que os novos juristas e que as novas instituições jurídicas desejem mudar. Se até quem é novo, ou quem está mais perto da população quiser copiar a sacralização, aí sim, fica difícil.
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