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sábado, 4 de dezembro de 2010

Obrigado pelo Benefício.

Me embrulha o estômago participar de audiências em que se julga a possibilidade de livramento condicional. Algumas perguntas que alguns magistrados fazem irritam profundamente. Um exemplo:

"Você é casado? Mas, no papel? Você bebe?"

O que importa se o cara é casado, solteiro, ou enrolado, como diria Gugu Liberato? Vai julgar a organização familiar dele também? E daí se ele bebe? O juiz não bebe? Ah! Mas, claro, ele pode, pois faz parte do seleto grupo dos que sabem beber e têm um nível cultural e moral superior, que permite o auo-controle, sob o efeito do álcool.

Porém, o que mais me enerva é o discurso que vem depois de concedido o livramento. É mais ou menos assim, com meus comentários entre parênteses:

" Olhe, rapaz, apesar do que você fez, eu vou te dar um benefício....
( você vai dar coisa nenhuma, quem deu foi a lei. E não é nenhum benefício, mas um direito dele).

O Estado está te dando uma oportunidade de provar que aproveitou o período de prisão ....
(aproveitou o período de prisão? Ele estava em um Hotel Resort, ou casa de campo, por acaso?),

que realmente está ressocializado...
(eita palavra que esconde preconceitos!)

e vai se comportar. Veja bem, lhe foram dadas as chances, agora cabe a você arranjar um trabalho digno.

( Foram lhe dadas as chances? Que chances? Prisão em delegacias, estabelecimentos penais inadequados, celas sempre acima da capacidade, sem ofertas de trabalho, ou com ofertas de trabalho ridículos, sem cursos profissionalizantes, ou com cursos ridículos, sem creche, berçario, ou alas para gestantes, sem acesso a hospitais, sem pátios de visita, sem área de lazer, bebendo água que ninguém tem coragem de beber, comendo o que ninguém tem coragem de comer, conseguindo a progressão de regime e o livramento, com muito atraso, ou cumprindo a pena em regime integralmente fechado, submetido a revistas constrangedoras, assim como seus familiares, e a agressões de outros presos ou de agentes, com a complacência silenciosa de todos. Estas foram as chances).

O juiz sabe que os direitos do cara foram desrespeitados, desde a primeira abordagem policial, até a hora que recebeu o livramento condicional. Sabe que as prisões são um ambiente absolutamente degradante, mas, parece querer agradecimentos. Isto se for um juiz mediocre. Se for um juiz muito bom (e estes são raros), sabe que os direitos foram desrespeitados desde que nasceu. O apenado ideal parece ser o personagem central do filme "A vida de Brian". O protagonista, ao ser crucificado, sorri e canta alegremente, pedindo aos seus companheiros que olhem sempre o lado bom da vida.

Não termina aí. Além de ignorar os abusos que o cara sofreu, esquece-se o que ele ainda enfrentará. É mesmo fácil, para um egresso conseguir um emprego lícito? Ele vive sob constante suspeição por todos. E qual a qualificação ele obteve antes e durante a prisão?

Ainda que consiga um trabalho, que emprego será este? Haverá, de fato, uma remuneração digna? Entenda por digna aquela quantidade de dinheiro suficiente para você mesmo (e não sua empregada doméstica) suprir o que crê ser as suas necessidades( afinal, é fácil achar que o outro precisa, naturalmente, de menos que nós). Que confortável dizer que a responsabilidade é dele, não? Demos todas as chances, até ensinamos a costurar bola ou fazer artesanato, mas ele não é um cidadão de bem, como nós, porque não teve disciplina e desprezou as belas oportunidades que a vida apresentou.

