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sábado, 23 de março de 2013

Conluios


Joaquim Barbosa, durante sessão do Conselho Nacional de Justiça, afirmou que não havia nada mais pernicioso que o conluio entre juízes e advogados. Em resposta, o desembargador Tourinho Neto disse que não via nada demais na amizade dos julgadores e os causídicos. Lembrou que ele mesmo, quando magistrado no interior, bebia na casa de um ou de outro. Como o diálogo aconteceu durante julgamento de suposto caso de corrupção, presume-se que"conluio" não foi usado no mesmo sentido pelos dois. O segundo falava de relações fraternais, enquanto o primeiro de relações escusas.

Todos os juízes têm amigos advogados. Preocupante seria se não tivessem. Eu teria muito medo se soubesse que o meu problema seria julgado por alguém que, após 05 anos de faculdade de direito, não se dá bem com ninguém que virou advogado. Alguma coisa estaria errada em tamanha dificuldade de convívio. Logo, exigir o isolamento absoluto seria absurdo e impossível.

Isto não significa, entretanto, que seja natural o juiz do interior sair "bebendo na casa de um ou de outro", especialmente porque, em regra, conheceu a cidade e os advogados referidos, apenas por exercer o cargo. Ou o julgador é tão cego e vaidoso quanto o jogador de futebol que, cortejado pelas mulheres mais belas, pensa que fica mais lindo a cada gol, ou percebe que o assédio aumenta em razão da busca por influência nas decisões. Sob esta ótica, Barbosa teria certa dose de razão.

O Ministro esquece, todavia, que existe, quase sempre, uma amizade muito mais intensa que esta, também iniciada exatamente em função dos cargos que as partes ocupam. Sugiro que se pesquise, nas comarcas do interior, como as citadas pelo desembargador, quem é o melhor amigo do juiz. Não será nenhuma surpresa se em mais da metade delas a resposta seja a mesma: o promotor.

Normalmente, quem sussurra no pé do ouvido do juiz, até porque senta do lado dele, é o membro do Ministério Público. Quem almoça, viaja junto, bebe, liga para o telefone pessoal, toma cafezinho no gabinete e até divide casa com o magistrado não costuma ser o advogado. É muito mais comum, portanto, a influência nos bastidores, sem a outra parte saber, ser exercida por procuradores da república, como Barbosa sempre foi, do que por advogados.

Talvez, ele esqueça esse detalhe porque, apaixonado pela sua carreira de origem, alimente o delírio de que no Ministério Público todos são honestos, bem intencionados e, acima de tudo, justos. Assim,  jamais tentariam influenciar malevolamente uma decisão, porém, apenas fazer justiça. Em resumo, como um lado representa "o bem", não tem problema. Superada a ingenuidade e o maniqueísmo infantis, aprendemos a duvidar da bondade dos (que se acham) bons e a perceber que nem todos os males são feitos com más intenções. Além de notar que intenções escusas são encontradas entre advogados, entre juízes, entre defensores públicos, e, também, entre membros do Ministério Público.

Então, chegamos à segunda interpretação de conluio: não mais a mera influência de bastidores, mas a influência por corrupção. O Presidente do Supremo, talvez, identifique a compra de sentenças como o que há de mais pernicioso na justiça brasileira. Antes de mais nada, é preciso reconhecer que existem, sim, decisões suspeitas. Elas podem ser vislumbradas de maneira mais fácil do que se imagina. Pensemos, por exemplo, em decisões liminares, autorizando que construtoras procedam a derrubada de árvores, negada pelos órgãos ambientais, proferidas na véspera de um feriado. Antes mesmo que o Estado saiba e possa recorrer, a vegetação vai embora e se perde o objeto. Melhor apurar casos como esse que apontar o dedo indistintamente.

O erro de Barbosa é generalizar suspeitas, fazendo parecer que todos ou a maioria dos juízes e advogados são desonestos. Este caminho é fácil porque, em erro primário, repetimos que o grande problema de tudo é a "impunidade" e os "níveis alarmantes" de desvios. Segundo este pensamento simplista, a solução para tudo seria mais penas e penas mais severas. O herói seria aquele que parece mais duro e intransigente na luta contra os malvados. O maior legado que Joaquim Barbosa e Eliana Calmon poderiam deixar para a justiça brasileira seria o aprendizado, pelos juízes, de como é inadequado um julgador tendente à acusação.

Desta forma, seguimos nos limitando à caça de problemas conjunturais e esquecendo completamente a estrutura. O que há de mais pernicioso na justiça não são as amizades, nem os casos de corrupção. Muito piores são a estrutura ritualística, que faz do processo um labirinto. São as vestes que transformam os juristas em semi-deuses. É a linguagem pernóstica (que não tem nada a ver com técnica) que torna os conteúdos das decisões e das petições enigmáticas. É, principalmente, a distância entre a justiça e os pobres, que gera a incompreensão das suas famílias pobres, suas casas pobres, suas ocupações pobres, seus vocabulários pobres, suas educações pobres, suas aspirações pobres, suas perspectivas pobres para o futuro e as soluções pobres que precisam encontrar para suas tragédias. O que temos de pernicioso não é um sistema de justiça corrupto e sim um sistema de justiça elitista.


Um comentário:

  1. Rafito! Não conhecia seu blog, fantástico!

    Concordo em genero, numero e grau!

    Beijos, Lorens

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