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sábado, 24 de abril de 2010

Carta Aberta a Duda


Salvador, 03 de maio de 2010.

Querida Dudinha,
Você não deve se lembrar de mim, pois só nos encontramos duas vezes, quando você era muito pequenininha. Meu nome é um pouco complicado, mas pode me chamar de Rafito.
A primeira vez que te vi, foi em um hotel, em Salvador, onde seus pais estavam hospedados. Creio que você tinha uns três meses. Não tinha cabelo ainda, mas usava uma fitinha, grudada na cabeça. Já era muito bonita e seu pai tentava, em vão, me convencer de que era a cara dele. Te carreguei no colo e você retribuiu, ao seu modo carinhoso, com uma angelical golfada na minha camisa. Sua mãe, pobrezinha, ficou envergonhada, mas sem razão. Eu achei muito engraçado.
Depois, te encontrei bem maior, já com seis meses, em outro hotel, dessa vez, no Rio de Janeiro. Seus pais é que me visitavam. Você vinha de uma consulta com o pediatra e sua mãe advertiu que o anjinho estava estressado. Eu te peguei nos braços novamente, um pouco receoso com a possibilidade de nova prova de amizade, talvez mais radical que a do primeiro encontro, pois você crescia e podia estar se aperfeiçoando. Dessa vez, porém, você me deixou ainda mais contente. Descobri que, mesmo sem conseguir ficar de pé, você adorava que te levantassem, para que ficasse pulando nas pernas dos outros. Enquanto fazia isto, você ria, de um jeito tão bonito que deixaria qualquer um feliz. Principalmente, alguém com a camisa intacta.
Estou escrevendo, Duda, porque nunca esquecerei de você. Acontece que você é a prova viva de uma das mais lindas histórias de amor que já existiram. Enquanto mulher, você é uma privilegiada e, certamente, entenderá isto mais tarde.
Sabe, Duda, você nasceu em um tempo de muita hipocrisia. Ninguém admite ser racista e poucos confessam que são machistas, mas há preconceitos por todos os lados. Creio que você não teria problemas com racismo, pois é branquinha e tem os olhinhos azuis. Mas, quanto ao machismo, seria, certamente, uma vítima potencial.
Eu disse que seria, porque, pelo menos na sua casa, você escapou disto. Vou te contar um pouquinho da história dos seus pais. Eles se conheceram no Rio de Janeiro, onde viviam, e logo se apaixonaram. Resolveram que viveriam juntos para sempre, porque se amavam e lutariam por isto, se preciso fosse.
Os dois são muito inteligentes e começaram a estudar para concursos. Sua mãe foi aprovada na seleção para ser juíza, na Bahia. Teria que vir para uma cidadezinha no interior, na qual para comer um pouco de presunto, era necessário viajar cerca de 200 kilometros. São umas 500.000 Dudas empilhadas. É muito longe! Bem maior que o seu quintal! Maior até que a casa dos seus avós e o que o parquinho onde você brinca!
Seu pai largou o emprego e foi com ela. Você não tem idéia do valor desta atitude. Hoje, Duda, todo mundo acha normal que a mulher acompanhe o homem aonde ele for trabalhar, mas o contrário é um escândalo. Apesar de a lei jurar que todos são iguais, continuamos achando que é o marido que trabalha fora, enquanto a esposa cuida das crianças. Até se admite que ela trabalhe também, mas apenas para auxiliar o senhor e chefe da casa.
Pois seu pai não se importou com nada e foi assim mesmo. Garanto que amigos, inimigos, conhecidos, desconhecidos, fofoqueiros em geral, e até parentes criticaram um bocado. A maledicência deve ter tomado duas linhas: uma afirmar que ele não era “macho” e a outra assegurar que ele era um aproveitador. As duas, fruto de um preconceito imbecil e da mais profunda ignorância.
Se homens e mulheres têm direitos iguais, ambos são do lar e ambos são da rua. Não existe mais chefe de família, ou qualquer hierarquia na casa. Os dois são fortes e os dois são frágeis. Os dois riem e os dois choram. Ambos se sujeitam aos mesmos sacrifícios, inclusive o de acompanhar o outro, se for melhor para a família.
Foi por isto que o grande homem, de fibra e valentia, que é o seu pai desafiou o mundo. Ele tinha ao seu lado, ao mesmo tempo, a razão e o amor. Não se importou com a estupidez alheia. Chegou na Bahia e continuou seus estudos, apoiado por sua companheira de todas as horas, na alegria e na dor, até que virou Defensor Público, para a sorte da população pobre baiana.
Não sei se em algum momento seus pais fraquejaram e pensaram que o inimigo era muito forte. De fato, era forte mesmo! Os dois lutavam contra milênios de machismo ( milênio é igual a mil anos Duda, muitas vezes os seus dedos da mão e do pé). Garanto, entretanto, que, ao ouvir o seu primeiro choro, todas as dúvidas acabaram. Eles viram, naquele momento, que tudo valeu a pena. Souberam que enfrentariam qualquer exército, para ter você com eles. Sua sorte é imensa, Duda, porque nasceu de um bravo amor e em uma casa na qual a igualdade não é uma palavra vazia. Você é uma conquista!
Tenho, contudo, uma preocupação, um tanto machista, quanto à sua formação. No Brasil, é muito importante escolher o time certo para torcer. Somos o país do futebol, sabe? Seus pais são cariocas e vibram por times diferentes, mas você será criada na Bahia, o que gera dois perigos.
O primeiro diz respeito à harmonia do casal. Na única vez em que vi os dois discutindo foi porque seu pai, flamenguista, fazia gozações com o Fluminense da sua mãe, ameaçado de rebaixamento. Isto pode causar um grande conflito no lar: a disputa sobre o time que você escolherá. Por outro lado, aqui na Bahia existe um glorioso time, que leva o nome do estado, têm títulos nacionais e outro muito sem graça, que nunca ganhou nada e não merece nem ter o nome citado aqui. Se você crescer sem escolher um deles, pode acabar definindo a preferência por simpatia pelo primeiro namoradinho.
Acontece que o time legal está em uma fase muito ruim e vários menininhos, ingênuos estão torcendo pelo time do mal. É possível que um desses coitados conquiste seu coraçãozinho. Isto seria catástrofe! Uma mancha terrível na personalidade de alguém tão especial!
Pensando nisto, escolhi seu presentinho, para o primeiro aniversário. Assim, você não desagrada o papai, nem a mamãe. Pelo contrário, homenageia os dois. Diz que escolheu um time tricolor, como o da mamãe e que, ao mesmo tempo, é o mais popular e maior campeão do estado, como o clube do papai. Pra completar, você conta que não queria um time com fama de vice, como são, no Rio, o Vasco e o Bota Fogo. Todos ficam contentes e orgulhosos!
Para completar, como mulher independente que será, ainda influenciará qualquer eventual paquerador desencaminhado, para que entre nos eixos e torça pelo time certo. Será mais uma quebra de paradigmas!
Espero que você goste da lembrancinha e coma muitos doces, na sua festinha. Não se assuste com os palhaços e com os balões estourando. Saiba que este foi só o primeiro ano de uma longa vida que será muito feliz, principalmente pelos pais maravilhosos que você possui. Cresça, espelhando-se neles e, fatalmente, será um grande exemplo, para todos.
Feliz aniversário e um beijo,
Tio Rafito.
Ps1: Se você não estiver convencida a torcer pelo esquadrão de aço, pelos argumentos expostos, preciso apelar e pedir que faça isto, para compensar aquela golfada, na minha camisa nova.
Ps2: Pede pro papai e pra mamãe me enviarem, por e-mail, uma foto sua, com o presente e dizendo se autorizam que eu coloque essa carta e a foto no meu blog.

