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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal!


Para celebrar o natal, uma "sentença" de um juiz muito bom. No interior da Bahia foi decretada e revogada a prisão provisória de Papai Noel, vulgo Bom Velhinho. (O original está aqui.)

"Sobre a prisão de Papai Noel, passo a decidir...
Que a pena, considerada em si mesma, nada tem a ver com a idéia do direito, prova-o de sobra o fato de que ela tem sido muitas vezes aplicada e executada em nome da religião, isto é, em nome do que há de mais alheio à vida jurídica.
(Tobias Barreto, Fundamentos do direito de punir, p. 649-650)

Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá.
(Milton Nascimento e Caetano Veloso - Paula e Bebeto)

Como já dizia o pessoal do Cordel do Fogo Encantado, “ai se sêsse” verdade este meu poder de julgar Papai Noel! Pois é, não é verdade e nem eu gostaria de assumir tamanha responsabilidade. Tudo não passa de uma brincadeira. O começo foi em 27 de dezembro de 2008, quando me senti profundamente incomodado com o consumismo no Natal e, para extravasar, resolvi “decretar” a prisão preventiva do Papai Noel. (Confira...)
Para minha surpresa, este ano, em 30 de novembro de 2010, sem que tivesse sido ainda cumprido o mandado de prisão preventiva e quando nem mais me lembrava do episódio, recebi uma petição, via correio, subscrita pelo advogado Siviriano Dionísio Gonçalves (OAB-Ba.), requerendo, formalmente, a revogação da prisão preventiva de Papai Noel.
Na verdade, “sem querer, querendo”, como diz o “bobão” Chaves, a intenção era exatamente proporcionar um debate virtual sobre o sentido do Natal, enquanto celebração do nascimento de Cristo, a figura do Papai Noel e o consumismo desenfreado à custa da data maior para o mundo “católico ocidental”, que por mera coincidência (?) é mais ou menos o mesmo mundo “capitalista ocidental”.
Penso que o objetivo foi alcançado. Recebi dezenas de e-mails e outras dezenas de manifestações pelo twitter e facebook. Este fato, aliás, é uma demonstração clara do poder de comunicação da Internet. Às vezes tenho dúvida se já estamos cientes disso!
Pois bem, lendo as mensagens que recebi, ficou parecendo que dentro de todos nós mora um Juiz e que nascemos – ou fomos condicionados a isso? - com um forte desejo de julgar os outros, de dizer o certo e o errado a partir de nossas próprias convicções.
Este, portanto, é o primeiro aspecto que gostaria de abordar: por que sentimos tanto desejo de julgar os outros? Antes que respondam, pergunto novamente: e quais os parâmetros que adotamos nesses nossos julgamentos? Os nossos? E como adquirimos esses “nossos” parâmetros?
Feita a reflexão, quero agradecer a todos que se empenharam nesta difícil tarefa de Julgar Papai Noel. Li, por exemplo, o comentário do advogado Geraldino Lima quando da primeira postagem, e voltei a me emocionar: “Não o conheci porque até meus 12 anos morei na roça. E ele não anda em casa de menino pobre da roça. Lá também não se fazia nem recebia carta. Não tinha rádio nem TV. Brincávamos de "cavalo de pau", carrinho de lata velha de goiabada. Os búzios grandes da caatinga viravam bois; os pequenos, ovelhas. As ossadas dos animais mortos, desossadas pelos urubus e cães famintos e esterilizadas pelo sol causticante permitiam-nos adquirir verdadeiros rebanhos... Éramos felizes assim! Sem saudades, apenas lembranças! Mas vim para a cidade grande. E aqui, ele enganou meus filhos!!!”
Agradeço de coração ao promotor de justiça, meu amigo Raimundo Moinhos, que entrou na “brincadeira” e nos ofereceu um eloquente parecer pela manutenção da prisão preventiva de Papai Noel. Da mesma forma, registro o meu agradecimento ao advogado Siviriano Dionísio Gonçalves (OAB-Ba.), que assumiu, mesmo sem procuração nos autos, a causa da libertação de Papai Noel.
Feito isso, o que fazer com o “dito cujo” Papai Noel?
Primeiro, antes da decisão propriamente dita, precisamos desmistificar esta onda de “sentença” como “sentire”, ou seja, a sentença como se fosse apenas a manifestação subjetiva e imparcial do Juiz (o resultado do seu “sentimento”), diante dos fatos. Não, não é nada disso! Na verdade, a sentença pode até ser o “sentire”, mas não há como este sentimento ser neutro e imparcial. O Juiz neutro e imparcial é um Juiz que não existe. O Juiz é pessoa humana, tem uma história, um lugar no mundo, “pré-conceitos”, “pré-juízos” e seu julgamento reflete exatamente isto. Então, mais do que o “sentire” neutro e imparcial, a sentença do Juiz é o reflexo do seu pensar sobre o mundo.
