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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Juízes, Jornalistas e as Garantias.

Uma das dificuldades em sustentar os direitos individuais dos acusados por crimes é que o interlocutor raramente se identifica com "eles". Parece que nós conversamos sobre estrangeiros ou até sobre outra espécie de ser vivo. Seria absurdo falar em proteção do réu, pois "todo mundo sabe" que "eles" são culpados e ficam se escondendo atrás de "brechinhas" da lei. Os direitos humanos, neste caso, só servem para os "bandidos" e não para os "humanos direitos". Afinal de contas, os "humanos direitos" não temem ser réus, porque "quem não deve não teme". Como os "homens da lei" são nobres, dignos e sempre cumprem a lei, não haverá acusações e muito menos condenações falsas.

Na Argentina, um juiz virou réu. Não é um juiz qualquer, é um juiz da mais alta instância do país, equivalente ao Supremo Tribunal Federal. Muito além disto, professor, autor de vários livros traduzidos em diversas línguas, é o acadêmico do direito mais respeitado da América e, seguramente um dos mais respeitados do mundo. Professor e magistrado, duas das funções sobre as quais recai mais presunção de nobreza e dignidade, porém, agora acusado de envolvimento com prostituição. A imputação, aliás,  para mim, é absurda.

Em Salvador, uma fotógrafa de um dos maiores jornais da cidade foi levada à delegacia, acusada de "desacato à autoridade" de um policial. Ela queria retratar a fachada de um prédio, onde morrera um PM. Pediu para um guarda virar o rosto e ele se recusou. Discutiram e armou-se a confusão. Jornalista, uma das profissões sobre as quais recai mais presunção de nobreza e dignidade, porém, agora, acusada de um crime. Imputação, aliás, igualmente absurda.

 Mesmo absurdas as imputações, juiz e jornalista precisam da presunção de inocência, para não serem punidos antes da hora precisam do contraditório, para poder apresentar as suas versões, precisam da estrita legalidade, para que não se criem motivos arbitrários para condená-los. Magistrado e fotógrafa precisam também que as pessoas desconfiem da versão apresentada pela polícia, pelo Ministério Público, pela imprensa...

Por incrível que pareça, as acusações de roubo, furto, tráfico, estupro e homicídio, feitas contra os pobres, que não tem um jornal, uma toga ou a academia ao seu lado, são feitas da mesma forma que essas. É assim que se cria, por exemplo, um "baralho do crime", rotulando, sem explicar a razão, algumas pessoas determinadas como as "mais perigosas". Os jornais reproduzem e se referem, nas manchetes, aos ases, reis e demas de copas, paus e espadas. Os juízes aceitam, acriticamente, os rótulos e os utilizam ao julgar.

Assim, a roda gira. Imprensa e acusação se confundem e celebram a abençoada união. Julgadores, que se sentem distantes do banco dos réus, identificam-se também com a imprensa e a acusação e entram também na festa. São todos "parceiros", pela "segurança pública", no combate ao "mal". Quando passam para o "lado de lá", porém, sentem a necessidade das garantias e podem entender porque elas são fundamentais. É que só a sua existência pode proteger qualquer um, inclusive eu, você ou eles mesmos, dos "nobres" e "dignos", como os jornalistas e os juízes.

ps: O juiz mencionado é um dos maiores defensores das garantias e jornalista citada, até onde eu sei, nunca escreveu qualquer matéria sensacionalista.


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