12 comentários:

  1. hauahauhaaauhauaahua

    Amei o texto, como sempre, fantástico.
    Meu Deus, Duda além de enorme está muito linda e fofa. Com este sorriso parece ser a criança mais simpática de mundo e, obviamente, só poderia ser tricolor. Veja seu rostinho de felicidade e contentamento com o presente!!! Com certeza, ela adorou a lembrancinha!!!

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  2. Rafson, se você continuar a praticar tais atos hediondos contra menores de idade, terei que informar nossa Corregedoria para a abertura de procedimento administrativo em face de violações ao ECA... ;)

    Saudações rubro-negras.

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  3. O presente visa evitar a influência de eventuais desencaminhados como você Vinícius.

    abraços

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  4. Eu ainda acho que vc deveria ter dado uma camisa laranja dos escolhidos de che... mas eu entendo a sua preocupação enquanto tio em ensinar a mocinha a lidar com o rebaixamento... muito linda por sinal...

    ;P Fernandinha

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  5. Tio Rafitoooo!!! Que homenagem mais linda! A mamãe e o papai ainda ficam emocionados toda vez que releem a carta. Ah,e para acabar com qualquer dúvida, quero deixar bem claro que eu ADOREI o vestidinho do Bahia!!! É só olhar a minha cara de alegria nas fotos... Repara que eu coloquei até um lacinho pra combinar...
    Beijinhos carinhosos,
    Duda

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  6. Fernanda, os escolhidos de Che eram vermelhos. O Carrossel da Liberdade é que era laranja.

    Aliás, veja como torcedor do Bahia é inteligente. Em menos de um mês com a roupinha nova, Duda já aprendeu até a escrever!

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  7. Rafito! Adorei esse seu texto! E Duda ficou ainda mais linda com o manto sagrado! Abraços!

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  8. Nossa que texto lindo!!!!
    Minha norinha ficou ainda mais linda com o vestidinho do Baêa.
    Ah, Bruninho tb é torcedor do TIMAÇO. Bom pq eles não vão discutir, né? Pelo menos sobre time de futebol, hahahaha.
    Bjo

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  9. Rafson, nunca tinha visitado seu Blog. Fui no blog de Marina e Gabinho (casal em série) e vi o link desse blog aqui. Apesar de ser Vitória de coração e achar um absurdo tamanha manipulação de um anjinho inocente, tenho que admitir.... Essa carta aberta foi a coisa mais linda, mais simpática e mais singela que já vi ultimamente na net. Adorei!
    Aline Rosa

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  10. A coisa mais fofa que já li nos últimos tempos, Rafson!

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  11. até fiquei com vontade de ter um filho hoje só pra vc escrever um texto bonito assim pra ele também. parabéns, rafson.

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  12. "Acontece que o time legal está em uma fase muito ruim e vários menininhos, ingênuos estão torcendo pelo time do mal.".....kkkkkk....essa foi boa, o time do lado negro da força?!.....
    Muito bom o texto Rafito.

    Abração

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