Em Conceição do Araguaia, interior do Pará, um menino negro brincava de bola. Baixinho, gordinho e muito veloz, fugia facilmente dos outros garotos. Era tão bom que os campos de terra não o segurariam por muito tempo. Logo, alguém o levou para disputar torneios mais sérios, nos quais, quem sabe, viraria profissional. Deixou a família e mudou-se para a capital do país, para jogar no Brasiliense.
No Planalto Central, continuava fazendo gols, mas começou a beber, ou, pelo menos, começou a beber demais. Além do consumo abusivo de álcool, desagradava os patrões porque vez ou outra "fugia" de volta para a cidade natal. As duas atitudes não convencionais fizeram com que deixasse de ser um garoto com qualidades, defeitos e história. Doravante era simplesmente um indisciplinado. Na primeira oportunidade, os chefes o mandaram para o oriente, livrando-se do incômodo.
Depois de dois anos, voltou para as terras candangas e, desta vez, chamou a atenção de um dos clubes mais tradicionais do Rio de Janeiro. Mudou-se para a cidade maravilhosa, para defender o Botafogo, equipe que tem como maior ídolo da sua história, uma pessoa que tinha as pernas tortas e sofria de alcolismo. Quando chegou, o time estava muito mal. Já se dava como certo o rebaixamento, mas, os dribles e gols do garoto o salvaram. O Brasil descobriu o menino e ele foi transferido para o Cruzeiro, de Minas Gerais.
Infelizmente, nem chegou a jogar, em Belo Horizonte. O teste de doping apontou o consumo de cocaína, pelo atleta. No início, ele negou, mas depois o menino, então com 21 anos confessou que usara uma droga ilícita. Não foi, porém, a cocaína em pó, mas o temido crack, a droga que dizem ser feita da raspa do chifre do diabo. Ninguém compreendia como um jogador de futebol que começava a ter sucesso poderia usar uma substância tão nociva, que, segundo a publicidade irresponsável sempre leva o usuário à cadeia ou ao caixão.
O Tribunal de Justiça Desportiva o condenou a 02 anos de suspensão, período em que não poderia exercer a profissão. Posteriormente, a pena foi reduzida para 06 meses. O Cruzeiro não quis mais saber dele, mas o Botafogo deu nova oportunidade. Algumas vezes, contudo, mesmo não estando contundido, era afastado da equipe. Embora ninguém tenha dito expressamente, todos entendiam que o clube o afastava para evitar uma nova acusação de doping, porque ele teria voltado a usar crack.
Sem mais paciência, os cariocas o "emprestaram" para outro time mineiro, o Atlético. Desta vez, o jogador não quis permanecer em Minas Gerais. Declarou que estava sendo tratado como maluco ou como doente e não gostava desta condição. Quis voltar ao Rio, mas o time da estrela solitária não o aceitou de volta. Era mal visto por todos, parecia acabado. Ninguém queria apostar em quem usou uma droga que "vicia no primeiro uso", que "não tem escapatória", que marca quem a utilizou como eterno marginal.
Uma nova equipe, porém, olhou para o menino e não viu o crack, mas um craque. Contratado pelo Bahia, ele foi bem recebido no nordeste. A diretoria e o treinador disseram que confiava nele. Ele, por sua vez, afirmou que faria exames de sangue semanalmente. Os torcedores ficaram divididos. Na verdade, queriam muito que desse certo e tentaram apoiá-lo, mas tinham bastante medo de que desse errado.
A estréia em casa foi diante do Flamengo, de Ronaldinho Gaúcho. O estádio estava completamente lotado. Era o retorno da equipe à primeira divisão, após 07 anos. O time, assim como o craque, precisava voltar a confiar em si mesmo e provar que ainda era bom. Os baianos fizeram 1x0. Os cariocas empataram. No fim do primeiro tempo, um contra-ataque rápido, o garoto foi lá e fez o 2x1 para o Bahia. Cada vez que ele tocava na bola, o medo era substituído pelo otimismo.
