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domingo, 29 de maio de 2011

A Marcha da Maconha

Todos os anos, algumas pessoas têm organizado reuniões pacíficas, sem armas, em locais abertos ao público, sem entrar em conflito com outras reuniões pré-convocadas para o mesmo local, comunicando previamente as autoridades competentes, para manifestar o pensamento de que desejam a descriminalização do uso, da produção e da venda da maconha.

No parágrafo anterior, praticamente transcrevi os incisos XVI e IV do artigo 5º da Constituição, aquele famoso que fala dos Direitos Fundamentais e que não pode ser revogado nem por emenda constitucional. Todavia, em várias cidades, como Campinas, Salvador e São Paulo, juízes ou desembargadores, normalmente atendendo a pedidos de promotores têm proibido aquelas reuniões chamadas “Marchas da Maconha”. Os argumentos costumam ser de 03 ordens: a) proteção à saúde, b) relação com ou prática de crimes e c) local inadequado.

A proteção da saúde seria necessária porque a maconha é uma substância nociva, com “grau elevado de dependência psicológica”, ou simplesmente porque se deve proteger a “saúde pública”. É estranho falar em elevado grau de dependência psicológica da maconha, em um país em que o álcool é liberado e estimulado socialmente. Quantos pais (masculino) não se sentem orgulhosos, quando tomam uma cervejinha, com o filho (masculino) adolescente? Possivelmente, os pais dos julgadores e promotores agiram assim com eles e eles próprios fizeram o mesmo com seus filhos.

Impedir o consumo individual de uma droga porque ela causaria risco à saúde pública também não faz nenhum sentido, a menos que exista o temor de uma epidemia de consumo de substância nociva à saúde. Mas, pensando assim, precisaríamos proibir o álcool, o tabaco, a Coca Cola, o Guaraná Antarctica, o torresminho, o acarajé, o McDonalds, etc. Por que somente a erva é maldita?

Mas, esqueça os dois parágrafos anteriores. Ainda que aceitemos os argumentos judiciais, eles não se referem à marcha, mas sim à própria legalização. Uma hipotética marcha do veneno, por si só, não poderia envenenar ninguém. O dano à "saúde pública" só apareceria se os manifestantes fossem bem sucedidos e conseguissem a liberação do veneno. Estas razões apontadas pelos magistrados já indicam que eles proíbem as passeatas porque são contrários ao que os manifestantes pleiteam e não porque elas seriam ilegais.

O segundo grupo de argumentos relacionam a passeata a práticas penais. Uns dizem que nas reuniões haverá uso de maconha. Outros dizem que liberar a droga favoreceria o tráfico. Por fim, fala-se que uma passeata pela legalização é, na verdade, uma apologia ao crime.

Os julgadores incrivelmente sabem dos crimes antes que eles se concretizem. Trata-se de um novo princípio jurídico, que substitui a presunção da inocência: a presunção de delinqüência. Presunção de burrice também, pois só um idiota chamaria a atenção de todas as autoridades, para um evento relacionado à maconha, acompanhado pela polícia e pela imprensa, para proporcionar o próprio flagrante.

Há décadas, Bezerra da Silva já dizia para os manifestantes que podiam até apertar, mas não acender agora, pois para fazer a cabeça, tem hora. Além do mais, se as autoridades acreditam que o uso de drogas é um crime tão grave, porque não aproveitam a oportunidade, para capturar esses perigosíssimos e imbecilíssimos marginais que fizerem o consumo em lugar tão “sujeira”.

Mais absurdo neste debate é dizer que liberar a droga favoreceria o tráfico. O tráfico de drogas só existe porque as substâncias são proibidas. Durante a lei seca americana, o gangsterismo girava em torno do tráfico de bebidas. O famoso Al Capone é um exemplo de pérfido marginal que vendia Whisky. Hoje, com cervejinha liberada, aquele tipo de bandido deixou de existir. Deram lugar aos empresários, pessoas admiradas na sociedade, exemplos de sucesso profissional. O fim da proibição foi o fim de toda a malha criminosa que se organizava em torno da droga. Ao contrário do que falam as autoridades, legalizar uma droga é melhor meio de acabar com o tráfico e, possivelmente, o único.

