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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pensando e Seguindo 1. Gerivaldo Neiva

Quando criei este blog, queria chamá-lo de "Pensando e Andando". A idéia era propor reflexões e críticas, sobre coisas que parecem impossíveis de mudar, mas sem se permitir parar por causa dos obstáculos. Depois, surgiram obstáculos que eu não esperava, de onde eu não esperava e com armas que eu não esperava. Mas, não paramos.

Infelizmente, o nome não estava disponível e decidi trocar o "andando" pelo "seguindo". Sem querer, acertei na mosca. Eu me arrisquei a escrever uma página na internet, sem entender nada de computação, de tecnologia e de redes sociais. Não sabia o significado de "seguir" alguém no twitter ( nem sabia direito o que era twitter), ou seguir um blog. Na verdade, a idéia de "seguidores" me lembrava messianismo e, por isto, me assustava.

Entendi que o novo assusta até que começamos a compreendê-lo. Imaginem como foi a chegada da geladeira, onde quase não havia água. Com os blogs, o twitter e, agora, o facebook, estou aprendendo muito e muito rapidamente. Conheço e dialogo com pessoas que nunca vi pessoalmente, mas que defendem posições surpreendentes e enriquecedoras. "Seguir" alguém neste novo mundo não é ser liderado, mas se permitir o debate de uma forma inimaginável há alguns anos.

Por tudo isto, iniciarei uma série de reprodução de textos ( ou, quem sabe, vídeos) de blogs que leio. Não são necessariamente os melhores "posts" de lá, mas são alguns que me marcaram, por alguma razão. É uma homenagem a pensadores digitais que me influenciam, me divertem, me emocionam e me questionam. Obrigado aos craques. Vou pensando e vou seguindo.
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O primeiro a ser citado é aquele que, pra mim, melhor domina a linguagem e o espaço dos blogs. Trata-se do juiz da pequena Conceição de Coité, no interior da Bahia: Gerivaldo Neiva. Em primeiro lugar, ele prova que, no novo mundo, você não precisa estar perto do poder para se destacar e fazer valer seus pensamentos. Sem sair de Coité, o cara ( já houve quem pensasse por aqui ser melhor ser chamado de "sentenciado" do que de "cara") fez fama no Brasil.

Em segundo lugar faz análises extremamente inteligentes sobre os diversos problemas que se apresentam. Corajoso, democrático, sensível, cativante  e humano, essencialmente humano.

Dentre as inúmeras crônicas e sentenças que se destacam, fiquei com o seguinte (original aqui):

"

