Nas
últimas semanas, um tema domina os noticiários e se espalha pelas
redes sociais: a redução da maioridade penal. Pretendo me dirigir a
quem defende o clamor do momento, para sugerir uma forma mais
inteligente de fazê-lo. Digo isto porque os argumentos apresentados
costumam ser superficiais ou até inadequados à questão. Vou
indicar algumas premissas e pontos mínimos que não podem ser
ignorados.
Existe,
realmente, um problema?
O
primeiro ponto trazido pelos defensores da redução da maioridade é
o de que os adolescentes estão cometendo muitos delitos graves e são
os causadores da insegurança pública. Isto seria, de fato, um
problema. Porém, para saber se isto é verdade, seria necessário
responder algumas perguntas, como por exemplo: qual o percentual de
práticas de fatos definidos como crimes por adolescentes? Dentre
esses, qual o percentual de crimes graves?
Mas,
atenção! Os percentuais questionados não são deduzidos da
quantidade de notícias em jornais. Um veículo de imprensa escolhe o
que divulga, o que não divulga e como divulga. Aliás, os grandes
estudiosos de criminologia são unânimes em afirmar que,
normalmente, há uma ênfase extremamente exagerada nos delitos menos
comuns, como estupros e homicídios. Também existe destaque maior
quando o autor se enquadra em algumas características, como ser
menor de idade ou estar em regime semi-aberto. É necessário
consultar dados oficiais e pesquisas confiáveis.
Se
você conseguir ultrapassar esta etapa, não significa, de modo
algum, que a discussão acabou, mas somente que ela pode ser
iniciada.
Premissas.
Considerando
que você já tenha comprovado o problema e queira apontar o direito
penal como solução para ele, precisará recordar e enfrentar
algumas premissas inafastáveis do Estado democrático.
a)
Direito penal é a última alternativa. Penas são as sanções mais
graves em um ordenamento. São medidas drásticas. Sempre que existe
um problema, o direito penal só pode ser considerado opção se não
houver nenhuma outra solução possível.
b)
É preferível não punir penalmente quem mereceria, do que punir
quem não merece. Disto surgem duas consequências. Primeiro, é
preciso haver uma idade mínima, porque do contrário, haveria um
grande espaço de subjetividade na definição de quem poderia ou não
ser julgado como maior. Segundo, considerando que as pessoas se
desenvolvem de modo distinto, a idade mínima precisa ser aquela com
a qual a maioria das pessoas podem, seguramente, ser consideradas
responsáveis.
c)
O direito penal existe para evitar a prática da vingança. A sua
atuação precisa ser justificada por algum benefício que traga à
sociedade. Por isto, dizer, simplesmente, que "ele merece",
ou "se fosse sua mãe, o que você faria?"não é válido.
Se
você conseguir comprovar o problema ( o envolvimento significativo
de adolescentes em crimes graves) e superar as premissas ( não há
saída fora do direito penal, há uma idade inferior a 18 anos em
que, com segurança, podemos afirmar que uma pessoa já seja
plenamente capaz e você espera algo, além de vingança), vamos
analisar se o meio escolhido (reduzir a maioridade penal) é bom ou
não.
Uma
pena mais grave reduziria a quantidade de crimes?
Normalmente,
as pessoas afirmam isto, porque acham que 03 anos de privação de
liberdade é muito pouco, para inibir que pessoas pratiquem delitos.
Assim, aumentar a duração resolveria os problemas. Para discutir
isto de verdade, é preciso consultar estudos sérios apontando a
relação entre penas mais graves e redução de delitos. Uma
pesquisa histórica sobre o tema foi realizada por Georg
Rusche e Otto Kirchheimer e se chama "Punição e Estrutura
Social". Vale também verificar se, entre os adultos, o
robusto incremento de rigor decorrente da lei dos crimes hediondos
fez diminuir os crimes hediondos.
Outro
aspecto a ser considerado é que o tempo também é relativo. Para
quem viveu pouco tempo (os adolescentes) e para quem tem pouco tempo
a viver (os velhos), três anos têm valor diferente do que para quem
possui 30 ou 40 anos. Além disto, a sensação de duração de tempo
é distinta na prisão e em liberdade. Eisten (sim, aquele)
exemplifica este fenômeno com um rapaz passando um minuto ao lado de
uma moça agradável ou sentado em um fogão aceso. No primeiro caso,
sentirá que o tempo passou rápido, enquanto no segundo, achará uma
eternidade.
Tudo
isto precisa ser enfrentado para responder a pergunta. Em suma, você
precisará descobrir se, de fato, os adolescentes fazem coisas
erradas apenas porque acham que "03 anos passam rapidinho, o
castigo é insignificante”. Não é suficiente repetir chavões
como "logo, ele estará livre", "ele sabe que a
punição é pequena".
A
prisão é um boa escola?
Outra
teoria frequente no senso comum é a de que a punição rigorosa
levaria ao "aprendizado", pelo castigado, de como se portar
futuramente. Neste caso, seria necessário perguntar se restringir o
grupo social de pessoas de 16 anos a adultos mais experientes
na prática de delitos, seria uma boa maneira de ensiná-las os
valores sociais considerados adequados.
Necessário
também investigar se os adultos selecionados pelo sistema penal e,
principalmente, pela prisão, costumam ser devolvidos à sociedade
mais ou menos adaptados às suas regras. Após o cumprimento da pena,
o egresso costuma se sentir mais incluído ou mais excluído? Ele se
identifica e constrói a autoimagem de cidadão ou de marginal? O
índice de reincidência é grande ou pequeno? São indagações
muito relevantes e que precisam ser analisadas.
Quem
paga a conta?
Um
aspecto desta possível solução para o problema é estranhamente
omitido dos debates. Prender mais pessoas ou prender pessoas por mais
tempo, demanda a construção de mais locais para abrigá-los.
Infelizmente, ou felizmente, penitenciárias não são encontradas na
natureza. Elas precisam ser construídas, e mantidas.
Nossa
população carcerária é uma das maiores e das que mais crescem no
mundo. O sistema penal do Brasil já tem um déficit de vagas muito
grande. Onde esses novos presos seriam colocados? Seriam construídas
novas unidades? Quantas? Qual o custo? De onde sairá a verba?
Quantos hospitais deixarão de ser criados? Quantos professores e
médicos deixarão de ser contratados? Em resumo, qual a prioridade,
prisões ou escolas?
As
possibilidades e consequências de o Estado sustentar, dentro das
exigências legais, novas vagas para encarcerar mais gente devem ser
esclarecidas. Do contrário, será apenas uma proposta irresponsável
de políticos populistas, acatada por inocentes (ou não) úteis.
Conclusão
Estas
são algumas perguntas a serem respondidas, para racionalizar o
debate. Não esgotam, porém, o tema. Muitas outras questões
poderiam ser formuladas. Um bom exemplo, é o fato de a Constituição
da República dizer que os direitos e garantias individuais não
podem sequer ser objeto de emenda constitucional (artigo 60 §4º) e
idade mínima penal se encontra entre elas (art. 228). Como
viabilizar projetos de lei flagrantemente inconstitucionais?
Sem
passar por este processo de maturação das ideias, quem propõe
reduzir a maioridade penal apresentará um discurso vazio e rasteiro.
Por isto, vai continuar a ser tratado com desprezo pelos
seus oponentes. Não é porque eles são arrogantes. É porque
quem discute com base em senso comum não pode ser levado a sério.
Está na hora de ampliar, no sentido de difundir, a maioridade
intelectual.