Quem conhece um pouco da cidade de São Paulo nota como é vantajoso morar próximo a uma estação de metrô. De uma forma rápida e segura, é possível fugir dos percalços e dissabores do trânsito. Mesmo assim, moradores do bairro de Higienopólis fizeram abaixo-assinado, pedindo que não se instalasse um ponto próximo às suas residências. Acreditavam que o transporte facilitaria o acesso de “gente diferenciada”.
Quem passa o verão em Salvador percebe como existem festas populares e gratuitas em profusão. Mas, uma parte dos foliões prefere pagar para apreciar as mesmas atrações de modo mais exclusivo. Na verdade, o grande atrativo das festas que cobram seria o fato custarem caro e por isto captarem muita “gente bonita”. Se existe o Carnaval, criam-se as cordas. Se temos a festa do Bonfim, lança-se um sugestivo evento chamado Bonfim Light.
Os paulistanos de Higienópolis e os soteropolitanos clientes de blocos carnavalescos e festas coloridas reproduzem um comportamento comum a todo o país. Tentam estabelecer uma barreira entre eles e aquela gente “diferenciada” e “feia”, que também é popularmente conhecida como pobre. É preciso evitar a visão e o contato, pois quem se aproxima dela, já perde status, a menos que esteja fazendo caridade.
A Faculdade de Direito da UFBA possui um órgão estudantil que presta assistência jurídica gratuita, criado na década de 60, o SAJU. Ele fica no subsolo do prédio.
O Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, cedeu um espaço para o Núcleo de Família da Defensoria Pública. Ele também fica no subsolo do prédio.
O Fórum Criminal de Salvador, o Carlos Souto, ostenta uma sala de atendimento da Defensoria Pública. Ela fica no andar térreo. Lá não tem subsolo.
O Fórum Ruy Barbosa, em Salvador, cedeu um espaço para o Núcleo de Família da Defensoria Pública. Ele também fica no subsolo do prédio.
O Fórum Criminal de Salvador, o Carlos Souto, ostenta uma sala de atendimento da Defensoria Pública. Ela fica no andar térreo. Lá não tem subsolo.
Não é uma coincidência que os locais onde deve circular com mais freqüência a “gente diferenciada” estejam quase sempre no porão. Isto garante menos trânsito e menos incômodo nos andares de cima, onde normalmente estão as pessoas mais “importantes” e “nobres”. Só gente bonita! Nos dois fórums citados, as salas do Ministério Público e da OAB estão em andares superiores. Já na faculdade, há um órgão estudantil mais novo, destinado à orientação de pequenas empresas, a ADV JR. Ela também fica na cobertura.
Se o público alvo é considerado de menor importância, as instituições que existem para atendê-lo também são. É por isto que, qualquer que seja o Estado brasileiro em que você viva, a Defensoria Pública é muito menos prestigiada que o Ministério Público e o Judiciário. É por isto que os políticos em geral acham natural que não exista sequer um defensor público na maioria das comarcas. É por isto que o governo da Bahia, por exemplo, acha normal que o Estado tenha empossado cerca de 70 novos promotores, desde o ano passado, embora "não exista dinheiro" para contratar novos defensores. Isto apesar de já existirem quase três vezes mais promotores.
Como a instituição é desvalorizada, seus profissionais também são. Acredita-se que os alunos da Faculdade de Direito devem trabalhar no SAJU, apenas enquanto estão nos primeiros semestres. Depois, devem passar aos estágios remunerados em escritórios de advocacia. Quando você atinge uma suposta maturidade, deve ter clientes e não assistidos.
Em regra, nos locais onde se paga melhor, o defensor público precisa atingir o último nível da carreira, para receber o mesmo que um promotor ou juiz no primeiro degrau. Em muitos Estados, até na última classe, aqueles recebem menos, ou bem menos, que os iniciantes dos últtimos. Assim, acredita-se que o jurista deve continuar como defensor público até ganhar a experiência necessária para montar um escritório particular, ou virar juiz ou promotor. Se você atinge uma suposta maturidade, deve ter clientes e não assistidos. Deve trabalhar com gente “bonita” e não com gente “diferenciada”.