Sendo assim, a depender do julgador, é possível prever o julgamento para o caso que lhe foi apresentado? Sim, parece lógico. Ora, mas todos os juízes não devem decidir de acordo com a Lei? É verdade também. O detalhe é que existe algo mais entre o fato a ser julgado, a lei e o Juiz, ou seja, como cada Juiz irá estabelecer o diálogo entre o fato e a lei, buscando a realização da Justiça. Mediar este diálogo é a tarefa da hermenêutica.
Significa dizer, concluindo e fechando esta introdução, que o caso pode ter várias decisões a depender do Juiz. Será? Pense: mas se existisse um paradigma único para todos os julgamentos, a exemplo da principiologia da Constituição Federal, seria possível ter dois julgamentos diferentes para o mesmo caso? Parece que não. Ou não?
Antes dessa resposta, outra questão importante me parece ser refletida: mas o que é mesmo uma conduta criminosa, ou seja, é o crime quem cria a lei ou, ao contrário, é a lei quem cria o crime? Quem, efetivamente, é o criador? E quem a criatura?” Paulo Queiroz responde esta charada da seguinte forma: “É a lei, portanto, que cria o crime, é a lei que cria o criminoso. Numa palavra: crime é só o que o legislador diz que é”.
Vamos deixar de lado esta filosofia (barata) do Direito e vamos ao que interessa.
Antes disso, e agora definitivamente mesmo, devo ressaltar que depois dos 40 de idade e dos 20 de magistratura passei a adotar o princípio defendido por Raul Seixas: “eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...”
Por fim, como se pode perceber, dependendo da compreensão dos fatos e dos olhos de quem vê o caso, pode-se decidir pela manutenção ou pela revogação da prisão preventiva de Papai Noel. O problema – ou solução -, como dito antes, é a vinculação de qualquer das duas decisões ao paradigma constitucional.
Antes, observe-se que no nosso ordenamento, segundo o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
No caso, a prisão preventiva foi decretada sob o fundamento da garantia da ordem pública e econômica. De outro lado, os argumentos piedosos da defesa não descaracterizaram os motivos reais da decretação da preventiva, que a meu ver ainda subsistem. Sendo assim, portanto, sem fato novo e sem prova do afastamento do perigo à ordem pública e econômica, a prisão deve ser mantida.
Entretanto, como tenho defendido ultimamente, “a liberdade é o princípio; a prisão, a exceção.” Por conseguinte, é possível analisar o caso sob outro ângulo, mesmo que não seja sob o manto da pura dogmática, do positivismo jurídico e de como estamos acostumados a pensar o Direito. Será o que chamam de Direito Alternativo?
Sendo assim, assumindo minha “metamorfose ambulante”, também ouvindo a “rua gritar Dionísio”, como ouviu antes de todos nós meu amigo Luis Alberto Warat e nos convidou para “carnavalizar” o Direito, sem nenhum pudor e sem me sentir obrigado a buscar qualquer fundamentação legal, como se o fundamento da Justiça fosse unicamente a Lei, vou me render à “utopia orientadora” do abolicionismo da pena (Alessandro Baratta) e revogar a decisão que determinou a prisão preventiva de Papai Noel.
Não me iludo, todavia, do quanto pode ser nociva para as crianças de todo o mundo a propaganda consumista em torno da fantasia “Papai Noel”, desvirtuando o natal de Jesus Cristo, mas também não creio que o mundo ficará melhor através de castigos, penas, prisões preventivas, corpos presos, cárceres e medo.
Para ser melhor um dia, o mundo precisa é de liberdade, cidadania, dignidade, solidariedade, alteridade, povo feliz; o Direito “carnavalizado”; quando cada ser humano se encontrar no outro; quando todas as formas de castigos forem abolidas; quando não houver mais fome, miséria e crianças dormindo na rua.
Para tanto,
Vamos precisar de todo mundo
Prá banir do mundo a opressão
Para construir a vida nova
Vamos precisar de muito amor...
Um mais um é sempre mais que dois
Prá melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
(Beto Guedes e Ronaldo Bastos – O Sal da Terra)

Expeça-se o Alvará de Soltura.
Por um Natal sem fome!
Publique-se, registre-se e intime-se.

Conceição do Coité – Ba., 06 de dezembro de 2010

Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito"





Um comentário:

  1. Muito bom se víssemos mais "Gerivaldos" por aí,nas esquinas e nos tribunais da vida, hein?

    Ah! Gostaria de saber como adquirir seu livro. Já tentei no site indicado, twitter, e-mail, sinal de fumaça...e nada!

    Obrigada, Feliz Natal e..."vamos lá fazer o que será" em 2011!

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