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terça-feira, 1 de maio de 2012

Cotas. Desafio para os seus opositores.

Finalmente, parece que acabou a polêmica das cotas. Foram 10 anos de discussões, em que alguns argumentos básicos surgiam e eram derrubados. 10 anos que serviram para a maturação e aprofundamento das reflexões e para demonstrar como muitas das teses escondiam racismos, elitismos e arrogâncias, cultivados inconscientemente.

O primeiro argumento era o de que cotas não resolvem o problema e que o correto é investir na educação básica, para que todos tenham chances iguais de chegar à universidade, independente de cor ou classe social. Um argumento interessante, válido, mas também simplificador. Não haveria exatamente igualdade de condições se uns, além da escola pudessem fazer cursos de inglês, espanhol, etc. e outros, além de não poderem, ainda precisassem trabalhar. Também não se enfrenta a questão do "e enquanto não melhora e a melhora não produz efeitos o que se faz?". Mas, repito, é importante pleitear a melhora na educação.

O segundo argumento era de que seria ferida a "meritocracia", ou seja, o sistema que premia aquele que demonstrou mais méritos. A primeira revelação deste argumento das classes médias e altas é a sua arrogância e, novamente, ingenuidade. Ocorre que em um sistema verdadeiramente meritocrático, as pessoas disputam em condições iguais. É completamente incompatível, só para começar, com o direito de herança. Afinal, que mérito alguém tem por nascer filho de rico? Mais sobre ele, depois.

O terceiro argumento é o de que não existe racismo no Brasil e suas ramificações, como "a biologia comprovou a inexistência de raças" e "ninguém sabe quem é preto ou branco no Brasil" . De tão ridículo, não é necessário falar sobre ele.

O quarto argumento era o de que as cotas criariam o ódio racial nas faculdades. Passados 10 anos, sem incidentes, evaporou.

O quinto argumento era o de que as cotas deveriam ser sociais e não raciais. Do contrário, criaria-se uma situação de injustiça, pois o branco pobre seria discriminado. Nesse caso, faltou amadurecimento, para perceber que cotas sociais e cotas raciais, apresentam finalidades distintas. As primeiras procuram favorecer indivíduos, fornecendo uma assistência, para que cheguem à universidade. As segundas almejam favorecer que uma determinada raça (uma coletividade), usualmente associada a profissões subalternas passe a exercer atividades com maior prestígio social. No Brasil estas raças são a indígena e, principalmente, a negra.

Ao optar pelo critério raça, basicamente, governos decidem que um percentual do que gastavam simplesmente em universidades, será gasto, ao mesmo tempo, em universidades e em combate ao racismo. Claramente, as cotas sociais se assemelham a caridade, enquanto as raciais têm objetivo político coletivo. A insistência de classes média e alta na defesa das primeiras, demonstra a aceitação de mitigação da "meritocracia" para políticas assistencialistas e individuais, mas não para questões grupais.

O sexto argumento era o de que "eu não posso ser obrigado a pagar pelo que foi feito há séculos. Não tenho culpa da escravidão". Aqui existe uma confusão com as frequentes referências pelos defensores das cotas raciais da expressão "reparação". Mas, também há uma dose de elitismo naturalizado. Acontece que nenhum candidato a ingressar na faculdade está pagando nada, simplesmente porque eles nunca tiveram direito às vagas que julgam estar perdendo. O governo resolveu que as vagas utilizadas exclusivamente para educação superior foram reduzidas porque quer investir no combate ao racismo, assim como poderia reduzí-las porque quer investir em saúde, ou porque quer pagar juros de dívidas com o FMI.

 O sétimo argumento era o de que o filho dos negros ricos estariam em vantagem. Ocorre que nada impede que as duas modalidades (cotas sociais e raciais) sejam associadas, aliás, como estão sendo. Assim, só participariam da disputa os negros pobres. Mas, segundo os objetivos das cotas raciais, não haveria nenhum problema em que os negros ricos fossem favorecidos (lembrando que não são). O que importa são mais negros nos postos de prestígio e não a situação econômica dos seus ascendentes.

Indo além, voltando à "meritocracia", se o fato de uma família em cujo tronco estão senhores de engenho oferece melhores condições de disputa aos seus filhos é tido como válido, o que dizer de uma família em cujo tronco estão escravos? Pelos critérios estranhos das nossas avaliações de méritos, nada mais justo que o filho de Pelé sair na frente.

O oitavo argumento era o de que o nível das faculdades cairia, com alunos despreparados (mais uma vez é estranho que os defensores desse argumento e da "meritocracia" quase sempre defendiam também as cotas sociais). Novamente, os 10 anos, em que não se verificaram alterações sensíveis nas médias obtidas pelos alunos o fez cair por terra. Parece que a tal superioridade dos universitários de então era só mais uma arrogância.

  Concluindo, as cotas raciais são uma realidade. O desafio dos seus opositores, que tão furiosamente defenderam que as cotas não adiantariam nada, pois o importante era a educação de qualidade para todos é o seguinte: agora que o STF reconheceu a validade delas, que tal continuar agindo com a mesma fúria pelas melhorias na educação? Se acharem pouco, que tal lutar pelo fim do direito de herança, para estabelecer a verdadeira meritocracia?

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