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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cadeia ou Caixão

Há algumas semanas atrás, minha avó me disse que tinha algo para mim. Era um pedaço do Jornal do Brasil de um domingo, 10 de junho de 1979. Ela disse que futucando os armários, achou aquilo e nem ela nem o meu avô não lembravam mais porque tinham guardado. "Como eu sei que você gosta de er, meu filho, achei que você ia gostar".

Eu também guardei o jornal no meu armário, mas agora, antes que eu também esquecesse como ele foi parar lá, resolvi dar uma olhada. O que me chamou mais atenção foi uma carta do leitor Sérgio Rocha, do Rio de Janeiro:

" Um fato que vem merecendo cada vez mais a atenção dos nossos governantes é o combate aos tóxicos, daí as sucessivas campanhas. Pena que isto só acontece quando ocorrem suicídios, crimes ou mortes suspeitas. o que me admira é as autoridades não terem, ainda, partido para medidas mais objetivas que poderiam reduzir em muito o consumo de drogas, principalmente entre os jovens de nossa tão deteriorada sociedade, os quais serão, um dia, dirigentes da nação.

Uma dessas medidas será a plena utilização dos mesmos dispositivos policiais e militares empregados em recente passado no combate à chamada subversão, por órgãos como o Cenimar, Cisa, SNI, DOPS, DOI-CODI ou quaisquer outros da comunidade de informação, como são conhecidos.

Com a técnica obtida pelos elementos lotados nesse órgãos, e que devem estar até ociosos, facilmente se poderia chegar aos viciados, traficantes e aos pontos de maconha, cocaína, etc., da mesma forma como chegaram aos subversivos, movimentos e aparelhos.

Claro que, para o sucesso da operação dela teriam que fazer parte o abominável período de incomunicabilidade, após a prisão e o enquadramento dos culpados na Lei de Segurança Nacional, com penas bem rigorosas, já que a proliferação dos tóxicos poderá, amanhã, atentar contra ela.

Também seria necessário um rigoroso controle de todo o material apreendido, o que não seria pouco, para evitar possíveis irregularidades, já que a máfia de drogas faria tudo para se manter e garantir seus lucros."

Não sei se o leitor do jornal percebeu, em tempo real, um fenômeno histórico, ou se foi um dos seus inspiradores. O fato é que foi justamente nesta época, porque a sociedade estava "deteriorada" e os jovens "morrendo" pelas drogas ( eu pensei que antigamente a sociedade fosse melhor e hoje é que já não se respeitasse mais nada...), que começava a política de guerra as Drogas.

É interessante que a sua proposta de utilizar os aparatos da ditadura para perseguir as drogas se justificam também pelo risco á Segurana Nacional. Exatamente como Salo de Carvalho descreve no seu livro "A Política Criminal de Drogas no Brasil".

" Moldadas no militarismo, as agências de controle alimentarão o desejo insaciável de poder poder punitivo, conformando tudo aquilo que poderia ser denominado como vontade de suplício, em virtude de sua expansão ilimitada e imune a qualquer tipo de controle. Tudo porque 'no plano da política interna, a seguraça nacional destrói as barreiras das garantias constitucionais`"

De 1979 pra cá, o Jornal do Brasil deixou de circular em papel, as políticas de repressão ao comércio de drogas ilícitas só aumentou. A guerra desejada pelo leitor virou realidade. E mata milhares de brasileiros por ano. O consumo tambem subiu muito claro, mas mata bem menos que a guerra contra ele.

Ninguém pergunta sobre a liberdade de escolha de quem compra e nem mesmo sobre a nocividade do abuso das substâncias proibidas, em relação às permitidas. Comparar a maconha, com o tabaco e o álcool, por exemplo, mostra que a primeira é a menos danosa. Mesmo assim, pela lei, é mais grave vender maconha a um adulto que cerveja ou cigarro a uma criança.

Não é nem a lei apenas. Quantos pais que deploram as drogas não se orgulham de beber com seus filhos adolescentes? Quantos ensinam que uma festa só é festa de verdade com uma geladinha? Consumir estas drogas é não só aceito, mas estimulado o tempo inteiro.

Usar uma substância psicoativa não é necessariamente ruim. O problema é o abuso e não o simples uso. O importante é saber o que leva alguém a usar e abusar de determinado produto e não simplesmente demonizar a droga,o usuário ou o vendedor. O crack é muito consumido por moradores de rua e o LSD é muito consumido pela classe média. Cada substância cumpre uma função em determinada vida. Seja animar uma festa, seja tornar a vida suportável.

É preciso entender de uma vez por todas que, como diz Antono Nery, o crack não é feito da raspa do chifre do diabo. Ele só existe e faz mal porque tem gente que precisa dele. 31 anos depois daquela carta, o Governo da Bahia usa informações, no mínimo, duvidosas, para fazer uma campanha contra o crack. De onde eles tiraram a idéia de que 80% dos homicídios são causados pela droga? A Polícia sequer esclarece 80% dos homicídios!

Falar em acabar com a guerra às drogas é tema tabu entre os políticos, mesmo porque ainda se diz que a sociedade está se acabando, a juventude está perdida, precisa-se combater com firmeza a criminalidade, etc., etc. Ao invez de aceitar que a humanidade sempre consumiu e sempre consumirá entorpecentes, fazemos campanhas mesquinhas e repetimos que o resultado do uso de drogas é cadeia ou caixão. Pelo visto, não há uso moderado, nem chance de deixar de usar. Consumiu, entrou na guerra e sera preso ou será morto. E, realmente, como tem gente sendo morta!



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