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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O Coro das Velhas ( ou 07 ondas)


Manhã do dia 1º de janeiro de 2011. Eu e um primo (na verdade, marido de uma prima, mas parente socio-afetivo) saíamos do mar, em uma praia vazia. Uma senhora, que aparentava seus 70 e poucos anos, gritou:

- Não saiam! Não saiam! Por favor!
- O que houve?
- Eu só mergulhei em 03 ondas. Ainda faltam 04! Se vocês saírem, ninguém poderá me resgatar.

Eu conhecia a história de pular 07 ondas, mas não de mergulhar. De qualquer modo, ficamos por lá. A água batia na minha canela. Ela pulava e quando erguia a cabeça, sempre tinha uma marolinha a uns 5o metros. Em vez de levantar, ela gritava até a marola chegar e jogá-la, às cambalhotas, alguns metros atrás.

Corriamos para acudir e, enquanto a punhamos de pé, ela falava.

-Ai meu Deus! Assim, mata a velha! Só faltam 03!

Assim foi, até o final, quando após os últimos "ai, Meu Deus!, assim, mata a velha", fez o comentário definitivo:

- Mas, que merda de 07 ondas! Não sei quem foi que inventou esta porra!

É isto mesmo, senhora. Ainda que o queiramos pareça simples, temos que enfrentar várias ondas. Ao contrário do que ocorre no mar, elas não vem só da nossa frente, mas de todos os lados. De onde menos se espera pode ser gerado um tsunami, só para matar uma velha teimosa.

Que bom que existem as senhoras que, mesmo sabendo que não evitarão a queda, engolem água, mas não desistem.



O Coro Das Velhas
Sérgio Godinho


Ia eu pelo concelho de Caminha
quando vi sentada ao sol uma velhinha
curioso, uma conversa entabulei
como se diz nuns romances que eu cá sei

Chamo-me Adozinha, disse, e tenho já
os meus 84 anos, feitos há
mês e meio, se a memória não me falha
mas inda vou durar uns anos, Deus me valha

Com esta da austeridade, meu senhor
nem sequer da para ir desta pra melhor
os funerais estão por um preço do outro mundo
dá pra desistir de ser um moribundo

Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?

Cá se vai andando
c'o a cabeça entre as orelhas

Não sei ler nem escrever mas não me ralo
alguns há que até a caneta lhes faz calo
é só assinar despachos e decretos
p'ra nos dar a ler a nós, analfabetos

E saúde, eu tenho p'ra dar e vender
não preciso de um ministro para ter
tudo o que ele anda a ver se me pode dar
pode ir ele p'ro hospital em meu lugar

E quanto a apertar cinto, sinto muito
Filosofem os que sabem lá do assunto
Mas com esta cinturinha tão delgada
Inda posso ser de muitos namorada

Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?

Cá se vai andando
c'o a cabeça entre as orelhas

E se a morte mafarrica, mesmo assim
me apartar das outras velhas, logo a mim
digo ao diabo, não te temo, ó camafeu
conheci piores infernos do que o teu

Rabugenta, eu? Não senhor
eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?

ps: tem uma versão de Zeca Baleiro, com o próprio Sérginho Godinho, mas não achei o vídeo.
ps2: pulei 07 ondas. É melhor não arriscar.

2 comentários:

  1. Rsrsrsrs Muito bom, Rafson! Qdo vi o título do post, no meu blog, logo lembrei dessa música do Zeca Baleiro, mas sinceramente não pensei que tivesse a ver... estorinha singular, né?
    Gde abraço. E tudo de bom em 2011!!

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  2. Hehehe! Divertida a música, não é Ivana?

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