Gerivaldo Alves Neiva *

- Você sabe com quem está falando?
Coitado do interlocutor: será um delegado, um juiz, um promotor? Valha-me Deus!
Esta expressão demonstra, sobretudo, o autoritarismo e a arrogância dos agentes públicos deste nosso país. Muitas vezes, é usada até mesmo por filho, esposa ou parente em grau distante de “autoridade” qualquer. É típica do “país dos bacharéis.”
Eu nunca usei esta expressão, mas já fui tentado algumas vezes.
Certa feita, estava na estação rodoviária de Salvador esperando minha sogra, pessoa idosa, chegar do interior do estado com caixas de preciosidades: rapadura, requeijão, carne do sol e outras iguarias mais. Na época, havia um torniquete que impedia o acesso à plataforma de desembarque, mas havia um portão lateral destinado à saída dos carregadores credenciados que trabalhavam na estação rodoviária.
Vendo minha sogra desembarcar, pedi educadamente ao funcionário que me permitisse entrar por aquele portão: “companheiro, aquela senhora é minha sogra e está precisando de ajuda com aquelas caixas...” Ele nem me deixou concluir: “meu jovem, este portão é só para desembarque...”
Insisti com minha calma costumeira e expliquei que não lhe causaria prejuízo algum, pois entraria apenas para trazer duas caixas até a parte externa e também não causaria qualquer problema para sua autoridade, mas não obtive êxito com meus argumentos.
Nisto, vejo que se aproxima de mim um Sargento da Polícia Militar, devidamente fardado, que havia comandado o destacamento de uma Comarca que eu havia trabalhado. Ao me reconhecer, o Sargento colocou sua mala no chão me saudou com a “continência” e perguntou se estava precisando de alguma coisa.
Tive muita vontade de rir da cara de surpresa do funcionário da estação rodoviária, mas me contive. Com mais humildade ainda, expliquei ao Sargento o ocorrido e este se virou com autoridade militar para o funcionário e disse que ele estava desrespeitando um Juiz de Direito e que fosse ele mesmo apanhar as caixas. Claro que não permiti e eu mesmo fiz questão de ajudar minha pobre sogra que já estava desesperada com a demora.
Na volta, o funcionário me pediu mil desculpas e observou, quase me repreendendo, que eu deveria ter dito logo que era Juiz de Direito e que tudo teria seria resolvido sem problemas. Aceitei suas desculpas, agradeci ao Sargento e fui embora. Deu tempo ainda para ouvir uma pessoa que presenciou a cena comentar: “ah! se eu fosse Juiz de Direito esse guardinha de rodoviária ia ver uma coisa!”
Deixa prá lá... Com diz o ditado: “Deus não dá asa a cobra!”
Outra vez, ainda em Salvador, imprudentemente, cometi uma infração de trânsito. Era uma famosa “roubada”, fazendo um “cotovelo” não permitido, para encurtar caminho e evitar duas demoradas sinaleiras. Nunca tinha feito aquilo antes, mas admirava quem fazia. O problema é que havia um módulo policial na praça logo em seguida à saída do “cotovelo”, mas naquele dia olhei com cuidado e não vi o policial militar de plantão.
Criei coragem e fiz o “cotovelo” com maestria e rapidez. Com mais rapidez ainda, o policial militar que estava do outro lado da rua apitou com força, apontando para meu carro e me fazendo estacionar. E agora? Fazer o quê? Flagrante...
O policial militar aproximou-se bem devagar, com aquela “marra” característica e sotaque “baianês” acentuado: “boa tarde, cidadão, documento do veículo, habilitação e documento de identidade!”
Vi que se tratava de um soldado e não tinha dúvida de que estava errado e que deveria ser punido. Agi com absoluta calma. Cumprimentei o soldado e perguntei se ele já havia multado um Juiz de Direito em sua carreira de Policial. Ele me olhou com surpresa e me perguntou a razão. Respondi então que seria aquela a sua primeira vez e lhe apresentei minha carteira de magistrado.
Não sei descrever a expressão inicial dele: surpresa, raiva, indignação, dúvida... Olhava a carteira e me olhava como se conferindo a fotografia da carteira com meu rosto. Depois de alguns segundos ele me devolveu a carteira e me disse em tom de reprovação: “Até o senhor, doutor? Tudo bem, não vou lhe multar, mas o senhor sabe que cometeu uma infração e que está errado. Pode ir embora, mas não faça mais isso, doutor.”
Agradeci sem graça e me despedi do soldado em péssimo estado moral. Melhor seria que não tivesse me apresentado como Juiz e ser multado normalmente. O comentário do policial me valeu muito mais do que a multa por infração no trânsito. Aquele “até o senhor, doutor?” ficou repercutindo em minha cabeça por vários dias.
Claro que já vivi outras situações, mas depois desses dois episódios entendi, primeiramente, que não tenho uma estrela na testa me identificando como Juiz de Direito e que o funcionário da estação rodoviária estava apenas cumprindo o que lhe foi determinado e protegendo seu emprego; em segundo lugar, que terminei constrangendo desnecessariamente um policial militar no exercício de sua função e saindo mais constrangido ainda ao me utilizar da condição de Juiz de Direito para me livrar de uma merecida multa de trânsito.
Por fim, passei a agradecer todos os dias ao constituinte que elaborou o artigo 5º, da Constituição Federal: “todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza.”
Conceição do Coité, 16 de novembro de 2008  "

5 comentários:

  1. O "Pensando e Seguindo" jé tem um lugar no mundo dos blogs e Rafson é um Defensor Público que tem o perfeito sentido da importância da Defensoria Pública em um país de pobres e excluídos.
    Receber esta homenagem, portanto, só aumenta a minha responsabilidade de também continuar "pensando e seguindo".
    Muito obrigado, meu caro Rafson.
    Gerivaldo

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  2. Eu gosto muito do blog do Gerivaldo. Mas também gosto muito desse seu. Ambos, em conjunto com o de Alexandre Morais da Rosa, o de Marcelo Semer e o de Rosivaldo Toscano são os meus preferidos.

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  3. Obrigado, Gerivaldo!

    E obrigado anônimo. Embora eu ache que não mereça integrar este seleto grupo, só posso ficar lisonjeado.

    Aliás, vendo os blogs que você indica, lembrei que alguém já disse aqui no blog que eu teria uma frustração por não ser juiz. Na época, disse que não tinha esta vocação e continuo acreditando nisto. Mas, hoje estou certo de que se fosse um magistrado, eu certamente me espelharia nos da AJD.

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  4. Parabéns Rafson, muito bom o seu blog!!! Obrigada pelo espaço concedido para a divulgação da nossa luta pelas nomeações, vocês defensores quem bem sabem o quanto de trabalho existe em prol dos necessitados e o quanto precisam com urgência da nossa ajuda! Obrigada por abraçar a nossa causa! Fomos colegas na UFBA e em breve estaremos juntos na DPE/BA! Abraço, Leila Portugal.

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  5. Oi, Rafito! Só pra registrar: Eu a-do-ro o blog do Gerivaldo! Sou muito fã dele! O cara é mesmo "sujeito-homem", como dizem aqui em São Paulo.

    Bom, descobri seu blog bem no começo e gostei de cara. Tudo por conta dos seus textos porque, meu amigo, o design não era dos melhores (hehehehe). Mas vc está aprendendo rápido!!

    É isso ai. Segue pensando e seguindo e compartilhando tudo com a gente!

    Um grande abraço.

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