Há cerca
de quatro anos, o Brasil se vê, vez ou outra, discutindo uma questão que parece gramatical. Existe variação de gênero para a palavra
“presidente”? Isto se deve, como todos sabem, à ascensão de
uma mulher ao topo do poder executivo. A autoridade declarou como
gostaria de ser chamada e passou a adotar a forma desejada nos
documentos oficiais. Houve estranhamento imediato e alguns veículos
de comunicação, como o jornal Folha de São Paulo e a revista Veja, declararam
solenemente que se recusavam a respeitar a vontade dela.
A
resistência apareceu sob o argumento de preservação da língua.
Para a linguística, trata-se de evidente bobagem. Todas as línguas
mudam o tempo inteiro, inclusive a nossa, o que não significa perda
de valor. O exemplo mais conhecido é o da transformação de “vossa
mercê”, em você. Mas, eles são inúmeros. Sugiro a leitura, no
original, da Carta de Pero Vaz de Caminha, ou de textos da década de
1950. Não falamos como nossos avós, que não falam como Caminha,
que não falava como os avós dele, que não falavam o latim vulgar,
usado por analfabetos, de onde surgiram o português, o italiano, o
francês e o espanhol. Que pureza é esta que se defende?
Ainda que
a expressão “presidenta” fosse uma novidade, não haveria motivo
para tantas reclamações. Mas, o pior é que não é. Fala-se de
dicionários do século XIX que já a utilizavam. Dois dos livros de
gramática mais respeitados atualmente apontam a correção do termo,
de maneira bastante interessante. Ambos, falando das normas apontam
para o que está além delas. Luiz Antônio Sacconi1,
tratando das principais dúvidas sobre gênero, escreve o seguinte.
“ À
esposa de um presidente se dá o nome de primeira-dama. E ao marido
de uma presidenta ou de uma
primeira-ministra, que nome dar?
A
língua não previu a situação em que um homem esteja na situação
de marido de presidenta,
primeira-ministra, governadora ou prefeita; daí porque não existe o
termo masculino correspondente”.
Evanildo
Bechara2,
por sua vez, antes de
apontar a palavra presidente como exemplo de termo variável, discorre sobre o gênero das
profissões femininas.
“ A
presença, cada vez mais justamente acentuada, da mulher nas
atividades profissionais que até bem pouco eram exclusivas ou quase
exclusivas do homem tem exigido que as línguas - não só o
português- adaptem o seu sistema gramatical a estas novas
realidades”
Os
dois livros citados, ambos com mais de 30 edições, indicam a razão
fundamental do uso de “presidenta”. Trata-se de postura política
para evidenciar o fato de que as mulheres estão vencendo séculos de
opressão e assumindo postos antes inacessíveis. A opção pelo
termo não é um mero capricho e muito menos autoritarismo. É uma
tomada de posição. Não produz efeito apenas em relação à atual
mandatária, mas a todas as mulheres. O termo presidente é tão notadamente relacionado ao masculino que não há heterônimo masculino para primeira-dama. Por isto, presidenta faz sentido e "presidento" não.
Assim,
tendo em vista que a linguística não se opõe às modificações da
língua, gramáticos respeitadíssimos não se opõem ao uso do termo
e ele possui valor para a afirmação da emancipação feminina, se
recusar a utilizar “presidenta” é, também, uma posição
política. Não se trata, portanto, de gramática. Esta postura requer a tomada de algumas decisões, que envolvem
ignorância em relação à linguística e à gramática, desrespeito à pessoa e
insensibilidade às mulheres.
A
ignorância em relação à linguística se encontra na obsessão pela imutabilidade. Sobre a gramática, está no desconhecimento sobre os debates e, logo, sobre as possibilidades de escolha. O desrespeito à
pessoa ocorre quando alguém pede para ser chamado por um entre dois
termos possíveis, que não possui nenhum teor ofensivo, mas opta-se,
deliberadamente, por contrariá-la. A insensibilidade às mulheres
acontece quando se fecha os olhos para a sua difícil
luta por afirmação e decide-se atacá-la. A raiva contra o uso de "presidenta" transparece a colocação da birra
contra uma pessoa, ou contra um partido, acima de tudo isto. É fácil ver onde está o uso da intransigência.
1
SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa: teoria
e prática. 31 ed. São Paulo:
Nova Geração, 2011.
Rafson, obrigado. Vc conseguiu mudar meu pensamento sobre a matéria. Doravante usarei com mais frequência para reeducar meus ouvidos e cérebro. Abraços. parabens pelo Blog.
ResponderExcluirAdivinha quem será minha vítima chamando-a de Presidenta?