Aliás, indo além, se o próprio Estado desrespeita os seus direitos o tempo todo, não é, no mínimo, compreensível que ele ache legítimo desrespeitar os direitos dos outros também? Possivelmente, se vier a cometer um assalto, também vai dizer para a vítima: "olhe, estou te dando uma chance de permanecer com os seus documentos e o benefício de não levar um tiro. Cabe a você aproveitar a oportunidade." O raciocíonio é o mesmo do juiz: "permiti ou causei danos, mas ainda assim, sou muito generoso, pois me abstive de causar prejuízos ainda maiores ,te fiz o favor de respeitar parcialmente um dos seus direitos e quero, portanto, os devidos agradecimentos."

Acredite, a violência acumulada em anos de prisão ( e às vezes, em um único dia) é muito maior que a efetuada em 99% dos assaltos. Se o Estado quer punir, que puna de acordo com a lei. Se não é capaz de cumprir a lei, não puna. Do contrário, será tão ou mais violento que aquele que está sendo castigado. E para terminar, benefício é o caramba!
( a palavra certa no final era outra, mas vá lá. Vamos jogar um baralho.)




7 comentários:

  1. Com toda vênia ao pensamento de V. Exa., temos um outro gume nesta faca. Corretíssimo seu posicionamento quanto a alguns juízes. Noutra opotunidade, uma juíza de uma intrância do interior prolatou sentença em que dizia que "não iria premiá-lo (o réu) com a liberdade", acreditando ela ser a liberdade um prêmio! Pura ignorância não saber que se trata de um direito constitucional, e não um prêmio. Mas o que chamou minha atenção em seu discurso foi "coitadizar" o marginal, fazendo crer que sua marginalização se justifica na falha dos outros (Estado e Sociedade). Esse discurso de culpa já está tão banalizado que os próprios bandidos utilizam-o "descaradamente" em suas defesas. "Perdoem. Não passa de um fruto da sociedade apática Às relações sociais". O certo é que, em meio as coisas boas e ruins, todos nós fazemos escolhas, independente da classe social a qual pertencemos. E dessas escolhas nascem consequencias com as quais temos que lidar e enfrentar, sem passá-la para os outros. Não. A liberdade não é um benefício. Muito menos um prêmio. Mas não entendo como justo sentir pena dessas pessoas. Talvez esteja sendo extremista, mas, em regra, fizeram as suas escolhas. Preferiram andar pelo caminho mais "fácil" a batalhar pela vida.

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  2. Ju- a noiva, certamente as pessoas fazem escolhas. O leque de opções é que varia muito. Para alguns, ele é bem mais restrito. A disposição para perseguir certas opções ilegais também é maior que para outras.

    Por fim, quanto ao caminho mais fácil e batalhar pela vida, como diria Vera Malaguti Batista, são bem difíceis esses ganhos fáceis.

    obrigado pela visita, mas, por favor, não peça venias!

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  3. Me lembrou este trecho:

    É óbvio que há juízes admiráveis como há sacerdotes piedosos. Alguns, todavia, não têm vocação para a magistratura. São recalcados, presunçosos ou psicopatas que nela ingressam como ingressariam em qualquer função pública, buscando privilégios. Interpretam a lei como se ela fosse de borracha e existisse para servir ao carreirismo, à sua vaidade, às suas antipatias ou aos interesses dos amigos ou de sua parentela. Essa falta de vocação também determina a aversão aos livros e, consequentemente, uma tendência a suprir a ignorância com arbitrariedade. (BITTENCOURT, Vinícius. Falando francamente. Vitória: Edição do Autor, 1999. p.30.)

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  4. O DIFÍCIL PAPEL DO JUIZ EM ESPECIAL O DE JUIZ DE EXECUÇÃO PENAL
    Senhor Defensor,

    Na condição de Presidente da Associação dos Magistrados da Bahia – AMAB e em nome de todos os associados que exercem a função judicante na área da execução penal, onde eu própria já exerci a substituição, sinto-me na obrigação de fazer algumas considerações a respeito da matéria postada no último dia 04, sob o título OBRIGADO PELO BENEFÍCIO, onde além de tecer críticas quanto ao método e a terminologia adotada durante audiência de livramento por alguns magistrados, terminologia aliás expressa textualmente no art. 136 da Lei 7.210/84, V. Exa. desmerece a Magistratura como um todo (pois tornou raras as exceções) ao tratá-la com menoscabo e caracterizá-la como distante, alheia, ignorante, como se fosse ela a responsável pela resolução de todas as mazelas e distorções que assolam o sistema desigual que impera em nosso país, em especial no que tange ao sistema de controle social penal.