Na etapa seguinte, contudo, os rubro-negros viraram o placar. Para piorar, um jogador da boa terra foi expulso. Com um a menos, a torcida quase desanimou, mas o menino não permitiu. Correndo por dois, ele driblava, marcava, chutava e não desistia. A arquibancada se entusiasmava com as suas jogadas e o entusiasmo dos outros parecia fazê-lo jogar ainda mais. A espiral alucinante continuou até que, aos 46 minutos do segundo tempo, ele teve forças para fazer uma tabela e chutar de esquerda. 3x3! Na comemoração, tirou a camisa e mostrou os músculos, imitando o incrível Hulk. Talvez, quisesse mostrar a saúde.
Jornais e revistas do Brasil inteiro o apontaram como o melhor jogador da rodada. Já era ídolo do Bahia. Todos os torcedores estão confiantes de que, com ele, a equipe terá sucesso no campeonato. Mais importante é que, mantendo o desempenho, o craque será um alento para todos aqueles que usaram crack e se desesperam, achando que não têm saída. Os terroristas vaticinaram que morrerão ou serão presos. Se ele usou e, não só tem saúde, como é um atleta profissional e o melhor jogador do país, naquela rodada, porque os outros estariam condenados a um destino tão trágico?
A batalha, todavia, ainda não acabou. Além do desafio de manter o bom desempenho, o garoto precisa enfrentar um novo julgamento. Teve gente que não concordou com a redução da sua pena e recorreu ao Tribunal Internacional. Querem que ele fique sem jogar por mais 01 ano e 06 meses, para completar o castigo. Parece imperdoável o fato de que o atleta tenha usado uma droga.
O crack é realmente um composto muito destrutivo e com alta probabilidade de causar dependência, embora nem sempre a cause. Não traz, evidentemente, nenhuma vantagem esportiva. O usuário não fica mais forte, mais rápido ou mais resistente. O médico Antônio Nery, especialista no estudo do uso e do abuso das substâncias psicoativas justifica o seu uso pelo fato de que "para problemas poderosos, usa-se uma droga poderosa". Quando o jogador começou a beber, em Brasília, também começou a "fugir", para a terra natal. Talvez, não fossem duas indisciplinas, mas duas consequências de algum problema poderoso. Por traz do riso do artista, costuma se esconder o seu choro.
Uma possível nova suspensão do jogador seria um reflexo da irracionalidade e da crueldade do pânico moral que cerca o problema das drogas. Ele não obteve nenhuma vantagem ilícita, muito pelo contrário. Consumiu uma substância que sugere a existência de graves conflitos internos. Ainda assim, os moralistas querem impor o afastamento da profissão, ou seja, a criação de mais um problema. Eles não estariam livrando ninguém do vício, mas empurrando alguém para lá. É um belo exemplo de profecia que se auto-realiza.
Ninguém pode saber se ele continuará jogando bem. Trata-se de uma pessoa comum, portanto imprevisível. É alguém que teve alegrias e tristezas, que joga bola, que tem dores e amores, que tem preocupações, que tem medos, que procura o melhor meio de escapar das aflições, embora nem sempre o encontre. Ele não pode ser resumido nos perversos rótulos de drogado ou problemático. Para concentrar toda sua complexidade, só uma palavra é adequada, o seu nome: Jobson. Torcer por ele, é torcer contra a insensibilidade.
Jobson, lembre que a cidade toda vai ficar vazia nas tardes bonitas só pra te ver jogar. Joga bola, jogador. Estamos do seu lado.
Parabéns pelo texto. Se já é difícil quebrar o tabu da maconha, imagina o do crack! Nós torcedores temos que apoiá-lo, principalmente, não estigmatizando-o!
ResponderExcluirabraços
João Victor
Belo texto, Rafson! Lindo gol, Jobson! Bjaum pros 2.
ResponderExcluirJobson é o cara!
ResponderExcluirÓtimo texto Rafson...quando falou dos insatisfeitos que recorreram a FIFA para Jobson ser mais punido, acho que vai ser uma injustiça se for condenado, não entendo esse fascínio das pessoas por punir os atos e esquecem do real objetivo de incentivar a recuperação da pessoa. Sem falar que estamos falando de drogas, ou seja, ele devia ser tratado como um paciente, dando chance a sua recuperação que está acontecendo no "Bahêa", isso é fato!
BBMP!!!
Abraços, Pedro Braga