Julgadores e promotores parecem também ignorar a própria natureza da substância objeto das passeatas. A maconha é muito fácil de preparar, pois não requer processos industriais complexos. Qualquer um pode plantá-la em um vaso no apartamento e produzir a sua. Bezerra da Silva também lecionou que basta jogar uma semente no quintal e, de repente, brota um imenso matagal. Se existe uma droga cuja liberação cria dificuldades para os vendedores (inclusive das substâncias concorrentes) é a maconha.

Percebo, porém, que voltei a cair na mesma armadilha. Ainda que se aceitasse, em tese, que legalizar a maconha favoreceria ao tráfico, isto não teria nenhuma relação com as marchas. Esta seria uma conseqüência da legalização e não da passeata. Outra vez, o que foi proibido foi simplesmente que se diga algo que os julgadores são contrários.

Igual contra-senso é afirmar que uma marcha pela legalização seria uma apologia ao crime. É o contrário. Os manifestantes, obviamente, querem que seja possível o uso e o comércio, mas se organizam uma marcha pela legalização, é porque querem fazer isto licitamente. Se tem alguém, de fato, pretendendo diminuir a criminalidade nesta história são os organizadores e participantes do movimento.

O Direito Penal muda, é construído e reconstruído, o tempo todo. Adão e Eva não chegaram ao mundo com a determinação de não usar drogas. Eles até usavam umas folhinhas...Se manifestar pela descriminalização de qualquer conduta jamais pode ser considerado apologia, ou se inviabilizaria a discussão das normas penais.

O terceiro grupo de argumentos é o de que o local é inadequado. As passeatas não poderiam ocorrer porque a praça pública não é o lugar certo, para falar sobre maconha. As discussões seriam apropriadas apenas para universidades e assembléias legislativas, por exemplo. Assim, os julgadores contam que não proíbem a liberdade de expressão, mas apenas a colocam no seu devido lugar. Este argumento tem o mérito, porém, de reconhecer que se pretende, de fato, limitar os debates.

Onde a Constituição diz que é permitida a reunião pacífica em local público, os julgadores acrescentaram: “menos, para falar sobre a legalização da maconha”. Segundo eles, se alguém quer discutir este tema, que estude, entre em uma universidade e escreva dissertações e teses. Ou então, filie-se a um partido político, candidate-se e seja eleito. Não é assunto para Zé povinho, não.

É fácil notar que todas as razões apresentadas pelos julgadores são inconsistentes e visam simplesmente impedir a discussão do tema que os assusta. A face autoritária é nítida quando se percebe que as decisões proibitivas quase sempre saem, por uma grande coincidência, na véspera das marchas. Assim, não há tempo para recorrer às instâncias superiores.

A prática de proibir em cima da hora deve ser destacada porque pode comprovar outra vez que se trata sim de cerceamento da liberdade de expressão. Ou existe uma grande conspiração do universo, para que as manifestações não aconteçam, ou alguns julgadores, propositadamente, para impedir a discussão do assunto, traçam uma estratégia covarde que impede a revisão das suas sentenças. Em qual você acredita?

Talvez, isto ocorra porque todas as pesquisas sérias sobre a famosa “guerra ao tráfico”, que tanto orgulha alguns juízes e promotores, nunca foi capaz de reduzir o consumo, mas superlotou as prisões e criou grupos e carreiras criminosas. Se a marcha for bem sucedida, promotores e julgadores, que acreditavam salvar a sociedade, perderão o chão. Será o reconhecimento público de que o que mais  as Varas de Tóxicos produziram na sua história foi sangue.

Finalizo com uma má notícia para os agentes da repressão. Em relação, à maconha, ninguém mais acredita no seu discurso. Até mesmo a polícia cansou de cumprir cegamente determinações judiciais autoritárias, como se viu em São Paulo, no histórico 28 de maio de 2011. O Tribunal de Justiça proibiu a marcha, mas mesmo assim a PM, em um grito de liberdade a permitiu. Seria falso eu dizer que sinto muito, mas vocês já perderam, proibicionistas.





4 comentários:

  1. Obrigado por trazer um pouco de raciocínio lógico, articulado e fundamentado para essa discussão!

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  2. Rafson,

    O STF decide, por unanimidade, que ato por legalização de drogas é liberdade de expressão e libera Marcha da Maconha...vide o link: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/06/15/stf-decide-que-ato-por-legalizacao-de-drogas-e-liberdade-de-expressao-e-libera-marcha-da-maconha.jhtm

    abraços, Pedro Braga.

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  3. Antes tarde do que nunca, Braga.

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