    O que é contraditório é que V. Exa. apesar de criticar os magistrados por ignorar os abusos e o desrespeito aos direitos do “cara”, digo, do sentenciado, critica-os também por efetuarem perguntas sobre a realidade do ser humano com quem está lidando, na busca de identificar a sua realidade, no contexto do cumprimento das condições legais e restritivas do livramento condicional para, longe de condenar ou julgar a organização familiar do sentenciado, identificar situações individuais peculiares e diligenciar o encaminhamento necessário e possível junto à rede de Assistência Social e Psicossocial pública, no cumprimento do disposto no art. 26 da Lei de Execução Penal, que determina o amparo e apoio ao egresso.

    Esqueceu V. Exa. que é função do Juiz de Direito realizar as audiências de justificação sobre as faltas cometidas que por ventura estejam a obstaculizar o direito ao livramento condicional, apurando todas as circunstâncias que envolvem o sentenciado durante a execução da pena, mas que é atribuição do Conselho Penitenciário, órgão de execução penal vinculado ao Poder Executivo, a incumbência legal de realizar as cerimônias de livramento condicional e de supervisionar a assistência aos egressos e supervisionar os Patronatos, órgãos responsáveis por colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional.

    Esqueceu-se, também, dos esforços que o Judiciário tem feito, através de projetos como, por exemplo, o “Começar de Novo”, no sentido de instar o Executivo e a sociedade civil ao cumprimento da lei no que tange à capacitação e colocação do egresso no mercado de trabalho, com a celebração de vários Acordos de Cooperação Técnica, inclusive com a Defensoria Pública do Estado da Bahia.

    Esqueceu-se ainda, V. Exa., que é dever funcional do Defensor Público, enquanto órgão de execução da Defensoria Pública, instituição essencial à administração da justiça, zelar pelo prestígio desta mesma justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções, de sorte que o tom jocoso utilizado na matéria fugiu ao mero sentido salutar da crítica e da discordância normais, tendo antes a função de deslustrar e desacreditar o trabalho árduo de juízes que utilizam nomenclatura “benefício” que, embora possa estar defasada sob a luz de uma hermenêutica contemporânea, continua vigente na legislação que rege a matéria.

    Não basta “embrulhar o estômago”. Melhor remédio é o exercício pleno das funções institucionais asseguradas pela Lei Complementar 80/94, principalmente, a promoção de ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar o adequado funcionamento do sistema prisional. Afinal de contas, diferentemente dos juízes, os Defensores têm legitimidade para tanto. É preciso ação responsável e eficiente.

    Nartir Dantas Weber
    Presidente da Associação de Magistrados da Bahia

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  5. Deu para perceber um "leve" despeito, uma inveja "sutil", do autor do artigo em relação aos Magistrados! A forma um tanto iracunda como se refere a estes, a utilização de expressões de muitíssimo baixo calão e o desejo de lhes pautar o comportamento em audiências bem revelam isso. Será que não logrou êxito em algum concurso para a Magistratura e, agora, quer destilar sua ira naqueles que queria ter por colegas? Veborrágico defensor, se tem a pretensão de conduzir uma audiência, fazer as perguntas que entender cabíveis, conceder "direitos", não "benefícios" (que irresignação tola), convidar o apenado para tomar uma cervejinha ao invés de lhe dar um "esporro" ou conselho, preste o concurso para Juiz de Direito (pelo que vejo, sua real vocação) e o mais importante, alcance a aprovação. Poderá, assim,mesmo diante de provas incontestes da autoria e materialidade de um crime, absolver todos os "coitadinhos", sob o fundamento de que, diante da crueldade que a sociedade lhes despeja, outra não poderia ser a sua conduta (a chamada inexigibilidade de conduta diversa). Mais: ao invés de conceder o benefíc..., digo, o DIREITO do livramento condicional aos condenados, poderá extinguir a execução de todos eles, reparando o imenso mal que o Estado lhes fez, restituindo-lhes a dignidade. Deixe as mágoas e os rancores de lado e vá em busca de seu sonho, meu amigo!!! Tente outra vez!

