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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Gritos e Harmonia.



O Brasil sempre teve índios. Em um certo tempo, passou a ter brancos. Depois, foram trazidos os pretos. Como o sangue é quente e a carne é fraca, aconteceram misturas, afinal, sempre houve homens e mulheres. Mas, também existiram sempre pessoas que gostavam do mesmo sexo, que gostavam do sexo oposto e que gostavam de qualquer sexo. Desde o início, havia pessoas com mais ou menos riquezas, mais ou menos poder. Logicamente, depois da chegada dos brancos isto aumentou. Todos sempre conviveram e ninguém discorda. Algo, porém, tem mudado.

Especialmente, desde o século passado, a cada dia, mais negros e índios reclamam de racismo. Mais mulheres reclamam de machismo. Mais homossexuais reclamam de homofobia. Mais pobres reclamam da desigualdade social. Além disto, alguns brancos apoiam as outras cores, alguns homens apoiam o outro gênero, alguns heterossexuais apoiam as outras orientações e alguns ricos apoiam a outra classe. Tem gente incomodada. Afirmam que quem está reclama está dividindo o país, jogando brasileiros contra brasileiros. É uma conclusão possível, desde que se acredite que antes das queixas, todos não apenas conviviam, mas, conviviam em harmonia.

A relação entre as coisas, a consciência delas e as palavras é complexa. É possível carregar por anos uma enfermidade sem saber da sua existência. Apenas depois de ter consciência dela, seremos capazes de nomeá-la e, principalmente, enfrentá-la. A nossa ignorância em relação à bactéria não ajudava a resolver o problema e nem evitava a morte que viria, mas evitava a angústia de encarar os fatos.Talvez, estejamos passando por isto. Quem nunca teve sensibilidade para enxergar o racismo, o machismo, a homofobia e as desigualdades está assustado por lhe apontarem a existência do mal, ou pior, por lhe apontarem como parte do mal.

A Copa do Mundo realizada no país, pode ilustrar essas condições. Os interessados em aproveitar o evento para namorar gringas sonhavam com as holandesas e não com as marfinenses ou as paraguaias. Apenas homens, aliás, podiam contar aos pais que desejavam conquistar o máximo de estrangeiras. Se mulheres dissessem o mesmo, haveria crise familiar. As ofensas cantadas nos estádios quase sempre envolviam o bumbum do alvo. Chamar alguém de heterossexual é xingamento? Quanto às classes, nem precisa dizer quem podia comprar ingressos.

Brancos sempre foram os belos. Pretos e índios sempre foram os presos, os agredidos e os mortos. Homens conquistam, mulheres são pegas, ou agredidas e mortas. Heterossexuais se orgulham, homossexuais se escondem para não serem agredidos ou mortos. Ricos vão para a Copa ver jogos, pobres vão para a Copa trabalhar, ou são presos, agredidos e mortos. Tudo está tão entranhado na nossa cultura, sendo transmitido de pai para filho há tantas gerações, que consegue parecer invisível. Esta capacidade só as torna as diferenças ainda mais cruéis. 

Reconhecer os próprios preconceitos e as consequências deles é o primeiro passo para enfrentá-los. Mas, não basta. É preciso combatê-los. Lutar contra o racismo, o machismo, a homofobia, a exploração não dividem nada. Nunca existiu harmonia nenhuma. O que houve foram séculos de silêncio e silenciamento. Caso fingir que as chagas não existem resolvesse algo, não haveria mais qualquer uma delas. Silêncio e silenciamento nunca contribuíram para evitar qualquer discriminação, mas apenas para encobrir o sangue que corria. Calar incentiva a conservação das diferenças. Gritar é o único modo de acabar com elas.



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