Os outros juristas, costumam simpatizar com os Defensores Públicos, porque eles são “bonzinhos” e “abnegados”, desde que permaneçam em posição de subserviência. Se ousam contestar os do andar de cima, tornam-se problemáticos, invejosos ou desrespeitosos. Os assistidos também são pessoas humildes e trabalhadoras, desde que não se aproximem de Higienópolis e não pulem o muro do Bonfim Light ou contestem as normas estabelecidas. Aí, passam a ser rebeldes e desordeiros.
A pressão é tão forte que dentro das próprias Defensorias também costuma existir a idéia de que os seus profissionais são menos importantes. No fundo, muitos Defensores não questionam a existência das classes, mas apenas desejam ser aceitos na superior. Copiam as vestes, os ritos, as expressões e a própria estrutura do andar de cima. Bajulam os outros e se sentem muito felizes a cada elogio piedoso. Ao invés de lutar contra as diferenças, lutam apenas para deixar de serem “diferenciados”.
A batalha a ser travada pelas Defensorias Públicas, interna e externamente, é realmente árdua porque ultrapassa as leis. Se o CNJ e alguns governos, acreditam que “advogados voluntários” são soluções para a falta de estrutura das Defensorias é porque acreditam que a "gente diferenciada” não precisa de assistência permanente e profissional, mas de caridade. Os profissionais maduros são imprescindíveis apenas para julgar a “gente feia”, acusar a “gente feia” e defender a “gente bonita”.
Qualquer representante dos poderes executivo e legislativo que prega a redução das desigualdades sociais e o fim dos preconceitos, mas naturaliza a inferioridade dos defensores no sistema de justiça, mente ou se engana. A valorização da Defensoria Pública é sempre postergada porque sempre são postergados a construção de metrôs em Higienópolis e o fim das cordas no carnaval baiano. Um governo que a instrumentaliza, fortalece os "feios", “diferenciados”. Um político para sustentar a paridade de armas e a efetiva estruturação da Defensoria Pública, precisa ser capaz de fugir da política pequena e assistencialista. Deve se preparar para ser estadista. E fazer revolução.
Eu queria que esse fosse meu discurso de posse na DPE-BA, quando ela me quiser nos seus quadros.
ResponderExcluirA defensoria te quer nos seus quadros, Camila. Já quanto ao discurso, não sei se iria querer. hehehehhehe! Faz a campanha na hora. Eu ficaria feliz!
ResponderExcluirParabéns pelo excelente texto. Conseguiu ser forte e retratou bem a dificuldade que há(na verdade, resistência) para se pular a corda da discriminação social. Vamos entrar pelo subsolo para elevar os "diferenciados" à cobertura da cidadania!!!
ResponderExcluirPedro Wagner
Camila Berenguer, desde já eu te elejo oradora da turma, se entrarmos na mesma turma!!! O texto é excelente e retrata as dificuldades das Defensorias Brasil afora!!!
ResponderExcluirUma das coisas que mais causa espécie em relação ao desprestígio da Defensoria Pública na Bahia é a falácia que subjaz ao discurso dupostamente democrático e igualitário do PT. Não fossem as políticas eminentemente assistencialistas levadas e a efeito pelo governo (muito eficientes nas urnas) o hipossuficente não teria nenhum espaço nos centros das decisões.
ResponderExcluirNão há negociação com quem não tem algo a oferecer em troca.
O projeto é de total dominação. Nem mesmo a CF é respeitada. A luta é por um enfraquecimento de todo o sistema de Justiça é flagrante.
Vejam que nem mesmo a autonomia e independência do Judiciário Federal e MPU foi respeitada. O executivo simplesmente decotou suas respectivas propostas orçamentárias como se isso fosse constitucionalmente viável. Cuidado pessoal. Estamos vendo se erguer um projeto totalitário visando a perpetuação no Poder.
Obs.: sempre fui (passado) um ferrenho entusiasta do citado partido.
Rafson, seu coração sajuano me enche de esperança! e vamos à luta!
ResponderExcluir