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  6. Caro anônimo, nunca fui reprovado em concursos para a magistratura e nem acredito que tenha tal vocação, mas talvez seja um sonho inconsciente mesmo. Obrigado pela dica.

    Da próxima vez que criticar, peço que assine seu comentário.É mais bacana assim.

    abraços

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  7. Sou advogado no Estado de São Paulo e o que acontece no Nordeste acontece também por aqui. Acredito que o nobre Defensor teceu críticas interessantes sobre o comportamento de alguns magistrados. Realmente alguns avançam sobre sua competencia e extrapolam a mera aplicação do Direito. Não é raro juiz dando lição de moral em réu, principalmente na área criminal. Como também não é raro juiz manifestando sua posição tal qual um parquet. O juiz é humano e imparcialidade não é uma virtude inerente a nossa espécie. O juiz, em que pese o discurso dos orgãos de classe, não vai perder sua noite de sono preocupado com o que o liberto está fazendo com seu "prêmio", isto é hipocrisia. Então, estes dez minutos posando de Deus nas audiências é dispensável. Por outro lado não há como dizer que um criminoso é mero fruto da desigualdade social. Evidentemente em um ambiente de miséria a tentação para o crime é maior do que em uma vida confortável, mas a marginalidade na miséria é uma exceção e não uma regra, visto que a maioria dos desvalidos optam por um caminho nos limites da lei. A toda ação deve haver uma reação sim, é evidente, porém é elementar que a pena deve ter como principal fim a ressocialização, o que não ocorre atualmente. Porém, é evidente também que não há como eliminar a pena privativa de liberdade em face da inércia estatal quanto a condições para seu cumprimento, infelizmente a prisão ainda é um mal necessário, mesmo desvirtuando a pena de correção para mera punição, mero afastamento do criminoso da sociedade (Inimigo, Her Jakobs). O ideal seria o magistrado ter consciência dos limites de sua função, da submissão ao interesse coletivo, ao Direito e o Defensor ter consciência de que seu papel é garantir a aplicação deste Direito, com as garantias mínimas, mas ciente de que nem sempre seu assistido é apenas um Bode Expiatório da sociedade e sim alguém que praticou um ato contra sociedade e deve receber a resposta do Estado. Quanto a lastimável situação carcerária a Defensoria e o MP possuem o instrumento necessário para combater este flagelo: a Ação Civil Pública. Porém, é mister também suscitar que muitos magistrados, por despreparo ou preconceito, acreditam que não há como interferir nas políticas governamentais, e, acreditem, até a Reserva do Possível usam como fundamento para afastar a obrigação do cumprimento da LEP. A pena é necessária e deve ser digna, mas na prática estamos distantes desta Utopia. Que a Magistratura, a Defensoria e o Ministério Público se livrem de preconceitos, rixas, picuinhas e dialoguem no sentido de apenas cumprirem a LEP, sem discursos moralistas, sem sermões inoportunos, sem complexo de Deus ou satanização da sociedade como a fonte de todos os males. Nem falo da OAB, pois sinceramente ando decepcionado com os rumos da Ordem e a situação de penúria da advocacia, por isto que como operador do Direito gostaria que as instituições previstas na LEP cumprissem a lei, pois na teoria é uma legislação interessante para os fins da ressocialização do criminoso. E parabéns pelo espaço democrático para o debate.

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